Acórdão nº 1279/08.5TBLSD.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Março de 2011

Magistrado ResponsávelVIEIRA E CUNHA
Data da Resolução15 de Março de 2011
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

● Rec. 1279-08.5TBLSD.P1. Relator – Vieira e Cunha (decisão de 1ª instância de 28/6/10). Adjuntos –Des. Mª das Dores Eiró e Des. Proença Costa.

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Os Factos Recursos de apelação principal e subordinado interpostos na acção com processo ordinário nº1279/08.5TBLSD, do 1º Juízo da Comarca de Lousada.

Autores – B…, C…, D…, E…, F… e G….

Réus – Fundo de Garantia Automóvel e H….

Pedido Que os Réus sejam condenados a pagar aos Autores a quantia de € 770.770,00, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação, a atribuir na proporção que couber a cada um dos AA.

Tese dos Autores Os AA. são os universais herdeiros de I….

No dia 14/9/03, pelas 00,50h., no …, na Estrada Municipal que liga … a …, concelho de Lousada, ocorreu um acidente de viação envolvendo o ciclomotor, de matrícula ..-..-PV, conduzido pelo Réu H… e o falecido peão de quem os AA. são únicos herdeiros.

O ciclomotor circulava no sentido …-…, e o peão em sentido oposto, pelo lado esquerda da berma, atento o sentido de marcha do ciclomotor. Ora, por via de condução em velocidade excessiva e desatenta, o ciclomotor entrou em derrapagem, no momento em que iniciava uma curva à sua direita, e foi atingir o peão, provocando-lhe a morte, por forma necessária e adequada.

O Réu, condutor do ciclomotor, fugiu do local do acidente e não era possuidor de licença de condução.

Computam o valor do dano patrimonial e não patrimonial no montante peticionado.

Tese do Réu H… Os irmãos do Réu são partes ilegítimas quanto aos direitos peticionados, direitos esses adquiridos directa e originariamente pelas pessoas indicadas no nº2 do artº 496º C.Civ., sem transmissão sucessória.

O Réu foi absolvido em processo-crime anterior, por decisão transitada em julgado.

A vítima apresentava problemas visuais graves e não caminhava na berma da estrada.

Tese do Réu Fundo de Garantia Impugna motivadamente quer o modo como o acidente ocorreu, e é descrito pelos AA., quer o montante a natureza dos danos invocados.

Despacho Saneador e Sentença Recorridos No despacho saneador, os AA. foram julgados partes legítimas.

Na sentença, a Mmª Juiz “a quo”, na parcial procedência do pedido: a) absolveu os RR. do pedido de condenação formulado por F…; b) na parcial procedência do pedido, condenou os RR. a, solidariamente, pagarem à Autora B…, e como herdeiros de K…, a esta e a C…, D…, E… e G…, a quantia de € 90 075, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, vencidos e vincendos, desde a citação, e até efectivo e integral pagamento.

Conclusões do Recurso de Apelação do Réu Fundo de Garantia Automóvel: 1 – Se se admite que a indemnização seja fixada em montante inferior aos danos em situações em que há culpa – artº 494º C.Civ. – por maioria de razão essa limitação deve ocorrer nos casos de responsabilidade pelo risco.

2 – As circunstâncias do caso – perigosidade geral do trânsito de peões, inexistência de culpa do condutor, circulação do peão fora da berma, elevada taxa de álcool do lesado e redução da capacidade de visão do mesmo – devem determinar a redução da indemnização em 60% do seu montante, por aplicação do artº 494º C.Civ., “ex vi” artº 499º do mesmo diploma.

3 – Os juros de mora sobre a indemnização dos danos morais devem calcular-se desde a sentença (releva-se aqui o manifesto lapso, pela contradição notória que acarretaria face ao corpo das alegações).

4 – O Réu deve ser absolvido do pedido da Autora G….

5 – O tribunal “a quo” violou o disposto nos artºs 499º, 494º, 805º, 566º nº2 e 2133º C.Civ.

Conclusões do Recurso de Apelação do Réu H… (resenha): 1 – Os AA. irmãos da vítima nestes autos, cunhada e sobrinha por direito de representação, são partes ilegítimas pois não têm direito às indemnizações peticionadas e mencionadas no nº2 do artº 496º C.Civ., porquanto tais danos nascem por direito próprio na titularidade das pessoas aí designadas, sendo adquiridos directa e originariamente por tais pessoas, não havendo lugar a transmissão sucessória dos mencionados danos não patrimoniais (direito que o “de cujus”, pai da vítima do acidente dos autos, não tinha à data da sua morte).

2 – Esses direitos nascem “jure proprio”, no património das pessoas a que se refere o nº2 do artº 496º C.Civ., com respeito pela ordem sucessivamente excludente estabelecida no mesmo nº2 do artº 496º, segundo a ordem e nos termos em que nesta disposição legal são chamadas, em grupos sucessivos, conforme se retira das expressões “na falta destes” e “por último”.

3 – Só a Autora, mãe da vítima, é parte legítima.

