Acórdão nº 48/08.7TBVNG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Março de 2011

Magistrado ResponsávelMOREIRA CAMILO
Data da Resolução16 de Março de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Nº 661 I – Nas Varas de Competência Mista de Vila Nova de Gaia, AA– IMOBILIÁRIA, LIMITADA, instaurou acção declarativa, com processo comum ordinário, contra BB – SOCIEDADE DE PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, S.A., e CC e mulher DD, alegando, em síntese, que é credora da 1ª Ré na quantia de € 38.669,16 e esta Ré, para obstar a que a Autora pudesse executá-la por aquele crédito, celebrou com os 2ºs Réus, em 15.03.2004, uma escritura de compra e venda de um prédio rústico, em que o Réu CC figura, simultaneamente, como representante da Ré sociedade vendedora e como comprador; tratou-se, porém, de uma compra e venda simulada, feita com o único objectivo de prejudicar a autora.

Em consequência, refere dever a acção ser julgada provada e procedente e, consequentemente, deve: a) condenar-se a 1ª Ré a pagar à Autora a quantia de 41.569,91€ (sendo 38.669,19€ de capital em dívida e 2.900,72€ de juros de mora vencidos), acrescida de juros de mora, à taxa legal comercial, que se vencerem após a propositura da acção sobre a quantia de 38.669,19€ até integral pagamento; b) declarar-se que é simulada e, portanto, nulo o contrato de compra e venda constante da escritura de compra e venda de 15 de Março de 2006, relativa ao prédio identificado na petição inicial; c) anular-se o registo da aquisição do dito imóvel a favor do Réu CC, que tem por base aquela escritura, bem como todos os registos posteriores; d) declarar-se ainda que o prédio rústico em causa é pertença da 1ª Ré, com a consequente inscrição registral a seu favor, e condenarem-se os Réus a reconhecer isso mesmo.

Apenas contestaram os 2ºs Réus, negando a alegada simulação da compra e venda do imóvel.

Houve réplica.

A final, foi proferida sentença, segundo a qual se julgou a acção procedente e, em consequência, se decidiu: “1. condeno a Ré BB a pagar à A. a quantia de trinta e oito mil e seiscentos e sessenta e nove euros e dezasseis cêntimos (38.669,16), acrescida de juros moratórios calculados às sucessivas taxas fixadas para os créditos titulados por empresas comerciais, contados desde 17.01.2008, absolvendo-a da restante quantia peticionada; 2. declaro a nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre a Ré BB e o R. CC em 15 de Março pública de fls. 73 a 74 do Livro de “escrituras diversas” número 00 do Cartório Notarial da notária EE; 3. determino o cancelamento da inscrição G-2 (aquisição) pela ap. 0000000 relativa ao prédio sito em Canidelo, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sob o nº 00000000000.”.

Após recurso dos 2ºs Réus, foi, no Tribunal da Relação do Porto, proferido acórdão, nos termos do qual, julgando-se procedente a apelação, consequentemente, se decidiu: “Revoga-se a sentença recorrida na parte em que declarou a nulidade, por simulação, da compra e venda realizada entre a ré BB e o réu CC, por escritura notarial de 15 de Março de 2006, e determinou o cancelamento da inscrição dessa aquisição no registo predial, absolvendo-se os réus desta parte do pedido.”.

Inconformada com tal decisão, dela veio agora a Autora interpor o presente recurso de revista, o qual foi admitido.

A recorrente apresentou alegações, formulando as seguintes conclusões: 1ª – O tribunal recorrido alterou a resposta dada pelo Tribunal de 1ª Instância ao quesito 2º da Base Instrutória, dando como não provada toda a matéria de facto sob quesitação.

  1. – Baseou-se, para o efeito, nos depoimentos das testemunhas FF e GG – mas o certo é que é o próprio Tribunal recorrido quem não afirma que não atribui credibilidade a tais testemunhas.

  2. – Assim e no que respeita à decisão quanto à alteração da resposta ao quesito 2º da Base Instrutória, existe oposição entre os fundamentos da decisão e a própria decisão, pelo que o douto acórdão recorrido é, nessa parte, nulo, em conformidade com o disposto no art. 668º - 1 - c) do CPC –, o que deve ser declarado.

