Acórdão nº 740/07.3TTALM.L1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Fevereiro de 2011

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 28 de Setembro de 2007, no Tribunal do Trabalho de Almada, 1.º Juízo, AA instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato de trabalho contra «... EXPRESS PORTUGAL, Lda.», pedindo que: (I) se considerasse ilícito o processo disciplinar contra si instaurado, bem como abusiva a sanção disciplinar que lhe foi aplicada, e, assim sendo, fosse (a) anulada a decisão proferida e a sanção disciplinar aplicada e (b) a ré condenada «ao pagamento de uma indemnização em quantia não inferior a € 4.589,30 (n.º 3 do art. 375.º do Código do Trabalho)»; (II) se assim não se entendesse, se considerasse «desproporcional, por excessiva, a sanção disciplinar de 11 dias de suspensão com perda de retribuição e antiguidade, alterando-se tal sanção, segundo o justo critério do tribunal, por uma menos gravosa»; (III) fosse declarado que o cartão Galp Frota e o telemóvel, que lhe foram retirados, fazem parte integrante da retribuição e, nessa medida, fosse a ré condenada (a) a pagar-lhe «€ 1.080, pelos custos já suportados pela A. relativos ao combustível e € 180 relativos ao telemóvel e dos demais custos, à razão de € 210 mensais (€ 180 relativos ao cartão Galp Frota + € 30 relativos ao telemóvel), desde a presente data até ao trânsito em julgado da decisão» e (b) a devolver-lhe o cartão Galp Frota e o telemóvel ou, em alternativa, a pagar-lhe, para futuro, uma quantia equivalente (conforme os valores mencionados na alínea antecedente); (IV) se considerasse ilícita «a diminuição da categoria profissional de que a A. foi alvo e, nessa medida, condenada a R. a atribuir à A. funções compatíveis com aquelas para as quais foi contratada, i. e., Express Centre Supervisor»; (V) fosse considerado «que a R. violou o dever de igualdade salarial e, por conseguinte, condená-la ao pagamento de € 3.000 relativos ao montante de € 500 mensais que a mesma deixou de auferir em consequência da referida discriminação salarial, bem como o que a A. deixará de auferir desde a presente data até ao trânsito em julgado da decisão»; (VI) a ré fosse condenada a pagar-lhe, para futuro, um acréscimo remuneratório de € 500 mensais; (VII) fosse considerado que «foi alvo da violação do princípio de protecção da maternidade e, em consequência, considerar ilícitos os aumentos salariais de 0% e 0,62% e, nessa medida, condenar a R. ao pagamento de € 170,40 que a A. deixou de auferir em consequência dessa discriminação, bem como os que a A. deixará de auferir desde a presente data até ao trânsito em julgado da decisão»; (VIII) a ré fosse condenada a pagar-lhe, «para futuro e até novo aumento salarial, de um acréscimo remuneratório de 21,30 mensais»; (IX) a ré fosse condenada a pagar-lhe indemnização por danos não patrimoniais, «em quantia não inferior a € 5.000»; (X) a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 500 «por cada dia de atraso no efectivo cumprimento da condenação das prestações peticionadas nos pontos III.

b), IV., VI. e VIII., após o trânsito em julgado da sentença, nos termos do art. 829.º-A do Código Civil»; (XI) a ré fosse condenada a pagar-lhe «juros de mora dos valores peticionados nos pontos I.

b), IV.

a), V., VII. e IX., desde a citação até efectivo e integral pagamento».

A acção, contestada pela ré, foi julgada improcedente, por não provada, pelo que a ré foi absolvida de todos os pedidos contra si deduzidos.

  1. Inconformada, a autora apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, que decidiu «julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida».

    É contra esta decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que a autora, agora, se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as conclusões seguintes: «1. Ao proceder à alteração da matéria de facto constante do ponto 9 da matéria de Facto Provada, o tribunal a quo ultrapassou os poderes que lhe competiam, conhecendo de questões de que não podia tomar conhecimento.

  2. Através de tal decisão, o tribunal a quo sanou (conforme o mesmo alega) a nulidade de que a decisão proferida em 1.ª instância padecia, a qual foi invocada pela Recorrente nas suas alegações de recurso e que se fundamentou na manifesta contradição entre os fundamentos e a decisão (porquanto este tribunal, não obstante considerar provada a mudança de categoria profissional, aplicou, em sede de direito, o disposto no art. 151.º do Código do Trabalho e não, como se impunha, o disposto nos arts. 313.º e 314.º do CT).

  3. Por outro lado, através de uma alegada “rectificação”, o tribunal a quo procedeu a uma verdadeira alteração da matéria de facto.

  4. Não se tratou, pois, de uma mera correcção de um erro material ou de um lapso de escrita de que a decisão proferida em 1.ª instância enfermava, mas de uma alteração aos factos provados e sobre os quais nem a Recorrente nem a Recorrida apresentaram qualquer reclamação.

