Acórdão nº 281/07.9TBSVV.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Março de 2011

Magistrado ResponsávelSERRA BAPTISTA
Data da Resolução31 de Março de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA e BB, por si e na qualidade de herdeiras do falecido CC, intentaram a presente acção, com processo ordinário, contra DD e EE, pedindo a condenação destes a pagar-lhes a quantia de € 116 939,15, acrescida de juros desde 22/6/2002, quanto ao depósito à ordem e desde a liquidação de cada uma das promissórias nas datas indicadas, quanto aos depósitos a prazo, até integral e efectivo pagamento. Pedindo, ainda, subsidiariamente, a condenação dos réus no mesmo pagamento, com base no instituto do enriquecimento sem causa.

Alegando, para tanto, e em suma: São as únicas e universais herdeiras de CC, falecido em 22/6/2002, sendo o mesmo e o réu marido os únicos sócios da sociedade FF – Metalúrgica Transformadora, Lda, na qual sempre desenvolveram as suas actividades profissionais, nela se dedicando o finado, essencialmente, a desenvolver a parte produtiva, dedicando-se o réu marido, essencialmente, à parte administrativa e contabilística.

Existia entre eles uma relação societária de confiança, proximidade e apoio.

Convencionaram ambos ir aplicando em depósitos a prazo rendimentos que lhes advinham de negócios que promoviam conjuntamente, para depois distribuírem em partes iguais os ditos proventos.

Em tal âmbito e finalidade abriram uma conta solidária na CCAM de Sever do Vouga, em 16/7/97, que podia ser movimentada com a assinatura de qualquer um deles, sendo as quantias ali depositadas pertença de ambos, em partes iguais.

Tendo o réu marido e o finado nela efectuado diversos depósitos à ordem e a prazo.

À data da morte do CC a conta apresentava um saldo à ordem de € 14 048,71, tendo associados diversos depósitos a prazo no valor global de € 219 829,60.

Tendo-se o réu deles apropriado.

Só em 4/4/2003 as autoras tomaram conhecimento da dita conta, devendo os réus restituir-lhe metade das aludidas quantias.

Citados os réus, vieram os mesmos contestar, por excepção e por impugnação.

Sustentando que o réu marido era o único titular da questionada conta.

Replicaram as autoras, pugnando pela improcedência da excepção.

Foi proferido o despacho saneador, tendo sido fixados os factos tidos por assentes e organizada a base instrutória.

Realizado o julgamento, foi decidida a matéria de facto da base instrutória pela forma que do despacho junto de fls 982 a 983 consta.

Foi proferida a sentença que julgou a acção improcedente, tendo absolvido os réus do pedido.

Inconformadas, vieram as autoras interpor, sem êxito, recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra.

Ainda irresignadas, vieram pedir revista para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo formulado, na sua alegação, as seguintes conclusões: 1ª - Na sentença o Juiz pode tomar em consideração factos exarados em documentos, mesmo que não objecto de alegação, dedução ou afirmação pelas partes - princípio da aquisição processual plasmado no art. 515° do C. P. Civil (Ac. STJ. de 2/1212004, Proc. n°. 04B3822.dgsi.net).

  1. - A prova documental tida em vista no art. 659° n°. 3 do C. P. C. é aquela de que o Tribunal não dispunha na fase da condensação do processo ou então não teve em devida conta, devendo ter-se em atenção a força ou eficácia probatória desses documentos (Ac. STJ. de 13/0112005, Proc. 04B4251.dgsi.net).

  2. - A interpretação da decisão judicial, como acto jurídico, obedece em princípio aos critérios de interpretação dos negócios jurídicos (art. 236° e ss. por remissão ao art. 259° do C. Civil) - Ac. STJ. de 24/02/2005, Proc. 05B292.dgsi.net.

  3. - Encontram-se nos Autos documentos com força probatória bastante, que determinavam que outra fosse a interpretação e aplicação da lei substantiva que está subjacente à questão discutida, tudo a conduzir a que outra tivesse de ser a decisão a proferir pelo Tribunal, com a consequente procedência da acção e a condenação dos RR. no pedido.

  4. - Os depósitos em nome de mais do que um titular presumem-se pertencentes, proporcionalmente, a cada um deles ... Sendo que a conta de depósito aberta em nome de duas ou mais pessoas que ficam com o direito a fazer funcionar (conta colectiva) regula-se pelos princípios da solidariedade activa... Da titularidade de uma conta bancária conjunta ou colectiva não deriva, por si, a quota de cada um dos titulares. Assim, não resultando da relação jurídica entre codepositários que as suas quotas são diferentes, é de presumir que comparticiparam em partes iguais na conta de depósito, por força do art. 516° do C. Civil (cf. Ac. STJ. de 07/07/1977: BMJ., 269° - 136; Ac. RE. de 18/11/1976: BMJ., 264° - 247; arts. 516° e 533° do Cód. Civil, Cód. da Sisa e Imposto Sobre Sucessões e Doações - art. 9°, n°. 6, § 1°; Ac. RL. de 27/09/1990: Col. Jur., 1990, 4° - 132; Ac. RL. de 26/05/1994: Col. Jur., 1994, 3° - 105°; Ac. STJ de 05/11/1998: Col. Jur. STJ., 1998, 3° - 95; Ac. STJ. de 17/06/1999: Col. Jur. STJ, 1999,2° - 152; Ac. STJ. de 20/01/1999: Col. Jur. STJ, 1999, l° - 48°) 6ª - Foi nestas condições, e com esse sentido, de acordo com os factos provados agora fixados pelo Douto Acórdão revidendo, designadamente os factos (2), (6), (8), (9), (10), (11), (15), (16), (17), (18) e (19), aliados ao teor da Ficha de Abertura de Conta de fls. 25, e aos documentos de fls. 26 a 48, 219, 220, 230 a 246, 255 a 389, 421, 437, 441 a 458, 464 a 490, 496 a 519, 522 a 553, 555 a 559, 561 a 604, 606 a 935, 954 a 973, que dão força à matéria alegada pelas AA. e à prova efectuada nos Autos, que foi constituído o Contrato de Abertura de Conta, solidária e com dois titulares, a que se reportam os Autos (cf. Ac. RP. de 08/10/2001: Apelação nº. 1028/01.trp.pt).

