Acórdão nº 237/04.3TCGMR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Março de 2011

Magistrado ResponsávelTÁVORA VÍTOR
Data da Resolução16 de Março de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça.

AA intentou acção com processo ordinário contra: BB e marido CC; DD e mulher EE pedindo que: a) Sejam declaradas inválidas as renúncias à gerência da sociedade FF - Gabinete de Contabilidade, Lda." por parte do primeiro Réu varão e da segunda Ré mulher; b) Seja ordenado o cancelamento dos respectivos registos junto da Conservatória do Registo Comercial de Guimarães; c) Sejam os Réus solidariamente condenados a pagar-lhe a quantia global de € 247.916,33 com as proveniências descritas nos artigos 71°, 73°, 76°, 77° e 81°, sem prejuízo de a mesma vir a ser fixada em montante superior, nos termos do artigo 569° do Código Civil, acrescida dos legais juros de mora vincendos, sendo os relativos às quantias peticionadas nos referidos artigos 76°, 77° e 81° a contar da data da citação e todos até integral e efectivo pagamento.

Alega que, juntamente com o primeiro Réu e a segunda Ré, são os únicos sócios da sociedade FF - Gabinete de Contabilidade, Ld", cada um com uma quota de Esc. 200.000$00, todos gerentes desde a constituição.

A sociedade tem por objecto o desenvolvimento das actividades de contabilidade, auditoria e consultoria fiscal e, em finais de 2001, atingiu um volume anual de receitas na ordem dos € 140.000, com os quais suportava todas as despesas e encargos sociais, incluindo os fiscais, no valor médio anual de € 110.000, incluindo os valores respeitantes às remunerações fixas, gratificação de gerência e subsídio de alimentação que, no valor global de Esc. 329.261$00 ou € 1.642,35, cada um dos três sócios recebia mensalmente, apresentando um lucro que ascendeu a cerca de € 30.000.

Desde meados de Setembro de 2001 os referidos Réus deixaram de dialogar consigo, não permitiam se mantivesse a par dos negócios da sociedade, nem ter voto na matéria relativamente aos empréstimos que a sociedade, por deliberação daqueles concedeu aos primeiros Réus e à irmã do primeiro Réu, nos montantes de, respectivamente, € 4.489,18 e cerca € 2.244,59, alteravam a voz e carregavam o semblante nas poucas conversações que, no âmbito da actividade diária ainda tinham que manter, impediam-na de contactar com os clientes, ao mesmo tempo que perante estes tentavam denegrir a sua imagem, tudo com o objectivo pensado de, através da fragilização da sua pessoa, lograrem que esta se afastasse voluntariamente da sociedade.

Perante a sua firmeza em defender a permanência na sociedade, em Outubro de 2001, os Réus ofereceram-lhe pela cessão da respectiva quota a quantia de Esc. 4.000.000$00, que não aceitou.

Em 9 de Novembro de 2001 os Réus remeteram carta à sociedade renunciando à gerência a partir do dia 30 do mesmo mês, nomeando para gerentes substitutos dois estranhos à sociedade que nada entendiam.

Através dos seus "testas de ferro" procederam à revogação dos contratos de arrendamento do escritório e outros que a sociedade mantinha com entidades fornecedoras de bens ou serviços.

Devido ao comportamento dos Réus, viu-se obrigada a permanecer sozinha no escritório da FF a fim de, na medida do possível, continuar a honrar os compromissos para com os clientes, o que fez até 29 de Março de 2002, data em que ficou privada das instalações, dos equipamentos de trabalho e manietada por falta de recursos financeiros, sendo obrigada a renunciar à gerência.

A A. auferia € 748,20 de remuneração propriamente dita, € 111,98 a título de subsídio de refeição e € 782,16 respeitantes à gratificação de gerência, que deixou de receber por culpa dos Réus, a primeira a partir de Março de 2002 e a terceira desde Dezembro de 2001, em montante calculado até ao final de Janeiro de 2004 em € 46.689,93, acrescido de juros, sendo os vencidos de € 1.226,40.

Com a destruição da FF deliberadamente levada a cabo pelos Réus, estes impediram-na de continuar a beneficiar dos proventos que a actividade social lhe proporcionava, em montante não inferior a € 25.000.

A conduta dos Réus esvaziou de qualquer valia a sua posição social privando-a de um bem de valor não inferior a € 150.000.

Em virtude das perseguições, alheamentos, vexames e, sobretudo constrangimentos de que foi vitima, sofreu dores e forte abalo psíquico, receios e angústias de que se encontra a recuperar e que a obrigaram a submeter-se a exames e tratamentos diversos, causando-lhe sentimentos de inutilidade e de fracasso, tristeza acentuada, falta de esperança no futuro, perturbação do sono, perda de apetite, conflitos familiares e apatia, problemas de memória e de atenção. Pretende ser compensada a este título com quantia não inferior a € 25.000.

Os Réus contestaram, invocando a ilegitimidade da Autora, pois a factualidade alegada daria lugar, quando muito, a indemnização da sociedade.

