Acórdão nº 884/09.7YXLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Fevereiro de 2011

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução01 de Fevereiro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (1): O Ministério Público propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo sumário, contra o AA- “Banco S... C... Portugal, SA”, pedindo que, na sua procedência, na parte que ainda interessa considerar com vista à decisão desta revista, seja declarada a nulidade da cláusula sétima, nºs 3, c), 4 e 5, das Condições Gerais do Contrato de Aluguer de Veículo sem Condutor, sob a epígrafe “Responsabilidade, Risco e Seguro”, que estipula o seguinte: “3. Em caso de sinistro que tenha como consequência a perda total ou parcial do bem locado, o locatário obriga-se a: c) Em caso de perda total, após peritagem e decisão da seguradora, ou em caso de furto ou roubo, o contrato será considerado extinto por caducidade; 4. Verificada a caducidade, o locatário pagará ao locador o montante dos alugueres vincendos e o valor da opção de compra, actualizado com a taxa de juro referida na cláusula quinta, adicionado ao montante das rendas vencidas e não pagas; 5. Qualquer atraso, ainda que parcial, no pagamento da indemnização referida no número anterior, acarretará o vencimento dos juros de mora à taxa referida na cláusula décima terceira" [a], condenando-se a ré a abster-se de utilizar a referida cláusula, em todos os contratos que no futuro venha a celebrar com os seus clientes, especificando-se o âmbito de tal proibição [b], a dar publicidade a tal proibição e a comprová-la nos autos, em prazo a determinar, sugerindo que tal seja efectuado em anúncio a publicar em dois dos jornais diários de maior tiragem, editados em Lisboa e no Porto, durante dois dias consecutivos, em tamanho não inferior a ¼ de página [c], dando-se cumprimento ao disposto no artigo 34º, do DL nº 446/85, de 25 de Outubro, remetendo-se ao Gabinete de Direito Europeu certidão da sentença, para os efeitos previstos na Portaria 1093/95, de 6 de Setembro, invocando, para o efeito, e, em síntese, no que releva para a matéria do recurso, que os contratos em apreço são contratos de adesão, sujeitos ao regime das «Cláusulas Contratuais Gerais», mas que são ilegais vários pontos de determinadas cláusulas, nomeadamente, ao “afirmar-se que em caso de perda total ou parcial ou sinistro, o locatário terá de pagar, quer as rendas vencidas, quer as vincendas e o valor da compra e encargos”, por tal violar o artigo 1044°, e ao “fazer correr por conta do locatário o risco de perda e defeito de funcionamento”, por desrespeito ao disposto no artigo 1032°, ambos do Código Civil.

Na contestação, o réu conclui no sentido da improcedência da acção, alegando, em resumo, sobre a matéria aqui em questão, que os contratos em apreço devem ser analisados na perspectiva da locação financeira e não da locação civil, por existirem maiores semelhanças com aquela do que com esta.

No que toca à distribuição do risco, a ré refere que as aludidas cláusulas não assumem a natureza de cláusula penal, não tendo de observar o regime da locação, sendo certo que o convencionado mais não é do que uma forma de distribuir o risco, fazendo-o recair sobre o locatário, para o responsabilizar pelo bem, cabendo a este, aliás, o direito de receber o valor da indemnização a ser paga pelo seguro.

Decidindo sob a forma de saneador-sentença, o Tribunal de 1ª instância julgou a acção improcedente, neste particular, não declarando a nulidade da cláusula sétima, nºs 3, c), 4 e 5, das Condições Gerais do Contrato de Aluguer de Veículo sem Condutor.

Deste saneador-sentença, o autor interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado procedente a apelação e, em consequência, revogou, na parte recorrida, aquela decisão, declarando a nulidade da cláusula 7.ª, n.ºs 3, c), 4 e 5 das Condições Gerais do Contrato de Aluguer de Veículo sem Condutor, condenando a ré a abster-se de utilizar a referida cláusula e com a extensão indicada nos contratos que, actualmente e no futuro, venha celebrar com os clientes, bem assim como a publicitar tal proibição, nos mesmos termos determinados na decisão de 1.ª instância, com comunicação ao Gabinete de Direito Europeu.

