Acórdão nº 133/04.4TBCBT.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Fevereiro de 2011

Magistrado ResponsávelALVES VELHO
Data da Resolução01 de Fevereiro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. - AA, BB, CC e respectivos cônjuges intentaram contra DD e marido, EE, acção declarativa em que, a concluir a petição, pediram que fossem: “a) declarado e reconhecido o direito de propriedade dos AA. sobre os prédios referidos e identificados no artigo 1° do articulado inicial; b) declarado e reconhecido o direito dos AA. à água explorada e captada no poço sito à margem do caminho denominado "Q... da T...", caminho esse confinante com o prédio rústico dos RR., conhecido pela "B...", poço esse identificado no artigo 9° da petição inicial; c) declarado e reconhecido tal direito dos AA. a essa água para rega e lima (irrigação) dos prédios dos AA. mencionados na alínea a) deste pedido e até eles conduzida através de um tubo subterrâneo desde o poço e até ao tanque referido nos artigos 12° e 13° também da petição, onde é represada para sua utilização posterior nos ditos prédios; d) condenados os RR. a reconhecer e respeitar os respectivos direitos dos AA. sobre tais prédios e águas referidas e descritas e a absterem-se da prática de quaisquer actos que lesem esses direitos ou que de qualquer modo impeçam o seu pleno exercício; e) condenados ainda os RR. a realizarem as obras tidas por necessárias para que o aludido poço e a sua parte superior (tampa de cobertura) sejam repostos ao nível do leito do caminho, por forma a permitir o fácil e rápido acesso dos AA. ao mesmo, f) e ainda condenados os mesmos RR. a procederem à abertura do dito caminho de modo que os AA. possam aceder livremente ao poço sempre que queiram; g) e condenados também a pagar aos AA. indemnização pelos prejuízos que lhes causaram e em montante a liquidar em execução de sentença.” Como fundamentos de tais pretensões, alegaram, em síntese, serem os donos de dois imóveis rústicos, os quais desde sempre foram irrigados, tanto de Verão (rega) como de Inverno (lima), com águas exploradas e captadas num poço, de construção humana e bem visível, existente na margem do caminho denominado “Q... da T...” e daí conduzida até tanques, donde são utilizadas. Ora, os RR procederam ao aterro daquele caminho, confinante com um seu prédio, soterrando o poço e privando os AA. da água e de acederem ao poço em questão para procederem à respectiva limpeza.

Os RR. contestaram.

Aceitaram terem procedido ao aterro do caminho, acrescentando que o terreno lhes pertence e que desconheciam a existência do poço, até então encoberto pela vegetação, bem como se as suas águas favoreciam prédios dos RR., sendo que, de qualquer modo, não há obras visíveis e permanentes no prédio onde existe a nascente.

A admitir-se que assiste aos AA. qualquer direito a águas, devem os RR. pagar uma indemnização pela sua utilização no montante de 7.500,00€.

Concluem pela improcedência da acção e, subsidiariamente, por via reconvencional, pedem o reconhecimento como proprietários do poço e a condenação dos AA. a pagarem-lhes uma indemnização pela utilização da água, a liquidar em execução de sentença.

Após completa tramitação do processo, foi proferida sentença em que foi decidido: “a) declaro e reconheço o direito de propriedade dos AA. sobre os prédios denominados "C... dos A..." e "L... dos A... e r... j...", inscritos na matriz de S. C... sob os artigos ... e ... e melhor descritos nas alíneas A) e B) da matéria assente; b) declaro e reconheço o direito de propriedade dos AA. à água explorada e captada no poço sito à margem do caminho denominado "Q... da B...", caminho esse confinante com o prédio rústico dos RR., conhecido pela "B...", poço esse identificado em I) da matéria assente; c) declaro e reconheço tal direito de propriedade dos AA. a essa água, mormente para rega e lima (irrigação) dos prédios dos AA. mencionados em a) desta decisão e até eles conduzida através de um tubo subterrâneo desde o poço e até ao tanque referido, onde é represada para sua utilização posterior nos ditos prédios; d) condeno os RR. a reconhecer e respeitar os respectivos direitos dos AA. sobre tais prédios e águas referidas e descritas e a absterem-se da prática de quaisquer actos que lesem esses direitos ou que de qualquer modo impeçam o seu pleno exercício; e) condeno ainda os RR. a realizarem as obras tidas por necessárias para que o aludido poço e a sua parte superior (tampa de cobertura) sejam colocados por forma a permitir o fácil e rápido acesso dos AA. ao poço, f) e ainda condeno os mesmos RR. a permitir o acesso pelos AA. ao poço sempre que queiram.

Absolvo os RR do pedido de condenação a pagar aos AA. indemnização pelos prejuízos que lhes causaram”.

Os Réus interpuseram recurso de apelação, mas a Relação manteve o sentenciado.

Os mesmos RR. interpõem agora recurso de revista pedindo a alteração do decidido no acórdão impugnado quanto à natureza do direito dos Autores, quanto à condenação dos Réus em quantidade superior e objecto diverso do pedido e à rejeição do documento n.º 5 junto com as alegações da apelação.