4 – A resposta ao quesito 6º não é consentânea com a prova efectuada em audiência.

5 – A matéria desse quesito pressupunha que o embate ocorresse de forma violenta, sendo que, nesse caso, seria inevitável que a vítima mortal ficasse com lesões físicas externas visíveis, o que, conforme refere o médico legista, não aconteceu – tais factos levam à conclusão lógica de que a velocidade a que o ciclomotor circulava não foi a causa do embate.

6 – Face aos pontos 1 e 2 dos Factos Provados na sentença recorrida, dizem as regras da experiência comum que, com os problemas visuais gravíssimos de que a vítima mortal padecia, aliado a uma concentração de álcool no sangue de 2,86 g/l, nunca o mesmo conseguiria circular em linha recta, junto à berma, como refere a sentença, na resposta ao quesito 4º, circulando antes na faixa de rodagem.

7 – Além da prova testemunhal, o parecer técnico da Direcção Geral de Viação aponta no mesmo sentido (de que a vítima circulava em zig-zag pela faixa de rodagem, devido ao álcool ingerido, acrescendo a falta de visão).

8 – O dever de previsibilidade do Apelante não pode ir para além do normal, não tendo o mesmo que contar com um peão altamente embriagado, invadindo a faixa de rodagem e com gravíssimos problemas de visão.

9 – O acidente ocorreu por negligência e falta de cuidado do falecido.

10 – Aplica-se a estes autos a presunção legal de inexistência dos factos alegados em sede de petição inicial, conforme estipulado no artº 674º-B C.P.Civ., estabelecendo esta norma que a decisão penal transitada em julgado que haja absolvido o Arguido, com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui em quaisquer acções de natureza cível presunção legal da inexistência desses factos, presunção essa que foi invocada na Contestação.

11 – A sentença recorrida violou os artºs 496º nº2 e 505º C.Civ., 40º e 101º nº3 C.Est. e 674º-B C.P.Civ.

Conclusões do Recurso Subordinado dos Autores (resenha): 1 – Devem ser dados como provados os seguintes factos da Base Instrutória – 24º, 25º, 26º, 35º, 36º, 37º, 44º, 45º, 46º e 47º.

2 – O facto 31º da Base Instrutória deve ser dado como provado, com a seguinte redacção: “Após a morte do I…, tiveram os pais deste dificuldades financeiras”.

3 – Ao perder a receita proveniente do salário do I…, o orçamento familiar diminuiu e, como tal os pais do I… tiveram dificuldades financeiras, o que se pode retirar dos factos a provar ou até dos já provados; impõe-se arbitrar uma indemnização a título de perda de capacidade de ganho.

4 – É facto notório que em qualquer morte existem despesas com o funeral da vítima e com o arranjo da campa onde esta é sepultada.

5 – Pelo exposto, o tribunal deve fixar uma indemnização a pagar pelos Apelados a título de despesas com médicos e medicamentos, funeral e arranjo de campa.

6 – A sentença recorrida violou o disposto nos artºs 483º nº1, 495º, 562º e 564º C.Civ.

Por contra-alegações, o Réu Apelado salienta que os AA., no respectivo recurso, em vez de analisar e expor as concretas passagens dos diferentes testemunhos que alegadamente impõem decisão diferente, limitam-se a fazer uma referência genérica e globalizante a todos os depoimentos; sucede que, nos termos legais, competia-lhes não só concretizar as passagens dos diferentes depoimentos, como identificá-los com exactidão (artº 685º-B nº2 C.P.Civ.).

No mais, pugna pela improcedência do recurso subordinado.

Factos Julgados Provados 1. Pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Lousada correu termos o processo comum singular com o n.º 791/03.7GALSD contra o aqui R. H…, no qual se encontrava acusado pelo MP, da prática, em concurso real, de um crime de homicídio negligente, de um crime de omissão de auxílio e de um crime de condução sem habilitação legal, tendo o mesmo, por decisão de 29/05/2006, sido absolvido da prática do crime de homicídio por negligência, mas condenado em relação aos demais crimes, sendo que em tal processo os pais do malogrado I… constituíram-se assistentes.

  1. Na referida decisão foi dado como assente que o I… tinha problemas visuais graves e que do exame toxicológico realizado ao mesmo, revelou aquele a presença de álcool na concentração de 2,86 g/l.

  2. No dia 14 de Setembro de 2003, cerca das 00.50h, o ciclomotor de matrícula ..-..-FV, conduzido por H… embateu no I….

  3. Tal embate deu-se no …, na Estrada Municipal que liga … à …, em Lousada.

  4. O referido ciclomotor circulava no sentido …-….

  5. O I… circulava na mesma via e local junto à berma esquerda, coberta de vegetação, atento o sentido de marcha …/….

  6. O condutor do FV circulava a uma velocidade não inferior a 54 Km/h.

  7. Com o embate o I… rodou, caindo e batendo de seguida com a parte lateral direita da cabeça no muro que ladeia a berma esquerda da estrada atento o sentido de marcha …/…, aí ficando...

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