Do acórdão da Relação de Lisboa, interpôs agora a ré recurso de revista, terminando as alegações no sentido da sua revogação, mantendo-se, integralmente, a decisão da 1ª instância, formulando as seguintes conclusões, que, integralmente, se transcrevem: 1ª – Deve ser concedida a revista, e revogar-se o acórdão recorrido, concluindo pela validade da cláusula 7.a, n.°s 3, c), n.° 4 e n.° 5, das Condições Gerais do Contrato de Aluguer de Veículo Sem Condutor, pelos seguintes fundamentos: A) Como resulta provado, o recorrente, é uma instituição de crédito, mais concretamente um banco, que tem por objecto social [entre outros] a “Realização de operações bancárias e financeiras e a prestação de serviços conexos", e, ainda, “Operações de crédito, incluindo a concessão de garantias e outros compromissos, locação financeira e factoring” e a "Locação de bens móveis, nos termos permitidos às sociedades de locação financeira." (art.°s 2.°, 3.° e ai. b) e q), do n.° 1, art.° 4.°, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras - RGICSF); B) No âmbito da sua actividade celebra com os seus clientes contratos de locação de bens móveis (iguais aos dos autos), tal como definido no artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 72/95, de 15 de Abril, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 285/2001, de 03 de Novembro; C) E, através de tais contratos, é objectivo único do ora recorrente, assegurar aos respectivos clientes, a compra de veículo próprio, através do modelo contratual seguinte: a) - Existência de acordo de transferência de propriedade no final do prazo da locação; b) - O prazo da locação abranja a maior parte da vida útil do veículo; c) - À data do início da locação, o valor presente da totalidade dos pagamentos a efectuar seja igual ou superior ao justo valor do veículo; e d) - Os veículos locados sejam escolhidos directamente pelo próprio cliente, sendo o veículo adquirido pelo ora recorrente exclusivamente em função e razão da escolha feita pelo cliente/locatário; D) Os referidos contratos contêm normas, designadamente, as cláusulas 8.a, n.° 3, e 9.a, n.° 5, que estipulam que no final do contrato o locatário poderá adquirir o bem pelo preço fixado no contrato promessa subjacente ao presente contrato; E) A expectativa de aquisição da propriedade do veículo no termo do contrato de locação, decorrente da celebração entre as partes do contrato de promessa de compra e venda, a ele subjacente, estabelece uma afinidade substancial e similitude com o regime jurídico da locação financeira, pelo que a ele lhe deve ser aplicado o regime legal nele contido; F) Nos termos do regime jurídico do contrato de locação financeira, plasmado no Decreto-Lei n° 149/95, de 24 de Junho, o risco da perda do bem locado corre por conta do locatário - art.° 15.°; G) A cláusula sétima n.° 3, alínea c) e n.° 4 e 5, do contrato dos autos, na medida em que reproduzem o regime jurídico da locação financeira, não é abusiva nem ofensiva da lei, uma vez que a liberdade contratual o permite sem ser ofensivo da boa fé, como ainda resulta do regime legal aplicável, analogicamente, ao contrato dos autos; H) Não configura a mesma qualquer cláusula penal, até porque esta pressupõe um incumprimento, e a situação em apreço prende-se com a caducidade do contrato em virtude da perda total, roubo ou furto; I) Não é a mesma «manifestamente desproporcionada face aos danos a ressarcir», por três ordens de razões: (i) "O locatário, embora tendo de pagar as rendas vencidas e o valor de compra, recebe a indemnização do seguro; (ii) Sendo o locatário quem detém a posse do objecto locado, tal torna impossível à locadora prevenir o risco de furto, roubo ou perda; (iii) Por fim, o prejuízo que advém para a locadora em caso de caducidade é maior que para o locatário, pois este teve apenas de pagar o valor mensal até esse momento, e a locadora teve de efectuar o pagamento total do objecto do contrato, logo no inicio deste, e o modo de recuperar as verbas investidas é por via das rendas que se vencem ao longo do contrato." (Ac. Rel. Lisboa de 15-01-2009, in www.dqsi.pt).

  1. Não há violação do artigo 21.°, alínea f) do DL 446/85, de 25 de Outubro, em virtude do regime jurídico do contrato dos autos, em matéria de distribuição do risco, não se subsumir ao disposto no artigo 1044.°, do Código Civil.

  2. O douto acórdão recorrido, salvo o muito e devido respeito, fez errada interpretação e aplicação da lei, violando por isso, entre outros, o disposto no artigo 405.°, do Código Civil e artigo 15.° do Decreto-Lei n.° 149/95, de 24 Junho.

Nas suas contra-alegações, o autor conclui no sentido de que deve ser negada a revista, porquanto se trata de uma cláusula absolutamente proibida, cuja nulidade tem de ser declarada.

O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz, acrescentando-se, porém, dois novos factos suplementares, sob os nºs 9 e 10, com base no teor do documento de folhas 25 a 30 e bem assim como no disposto pelos artigos 373º, nº 1 e 376º, nº 1, do Código Civil, 659º, nº 3, 713º, nº 2 e 726º, do CPC: 1. O réu é uma instituição de crédito que tem por objecto social a realização de operações bancárias e financeiras e a prestação de serviços conexos; 2. No exercício da sua actividade, o réu celebra com os seus clientes contratos intitulados de "contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor", em termos que constam de folhas 25 a 30 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido; 3. O clausulado contém várias páginas impressas, e apenas a primeira contém espaços em branco, destinados à identificação dos locatários, à identificação do bem, local de entrega, restituição do bem, prazo do contrato, data de início e data de termo...

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