  3. – Existe uma contradição insanável entre o que foi dado como provado na alínea J) e a resposta dada pelo Tribunal recorrido ao quesito 2º – a Ré BB, imediatamente a seguir à escritura de venda do imóvel declarou que não tinha qualquer activo, o que está em contradição com a resposta negativa ao quesito 2º.

  4. – Se a Ré BB não tem activo, isso só é possível porque não recebeu o preço da venda.

  5. – Donde, nos termos do art. 729º - 3 do CPC, deve ser anulado o douto acórdão recorrido – a fim de ser suprida tal contradição.

  6. – Existe uma contradição insanável entre o que foi dado como provado nas alíneas I) e J) e a resposta dada pelo Tribunal recorrido ao quesito 1º – a Ré BB declarou no dia anterior à escritura de venda do imóvel que não tinha qualquer activo, o mesmo tendo declarado imediatamente após a outorga de tal escritura de compra e venda –, o que está em contradição com a resposta negativa ao quesito 1º.

  7. – Se a Ré BB declarou que nem antes, nem depois, da escritura de compra e venda tinha activo, isso só pode significar que não transferiu para outrem a propriedade de qualquer imóvel.

  8. – Donde, nos termos do art. 729º - 3 do CPC, deve ser anulado o douto acórdão recorrido – a fim de ser suprida tal contradição.

  9. – Tendo o Tribunal de 1ª Instância respondido aos quesitos 1º e 2º da Base Instrutória com fundamento em presunções judiciais, não podia o Tribunal recorrido alterar as respostas dadas apenas com base nos depoimentos testemunhais, pois que a tanto se opõe o disposto no art. 712º do CPC.

  10. – Mas foi isso que aconteceu, pelo que – atenta a violação de tal norma processual (art. 712º do CPC) – deve ser anulada a decisão do Tribunal recorrido e devem manter-se as respostas aos quesitos 1º e 2º, tal como foram dadas pelo Tribunal de 1ª Instância.

  11. – A proceder o que acaba de se referir, a acção tem de proceder, tal como foi decidido pelo Tribunal de 1ª Instância, devendo o douto acórdão recorrido ser revogado, em conformidade com o disposto no art. 240º do Cód. Civil.

    13 – Mesmo que assim se não entenda, sempre os factos dados como provados demonstram à evidência que o preço da venda é simulado e que houve divergência entre a vontade declarada e a vontade real do negócio, o que resultou de acordo entre vendedor e comprador, que são a mesma e única pessoa.

  12. – Que essa divergência entre a vontade real e a vontade declarada visou prejudicar a Autora, a única credora conhecida, resulta do facto de a Ré BB sempre ter declarado nos actos notariais que subscreveu que não tinha activo.

  13. – Logo, estão preenchidos, factualmente, os requisitos do art. 240º do Cód. Civil, pelo que a acção tem de proceder, sob pena de violação daquele normativo.

  14. – Se assim se não entender, sempre a acção tem de proceder, por anulação do contrato, que manifestamente (dos factos provados) se configura como negócio consigo mesmo – em conformidade com o disposto no art. 261º do Cód. Civil.

    A recorrida não contra-alegou.

    Cumpre apreciar e decidir.

    II – Na 1.ª instância foram julgados provados os factos seguintes: 1. Por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, em recurso interposto da sentença proferida pela 7.ª Vara Cível do Porto, no Proc. n.º 581/03.7TVPRT pendente na 1.ª Secção da referida Vara, foi declarado que a Autora era credora da 1.ª Ré pela quantia de 138.428,74€ [alínea A) dos factos assentes].

    1. A 1.ª Ré instaurou contra a aqui Autora execução para pagamento de quantia certa, reclamando desta o pagamento da quantia de 99.759,58€ [alínea B) dos factos assentes].

    2. A Autora deduziu embargos à execução, alegando, em síntese, que era credora da 1.ª Ré pela quantia de 138.428,74€, razão pela qual não tinha de pagar a quantia exequenda [alínea C) dos factos assentes].

    3. Discutida a causa, foram os embargos julgados procedentes, pois que foi declarado que a Autora era credora da 1.ª Ré por uma quantia superior ao crédito exequendo [alínea D) dos factos assentes].

    4. Em consequência da procedência dos embargos, foi declarada extinta a execução por compensação dos referidos créditos [alínea E) dos factos assentes].

    5. A 1.ª Ré é uma sociedade comercial anónima, sendo seu administrador único, desde 27 de Março de 2002, o 2.º Réu marido [alínea F) dos factos...

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