  5. Não só a interpretação efectuada não tem qualquer correspondência com o alegado pelas partes e com o que consta do teor dos documentos juntos, como desconhece o tribunal a quo a prova efectuada na audiência de julgamento a este respeito e ignora, em consequência, se resultou provado que as funções que a Recorrente passou a exercer consubstanciaram efectivamente uma alteração à categoria profissional e não uma mera alteração de funções.

  6. Atendendo a que a Recorrente não reclamou (nem tão pouco a Recorrida) quanto à matéria que resultou provada neste âmbito e que, ainda que tal tivesse sucedido, a apreciação que o tribunal a quo deveria ter feito do recurso interposto pela Recorrente (e pelas razões constantes dos autos) se deveria ter limitado à matéria de direito, não poderia a mesma ter procedido à alteração em causa.

  7. A decisão recorrida é, assim, nula nos termos do art. 668.º, n.º 1, alínea [d]) do C.P.C.

  8. Para fundamentar a sua decisão de inexistência da diminuição da categoria profissional da Recorrente, o tribunal a quo cingiu-se à análise da carta de comunicação da mudança de local de trabalho e de funções — fls. 54 — sem curar de apurar se os factos e argumentos aí constantes corresponderam à realidade e, bem ainda, aos factos considerados provados.

  9. Efectivamente, não só os factos daí resultantes não resultam, sequer minimamente, dos factos provados, como não existe nenhuma relação estabelecida entre os factos provados e o Direito aplicado.

  10. O tribunal recorrido mais não fez, pois, do que socorrer-se de um documento constante dos autos, cujo valor probatório não é, sequer, pleno, e tentou adaptá-lo, sem sucesso, ao disposto no art. 151.º do Código do Trabalho.

  11. Por outro lado, e também para esse efeito, o tribunal considerou que as funções de Service Perfomance & Ops Support implicam a realização de funções de carácter mais técnico do que as então exercidas pela Recorrente, o que não resulta minimamente dos factos provados.

  12. O tribunal a quo, ao decidir nos termos descritos, violou o disposto no art. 712.º do C.P.C., porquanto acrescentou matéria de facto à decisão proferida em 1.ª instância, e a esta aplicou o Direito, sem que estivessem reunidas quaisquer uma das exigências legais para o efeito.

  13. Ao actuar da forma descrita, o tribunal a quo violou, assim, o disposto no art. 712.º do C.P.C., não estando vedado a este tribunal, como tribunal de revista, que é, verificar se o tribunal de 2.ª instância, ao usar dos poderes conferidos pelos n.os 1 e 2 do art. 712.º do CPC, agiu dentro dos limites traçados na lei, já que a arguição de tal violação configura, então, a ocorrência de um erro de direito — art. 721.º, n.º 2, da mesma codificação e 26.º da LOFTJ (cfr. Acórdão do STJ de 19-05-2010).

  14. Ao entender que a Recorrida não diminuiu a categoria profissional da Recorrente e que a actuação da mesma se enquadrou dentro dos poderes laborais que, contratual e legalmente lhe eram permitidos, o tribunal o quo violou, igualmente, o disposto no art. 151.º e o disposto no art. 314.º, ambos do Código do Trabalho então em vigor.

  15. Efectivamente, e embora reconhecendo a dificuldade de definição do que sejam funções afins ou funcionalmente ligadas, não se pode deixar de subscrever as palavras de Pedro Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro, Joana Vasconcelos, e outros, in “Código do Trabalho Anotado”, Almedina, 2004, pág. 312, quando referem que “Existe afinidade funcional quando existem semelhanças, proximidade, acessoriedade ou complementaridade entre as actividades [;] estamos perante uma situação de ligação funcional quando, no contexto de um processo produtivo, se verifica que as funções se inserem sequencialmente nesse processo.” 16. As funções de Express Centre Supervisor e as de Service Performance & Ops Support não são acessórias ou complementares uma da outra, nem se inserem sequencialmente no mesmo processo produtivo. Efectivamente, enquanto naquelas se exercem funções de chefia da secção e de coordenação de trabalhadores, nestas, para além de se reportar a quem aquelas exerce, as funções exercidas limitam-se à análise de índices de performance.

  16. Funções acessórias ou complementares devem considerar-se aquelas que, ainda que não incluídas no descritivo funcional (neste caso, Express Centre Supervisor), se relacionam com a categoria exercida (Chefe de Secção), o que não sucedeu no presente caso, porquanto se impôs à Recorrente o exercício de tarefas inerentes a outra função e com um descritivo funcional (Service Performance & Ops Support) e hierárquico específicos (já que, ao exercer as referidas funções, a Recorrente passou a reportar a pessoa que exercia as mesmas funções para as quais a Recorrente foi contratada).

  17. A interpretação efectuada pelo tribunal a quo ultrapassa o espírito e a letra do art. 151.º do Código do Trabalho, porquanto permite a existência de uma polivalência funcional, o que não foi, nem de longe, e dada a existência do art. 314.º, a intenção do legislador.

  18. Sucede que, e ainda que interpretando correctamente o art. 314.º do Código do Trabalho, e ao invés do que fez...

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