  5. - Da matéria que o Tribunal deu por provada, e que se encontra documentada nos Autos, não se colhe que um qualquer depósito, em cheque ou numerário, efectuado na conta referida em (2) dos factos provados e depósitos constituídos a partir desta, sejam propriedade do Réu marido, ou que fossem provenientes de produto do seu único e exclusivo trabalho ... O que dali se colhe é que a conta foi aberta por acordo entre ambos em nome do Réu marido e do CC, como conta solidária, que podia ser movimentada com a assinatura de qualquer dos titulares... E mais, que foi o Réu marido quem forneceu, para preenchimento do contrato de Abertura de Conta, os elementos de identificação do CC, incluindo o BI e o NIF, à Instituição Bancária em questão [Factos Provados (2) e (16)] - cf. a este propósito Ac. RL. de 10/10/1988, in Col. Jur. 1989, Tomo IV, pág. 143.

  6. - Não ficou demonstrado nos Autos que o produto dos depósitos = dinheiro ou valores = fosse propriedade do Réu EE, em parte ou exclusivamente... Pelo que, em conformidade com o disposto no art. 516° do C. Civil, ter-se-á forçosamente de presumir que as importâncias existentes na dita conta eram comuns e, portanto, pertenciam ao Réu EE e ao CC na proporção de 50% para cada um.

  7. - Pelo facto de existir uma conta solidária não pode deduzir-se que a morte de um titular implique que o montante depositado seja propriedade do outro, ou dos outros contitulares - (cf. Ac. RE. - Proc. 408/03-3 de 12/06/2003, in www.dgsi.pt) 10ª - A boa fé é o princípio normativo em cuja aplicação devem ponderar-se os valores fundamentais do direito em face da situação concreta e em que, como directrizes, se deverá atender em especial não só à confiança das partes no sentido global das cláusulas, processo de formação do contrato, seu teor e outros elementos atendíveis, como também ao objectivo que as partes visam atingir negocialmente à luz do tipo de contrato realizado, o que tudo se traduz pela tutela da confiança e pela primazia da materialidade, subjacente à questão, em luta contra um estrito formalismo (Ac. STJ. de 28/10/1997: BMJ, 470° - 597) 11ª - No caso dos Autos, face a todos os elementos probatórios (prova testemunhal e documental) para eles carreado, não há como não concluir que o Réu EE, ao actuar como o fez, levantando em seu benefício todas as quantias depositadas na conta solidária referida, agiu de má fé, que é evidente, violando o disposto nos arts. 762° e 334° do C. Civil.

  8. - Diz-nos o senso comum e ditam as regras da experiência que, se efectivamente a conta fosse constituída só no interesse do Réu EE e apenas com o produto - dinheiro - deste, nunca aquele faria incluir na conta o nome e os dados de identificação do CC, antes assegurar-se-ia de que as importâncias depositadas na dita conta não pudessem ser exigidas, ou movimentadas, fosse a que titulo fosse, pelo finado CC, e procederia à abertura de conta fazendo nela incluir, v. g. o nome de outra pessoa de sua confiança (v.g. a Ré mulher), ou depositá-las-ia numa outra conta que os RR detêm na mesma instituição segundo declararam em depoimento de parte, como aliás o próprio Tribunal "A Quo" o entendeu na Fundamentação do Douto Acórdão revidendo.

  9. - Considerando o exposto, deveria o Meritíssimo Juiz "A Quo" ter recorrido às regras da experiência, conjugadas com os factos tidos por provados, e concluir, por presunção, que as importâncias movimentadas e existentes na aludida conta eram propriedade do Réu EE e do CC na proporção de 50% para cada um (A. Lopes Cardoso: RT, 86° - 112 e AA. aí cits., RLJ, 108° - 352).

  10. - De acordo com a Ficha de Abertura de Conta de fls. 25 e dos depoimentos prestados em audiência de julgamento (designadamente pelas testemunhas Dr. GG e HH, ambos bancários), o próprio banco considera que a conta é solidária, que tem dois titulares, embora falte a assinatura de um deles e, portanto, opera "in casu" a presunção da compropriedade do dinheiro dos dois titulares ... Pelo que, conhecida a morte de um dos titulares da conta, como conheciam e resulta da prova produzida, deveria até ter sido bloqueada a conta, senão na sua totalidade, pelo menos a 50% do seu valor depois da morte de um dos titulares.

  11. - "O Juiz não excede os limites impostos pelas regras do art.. 664.º do C. P. Civil, quando, para fundamentar o julgamento de direito, se serve de matéria de facto não expressamente alegada, mas que é...

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