Para tanto, do que, a rematar as suas alegações, sob a epígrafe “Conclusões” - parte da peça em que, por manifesta ausência de sintetização, se revela claro desrespeito pelo comando do n.º 1 do art. 690º CPC, excedendo mesmo o conteúdo do corpo da alegação (pontos 33 e 34) - , os Recorrentes argumentam, transcrevendo-se no útil: (…) 6) Ora, se os AA reclamaram a água invocando, como causa de pedir, a sua utilização e necessidade para rega e lima, e não mais, e se pediram que lhes fosse reconhecido o direito a essas águas apenas para rega e lima, e não mais, nunca as decisões judiciais aqui em causa, quer a da 1ª Instância quer o Acórdão de que se recorre, poderiam conceder-lhes o direito de propriedade sobre as águas. Desde logo porque isso viola as disposições da al. e) [E] e da al. d) [D] do n° 1 do art. 668° do CPC 14) Ora, foram os próprios Autores que fundamentaram o seu pedido com a utilização das águas apenas para irrigação (rega e lima), e não com uma disposição livre das águas, para uso domesticou ou outros. Deste modo, nunca a causa de pedir invocada nem o pedido lhes poderia vir a conceder um direito de propriedade sobre as águas, mas sim e apenas um direito de servidão.

21) Em jeito de conclusão deste capítulo, uma vez que os AA só invocavam, como fonte do seu direito, e apenas pediam, na acção proposta, a utilização da água unicamente para rega e lima, só poderia falar-se de um direito de servidão, e nunca de um direito de propriedade sobre as águas dos RR, ora Recorrentes - a decisão contida no Acórdão, por isso, condena em quantidade superior e em objecto diverso do pedido.

22) Aqui chegados, a questão, agora, é verificar se existe um direito a essa servidão. Mas antes convirá corrigir outro erro do Acórdão.

23) Com as alegações para a Relação, os Recorrentes requereram a junção de um documento (com o nº 5) elaborado apenas em Outubro de 2009, a pedido de um dos Autores, BB. Atenta a data da sua elaboração (Outubro de 2009), que vinha aposta no documento, justificava-se a admissibilidade da sua junção aos autos, ao abrigo do disposto no n° 1 do art. 524° do CPC, conforme requerido. Tratava-se de uma planta topográfica de parte dos prédios dos Autores tendo em vista um pedido de licenciamento de uma moradia nos terrenos para os quais queriam água dos prédios dos Réus para supostamente irrigar. A planta era importante para, conjuntamente com os documentos nºs 2 e 3 juntos com o requerimento de prova dos Réus, ora Recorrentes, identificar nos mapas aquilo de que se tratava. E era importante também porque revela a existência de uma poça nos prédios dos Autores, o que demonstrava que tinham água.

24) Conforme melhor descrito nas alegações supra, o Acórdão entendeu que faltavam os pressupostos da sua admissibilidade por não se ter demonstrado nem juntado prova para demonstrar que era impossível ter junto o documento até ao final da audiência (que ocorreu, conforme consta do processo nas respectivas actas, no dia 2 de Julho de 2009).

25) Ora bem, com infinita paciência se esclareça: como se disse na altura, o documento era uma planta topográfica sobre os prédios elaborada a pedido dos AA (não dos RR) em Outubro de 2009, com a data aposta no próprio documento. Como poderiam os RR ter tido desse documento conhecimento ou tê-lo obtido a tempo e o juntar até 2 de Julho de 2009?!? 26) A decisão proferida sobre a admissibilidade do documento é, assim, impensada e errada, violando as disposições do art. 524º e 706º do CPC, tendo ficado muito naturalmente preenchidos e demonstrados os pressupostos da sua admissibilidade, pelo que deverá ser revoga da e substituída por outra que aceite e ordene a manutenção do documento no processo para devida e correcta avaliação e apreciação.

27) Posto isto, volte-se à questão da eventual possibilidade de existência de um direito de servidão. (…).

28) Portanto, as terras dos AA. têm água em si mesmas e usam água de outras terras, não se justificando a constituição de uma servidão de águas para lima e rega sobre as águas dos RR. por não verificação dos pressupostos.

29) Se isso é ou não obtido com excessivo incómodo ou dispêndio não foi alegado nem, consequentemente, demonstrado, pelo que, repisese, não se encontram preenchidos os pressupostos da constituição de uma servidão das águas para rega e lima.

30) Acresce que, ao contrário do que sustenta o acórdão (ver pág. 21), inexistem nos terrenos dos RR. obras visíveis e permanentes de captação das águas. O Acórdão refere, por lapso, o tanque. Mas não resultou provado que alguma vez o tanque existente (qualquer um dos dois) estivesse construído em terreno dos RR, deve ter sido confusão.

32) No terreno dos RR houve apenas - e só a partir de 1996/1998 (ver Acórdão, pág. 21) - um poço com argolas de cimento (que imediatamente ficou coberto de vegetação - cfr., no Acórdão, als. O), S) e DD) da matéria assente).

33) Adiante-se também que o n° 2 do art. 1558° do Código Civil diz-nos que não existem servidões para aproveitamento ou exploração de águas...

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