Acórdão nº 564/06.5TBARC.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 17 de Fevereiro de 2011

Magistrado ResponsávelFILIPE CAROÇO
Data da Resolução17 de Fevereiro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 564/06.5TBARC.P1 – 3ª Secção (apelação) Tribunal Judicial de Arouca Relator: Filipe Caroço Adj. Desemb. Teresa Santos Adj. Desemb. Maria Amália Santos Acordam no Tribunal da Relação do Porto I.

B…, viúva, farmacêutica, contribuinte nº …….., residente na …, …, Arouca, instaurou acção declarativa com processo ordinário contra C…, ajudante de farmácia reformado, casado, residente na E…, Arouca, alegando, no essencial, que o seu falecido marido outorgou, sucessivamente, dois testamentos. No primeiro, instituiu o R. herdeiro da “raiz ou nua propriedade de toda a nossa herança”, e, no segundo, para além de deixar uns legados a duas pessoas diferentes, veio dizer que “revoga qualquer testamento anteriormente feito e que esta disposição de última vontade só produz efeito no caso de o testador falecer viúvo”.

Assim, não tendo o seu marido falecido viúvo, ficou sem efeito a instituição dos legados, devendo, porém, manter-se a validade e eficácia deste segundo testamento quanto à revogação do primeiro testamento, no qual instituíra o R. seu herdeiro.

Termina deduzindo o seguinte pedido: «Deve a presente acção ser julgada procedente e provada, decretando-se

  1. Que o testamento público outorgado em 11/08/1972, no 2° Cartório Notarial do Porto, pelo falecido Dr. D…, foi revogado pelo testamento público por ele outorgado em 25/06/2003 no Cartório Notarial de Arouca b) Que, consequentemente, o R. não tem qualquer direito sobre a herança do falecido.» (sic) Citado o R., apresentou contestação, pela qual excepcionou e impugnou parcialmente a matéria da petição inicial.

    Alega que o testador, ao referir no 2º testamento que “esta disposição de última vontade só produz efeito no caso de o testador falecer viúvo”, está a referir-se ao (2º) testamento que o de cuius estava a outorgar no seu todo, assim incluindo a ali expressa revogação de “qualquer testamento anteriormente feito”. Como não faleceu no estado de viúvo, o 2º testamento é ineficaz, mantendo-se a validade do 1º testamento.

    Sempre foi vontade do falecido contemplar o R. nos termos em que o fez no 1º testamento, constituindo os legados instituídos no 2º testamento apenas uma limitação do direito do R. à sua herança, caso ele falecesse no estado de viúvo. Falecendo ele casado (como faleceu) mais não haveria do que fazer funcionar o 1º testamento, concorrendo apenas a A. que, além de meeira, é sua herdeira legitimária, com a necessária redução da deixa de herança a favor do R.

    O R. desenvolve no seu articulado, como elemento de interpretação do 2º testamento, um extenso conjunto de matéria de facto complementar tendente a definir as relações havidas entre ele e o testador até ao seu decesso.

    Por via da reconvenção, o demandado pretende obter decisão no sentido de que o 2º testamento não revogou o primeiro e que se declare que o reconvinte é herdeiro testamentário do testador nos seus termos: da raiz ou nua propriedade de toda a herança do de cuius.

    Concluiu assim: «a) deve a acção ser julgada improvada e improcedente – e já no douto despacho saneador – e o réu ser absolvido dos pedidos; b) deve a reconvenção ser julgada provada e procedente e, em consequência, ser declarado que pelo 2° testamento de 25.06.2003 o Dr. D… não revogou o 1° testamento de 11.08.1972, pelo que, mantendo-se este em vigor, o réu/reconvinte é seu herdeiro testamentário nos seus termos: da raiz ou nua propriedade de toda a sua herança.» (sic) Respondendo à excepção e à reconvenção, a A. apresentou réplica reafirmando, no essencial, a posição assumida na petição inicial, referindo-se ainda ao estreitamento das relações familiares, justificativo dos legados, à relação entre o de cujus e o R., e pronunciando-se no sentido da improcedência da reconvenção.

    Concluiu remetendo para o pedido da acção, mais requerendo que a reconvenção seja julgada improcedente.

    Foi proferido despacho saneador pelo qual se relegou para final o conhecimento da matéria de excepção, fazendo-se-lhe seguir a matéria de facto assente e a base instrutória, de que houve reclamação do R. com deferimento parcial.

    Instruídos os autos, realizou-se a audiência de julgamento e, concluída a discussão da causa, o tribunal respondeu, fundamentadamente, à matéria de facto, sem que tenham sido apresentadas reclamações.

    Por sentença, o tribunal a quo julgou a acção parcialmente procedente, nos seguintes termos: «Assim, face ao exposto:

  2. Julgo procedente a excepção peremptória atípica invocada pelo réu e, consequentemente, improcedente a presente acção, pelo que absolvo o réu C… dos respectivos pedidos formulados.