Invocaram, igualmente, a ilegitimidade da primeira Ré mulher e do segundo Réu marido uma vez que a causa de pedir se resume às relações entre os seus cônjuges, a sociedade e a Autora.

Contrapuseram, ainda, que a clientela ascendia a cerca de uma centena de clientes que havia sido angariada pelo primeiro Réu, o volume de receitas no exercício de 2001 foi de € 98.370,43 enquanto o lucro ascendeu a € 23.460,53 e cada gerente apenas auferia € 748,20 a título de remuneração.

Acrescentaram que os contactos de carácter técnico e profissional com os clientes com contabilidade organizada tinham de ser levados a cabo pelo primeiro Réu e pela segunda Ré, que eram técnicos oficiais de contas, ao passo que a Autora não o era.

Devido à deterioração das relações derivadas do deficiente trabalho da Autora, com erros, atrasos e problemas criados com as funcionárias, propuseram-se adquirir a quota da Autora ou ceder as suas pelo valor de Esc. 4.000.000$00, proposta que não foi aceite.

Devido ao impasse criado, não estando dispostos a trabalhar com a Autora, renunciaram à gerência e foram nomeados outros gerentes, deliberação que aquela não impugnou.

Enquanto técnicos oficiais de contas estavam obrigados a comunicar aos clientes que cessavam as funções enquanto tal. Estes, ao tomarem conhecimento que iriam continuar a actividade integrados noutra empresa, por sua iniciativa rescindiram os contratos que tinham com a FF Lda..

Referiram, ainda, que os livros selados, pastas e documentos dos clientes, estão à guarda do técnico oficial de contas, sendo obrigatoriamente entregues findo o contrato; as funcionárias solicitaram-lhes emprego após a cessação do vínculo contratual com a FF Lda. e não procederam ao aumento de capital por deliberação que a Autora não impugnou.

A Autora replicou, pugnando pela legitimidade de todos os sujeitos.

Foi proferido despacho saneador que julgou improcedentes as excepções de ilegitimidade, pronunciando-se pela validade e regularidade de todos os pressupostos processuais, estado em que, aliás, se mantêm.

Considerando que o estado dos autos permitia o conhecimento de mérito foi proferida sentença que absolveu os Réus dos pedidos.

Inconformada, a Autora apelou.

O Tribunal da Relação de Guimarães confirmou a sentença proferida.

Mantendo-se inconformada, a Autora recorreu para este Supremo Tribunal que revogou o acórdão da Relação para que fosse substituído por outro que ordenasse o prosseguimento dos autos com selecção de factos assentes e definição de base instrutória.

Prosseguiram os autos a sua tramitação no Tribunal de 1ª instância, seleccionando-se os factos e elaborando-se a Base instrutória sem reclamações.

Realizado o julgamento foi proferida sentença que julgando a acção improcedente por não provada e absolveu os RR. do pedido formulado pela Autora.

Apelou a Autora sem êxito, já que viu confirmada a decisão da 1ª instância.

De novo inconformada recorre, agora de revista, terminando por pedir: a) Que se julgue a acção procedente por provada condenando-se os recorridos nos pedidos contra eles formulados ou que: b) Pelo menos julgando a acção parcialmente procedente por provada equitativamente se condenem os recorridos no pedido constante da alínea c) da Petição inicial contra eles formulado.

Foram para tanto apresentadas as seguintes, Conclusões.

1) Na sua generalidade, a matéria de facto assente nas instâncias - e da que ainda venha a ser considerada como tal por este Tribunal - inclusive com respeito da equidade e correctamente apreciada e à luz das boas regras de experiência - permitiam que as mesmas julgassem a acção, ainda que parcialmente, provada e procedente, porquanto: 2) Ao renunciarem à gerência, (ainda que o não tivessem feito de forma planeada e dolosa), os recorridos tornearam a proibição vertida no artº 254º do CSC que, enquanto gerentes e já não como sócios, lhes proibia o exercício da mesma actividade que, como sócios e gerentes desempenhavam e desenvolviam na FF; 3) Sendo que a proibição de exercício de actividade concorrente com a da sociedade a que se reporta o artº 254º do Código das Sociedades Comerciais só se aplica aos casos em que os gerentes não são os próprios sócios da sociedade, mas apenas àquelas pessoas em quem estes (sócios) delegaram os necessários poderes para, em lugar deles (sócios), exercerem a actividade de administração e representação de uma qualquer sociedade; 4) Em parte alguma do artº 254º do CSC se vislumbra sequer uma referência à proibição de concorrência pelos sócios! Antes, a proibição nele imposta, apenas se reporta aos gerentes! 5) Sendo que, in casu e tendo ainda em conta o disposto no artº 2º do citado CSC, a proibição de concorrência caiba na previsão do artº 990º do Código Civil, onde - salvo se autorizados pelos restantes sócios - se proíbe aos sócios o exercício de actividade concorrencial com a sociedade; 6) Resultando com linear clareza que, todos os demais actos praticados pelos recorridos, melhor identificados na parte descritiva...

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