Acórdão nº 1045/04.7TBALQ.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Fevereiro de 2011
Magistrado Responsável | MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA |
Data da Resolução | 03 de Fevereiro de 2011 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. A Sociedade Agrícola do A......, Lda., instaurou uma acção contra BB e mulher, BB, pedindo a condenação dos réus no reconhecimento de que “é a única e legítima proprietária” do prédio misto, identificado nos autos, e “nomeadamente das parcelas nº 47 e 48”, a “absterem-se da prática de quaisquer actos” sobre tais parcelas, a retirar “quaisquer obras que hajam efectuado na parcela nº 48” e a repor o prédio tal como se encontrava antes de o terem parcialmente ocupado, e que a vinha plantada na parcela nº 48 fosse “considerada a título de indemnização pela utilização do imóvel”.
Em síntese, alegou ter comprado o prédio à Sociedade Agrícola Quinta do A......, Lda., que os réus ocupavam indevidamente a parcela nº 48 e que a impediram de proceder ao corte dos eucaliptos situados na parcela nº 47.
Os réus contestaram e, em reconvenção, invocaram a aquisição por usucapião do prédio denominado “M..... F......”.
Houve réplica, seu aperfeiçoamento e resposta ao correspondente articulado.
Por sentença de fls. 282, a acção foi julgada procedente, improcedendo a reconvenção. O tribunal entendeu, por um lado, que a propriedade da autora se encontrava “demonstrada (…) com o registo da transmissão do prédio a seu favor e do qual fazem parte as parcelas nºs 47 e 48 que reivindica dos réus” e, por outro, que não estavam verificados os pressupostos da usucapião: quanto à parcela nº 48, por não se ter demonstrado, nem que a posse (que ficou provada) fosse pacífica, nem que se tivesse mantido durante o tempo necessário; relativamente à parcela nº 47, por não estar assente sequer a posse.
Mas a sentença foi parcialmente revogada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 327, que alterou alguns pontos da decisão sobre a matéria de facto e julgou verificada a aquisição pelos réus, por usucapião, do direito de propriedade sobre a parcela 48 “referenciada no documento de fls. 15 (doc. n.º 3, elaborado pelo Instituto Geográfico e Cadastral), a qual tem a área aproximada de 1,7560 hectares, confronta com as parcelas referenciadas no aludido documento com n.ºs 47º e 50º, e que integra actualmente parte do prédio misto descrito na CRP de Alenquer sob o n.º 00000”; e, por este motivo, teve como prejudicado o pedido de indemnização.
Em síntese, a Relação considerou: que a autora beneficiava da “presunção de propriedade sobre o terreno das parcelas nº 47º e 48º, as quais integram o prédio inscrito no registo predial em seu nome”; que a usucapião é uma das vias de destruir a presunção; que dos factos provados decorre “que, desde 1977, os réus tiveram o domínio de facto sobre o terreno da parcela nº 48, com a intenção de exercerem, como seus titulares, o direito de propriedade correspondente àquele domínio”; que tais actos de uso e fruição correspondem ao conteúdo, tanto do direito de propriedade, quanto do direito do arrendatário, do comodatário ou do usufrutuário; mas que, provada a detenção, presume-se o animus; logo, “conclui-se que os réus praticaram actos de posse correspondente ao direito de propriedade sobre o terreno da parcela nº 48 (pelo menos desde 1977)”; que tal posse “é pública e pacífica, revestindo as características necessárias para efeitos de usucapião”; e que desde a data (provada) do início da posse, 1977, até à data da citação, 19 de Outubro de 2004, “decorreu um prazo superior a 20 anos. Ora, não possuindo os réus título de aquisição do terreno, nem registo de mera posse, esta presume-se de má fé e a usucapião opera no termo do prazo de vinte anos – arts. 1260º e 1296º”.
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A autora recorreu para o Supremo Tribunal da Justiça; o recurso, ao qual não são aplicáveis as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, foi admitido como revista, com efeito devolutivo.
Nas alegações que apresentou, a recorrente formulou as seguintes conclusões: “1- O Douto Acórdão, ora recorrido, faz uma incorrecta reapreciação da prova Doutamente valorada aquando da prolação da sentença pelo Mm. Juiz em 1ª instância.
2- O Douto Acórdão não valorou a resposta dada pela testemunha dos RR., CC, a qual, na modesta opinião da ora Recorrente é suficiente para fundamentar a Douta decisão proferida em 1ª instância.
3- A testemunha refere que desde que o Réu para lá foi a sociedade (entenda-se proprietária) não o queria a amanhar a terra.
4- Confirmou igualmente que o terreno onde a vinha se encontra é propriedade da Autora.
5- Pelo que, a saberem os demais intervenientes que a propriedade em causa não era dos RR. e sabendo de quem era, natural é que os mesmos RR. também o soubessem.
6- Pelo que animus inexistia.
7- Sabiam os mesmos e demais que o terreno era da Autora.
8- Pelo que inexistia posse, antes só uma mera detenção... comum a tantos outros na área, como por exemplo a testemunha CC, os quais se aproveitavam da tolerância da Autora (ou da Quinta) para, sem contrato de arrendamento, irem usando a terra.
9- Ademais, sempre foi dito ao R., como ficou igualmente provado e resulta de tal depoimento, que a sociedade não o queria a amanhar a terra.
10- Sabia-o o R. e sabiam-no os demais, pelo que a posse, a existir, nunca seria pacífica e pública...
11- A detenção seria pública, mas em nome de terceiro como plenamente reconhecido pelo depoimento da testemunha arrolada pelos RR.
12- Repita-se, a propriedade é, como referido pela testemunha da Recorrida, CC, o qual se encontra em litígio com a ora Recorrente, "da Quinta", expressa alusão à forma como a propriedade da Autora é conhecida, desde tempos imemoriais, prova que, com toda a sapiência e com a imediação, o Mm. Juiz soube apreciar e valorar.
13- E qualquer valoração diferente da realizada, mormente a apreciação da prova na Relação envolve sérios riscos de valoração, sempre superiores aos da 1ª instância, dado que aqui são observados os princípios da imediação, da concentração e da oralidade.
14 – É que, apesar de gravados e, diga-se mais, no presente caso, até com falhas como foi verificado, os depoimentos não podem ser valorados da mesma forma, a testemunha não se encontra perante os Venerandos Desembargadores ...
15- Estes não poderão, nem puderam certamente, valorar as reacções, as expressões, as dúvidas e as certezas das testemunhas.
16- E aqui teremos que ter em conta que qualquer alteração à matéria de facto dada como provada pelo M. Juiz apenas poderá existir quando não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação.
17 - Situação que, salvo melhor e douto entendimento, não se verifica.
18- Até pelo depoimento da testemunha supra identificada e que a Relação não valorou.
19- Não tendo igualmente valorado o depoimento da testemunha dos RR. DD, o qual, na exacta medida do seu depoimento, "acabou por dizer que o terreno era da Autora"...
20- De facto, como oportunamente já decidiu esse colendo Tribunal" A plenitude do segundo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto sofre naturalmente a limitação que a inexistência de imediação necessariamente...
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