  3. Julgo procedente a reconvenção deduzida nos autos e, consequentemente, declaro que pelo 2° testamento de 25/06/2003 o Dr. D… não revogou o 1° testamento de 11/08/1972, pelo que, mantendo-se este em vigor, o réu/reconvinte C… é seu herdeiro testamentário nos seus termos, sem prejuízo da sua redução, a operar nos termos decorrentes da lei, em sede de inventário.» (sic) *Inconformada com a decisão, a A. interpôs recurso de apelação com vista à revogação da sentença, formulando as seguintes CONCLUSÕES: «1° - A cláusula do testamento do de cujus “que revoga qualquer testamento anteriormente feito e que esta disposição de última vontade só produz efeito no caso de o tentador falecer viúvo” deve ser entendida como referindo-se aos legados deixados pelo testador no dito testamento e não ao testamento no seu conjunto.

    1. - O Tribunal a quo deu como provada a intenção do de cujus de beneficiar as pessoas que lhe deram os fins, uma das quais era a legatária Isabel.

    2. - E, deu como provada a intenção dela de, concretamente, beneficiar com legados a dita legatária.

    3. - No entanto, o Tribunal optou por uma interpretação claramente contrária à vontade do de cujus “deserdando” os legatários.

    4. Apesar de ler dado como provados factos que implicariam necessariamente a interpretação propugnada pela apelante considerando o testamento primitivo revogado.

    Viciando o disposto nos arts. 236° nº 1 e 238° do C. Civil, e no art° 668°, b do C. P Civil.» (sic) Terminou no sentido da revogação da decisão da 1ª instância, julgando-se procedente o pedido deduzido pela A. e improcedente o pedido reconvencional da R., considerando-se, assim, revogado o 1º testamento outorgado pelo de cujus, em 11.8.1972.

    O R. apresentou contra-alegações defendendo a improcedência da apelação e a manutenção do julgado.

    Pediu ainda a condenação da A. como litigante de má fé, em multa e indemnização, pela sua “indesculpável atitude” no recurso, por deduzir “pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar”.

    Notificada, a A. não respondeu ao pedido de condenação como litigante de má fé.

    *Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

    *II.

    As questões a decidir --- excepção feita para o que for do conhecimento oficioso --- estão delimitadas pelas conclusões da apelação da A., acima transcritas (cf. art.ºs 660º, nº 2, 684º e 690º do Código de Processo Civil, na redacção que precedeu a que foi introduzida pelo Decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto)[1].

    Na sua essência, a apelação versa sobre a seguinte questão: Deverá considerar-se revogado um testamento pelo qual o testador institui um herdeiro de todos os seus bens, por um segundo testamento do mesmo testador pelo qual começa por constituir dois legados a favor de terceiros, consignando também que “revoga qualquer testamento anteriormente feito e que esta disposição de última vontade só produz efeito no caso de o testador falecer viúvo”, tendo ele falecido no estado de casado? Assim, não tendo o testador falecido no estado de viúvo, ficarão sem efeito apenas os legados ou também o primeiro testamento? Cabe ainda decidir o seguinte pedido: 2- A A. recorrente litiga de má fé no recurso?*III.

    São os seguintes os factos dados como provados na 1ª instância: 1. No dia 12 de Março de 2004 faleceu na sua casa, sita em …, o marido da autora, Dr. D….

    1. O cônjuge ora autora era o único herdeiro legitimário, dado não existirem descendentes nem ascendentes.

    2. O falecido outorgara, em vida, dois testamentos: a ) um testamento público outorgado em 11 de Agosto de 1972, no 2º Cartório Notarial do Porto; e b ) um testamento público outorgado em 25 de Junho de 2003, no Cartório Notarial de Arouca.

    3. No primeiro testamento, o falecido instituiu o réu como herdeiro da raiz ou nua propriedade de toda a sua herança.

    4. No segundo, o Dr. D…, para além de deixar uns legados a uma sobrinha e a um seu trabalhador agrícola, diz que “revoga qualquer testamento anteriormente feito e que esta disposição de última vontade só produz efeito no caso de o testador falecer viúvo”.

    5. A autora e o falecido marido outorgaram testamentos no mesmo dia e Cartório.

    6. A autora deduziu oposição ao inventário requerido pelo réu, processo n.º 194/04.6 TBARC, deste Tribunal, por entender que ele não era herdeiro e, por conseguinte, carecer de legitimidade para o requerer.

    7. O Dr. D… redigiu um “papel” em duplicado, em forma de indicações dirigidas a sua mulher “B…”, por si assinado, que introduziu em dois subscritos, um “original” e outro dizendo “tem cópia”, ambos com instruções no rosto de só serem abertos no dia do seu falecimento, entregando um (o “original”) a sua esposa e outro (a “cópia”) ao réu, nos termos que constam nos documentos juntos aos autos a fls. 143 e 145, designadamente contendo a expressão “É minha expressa vontade que sejam dados ao C… as E… e F… e Casa e G…”.

    8. A comunicação interior que vai do hall da casa onde o réu vive e a farmácia está desde há muito fechada.

    9. A garagem sempre só foi ocupada pelo réu, e por mais ninguém, e sempre foi ele e sua família que tiveram a respectiva chave e mais ninguém.

    10. A fim de abastecer o prédio de água com autonomia, o réu adquiriu uma água, nascida em distante prédio de terceiro, através de escritura pública de 19 de Outubro de 1987 e sob registo a seu favor de 5 de Abri l de 1990.

    11. Água que conduziu através de aqueduto subterrâneo para a mesma casa, como sucede até aos dias de hoje.

    12. O réu era...

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