Acórdão nº 273/05.2TBGVA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 30 de Novembro de 2010

Magistrado ResponsávelCARLOS QUERIDO
Data da Resolução30 de Novembro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório L (…) intentou a presente acção declarativa, que corre termos sob a forma ordinária, contra J (…) pedindo que seja proferida sentença que, por força da execução específica do contrato-promessa referido no artigo 1º da petição inicial, declare a autora e condene o réu a reconhecê-la como dona e legítima possuidora do imóvel identificado nos artigos 1º a 6º da petição inicial, condenando-se ainda o réu a pagar à autora a quantia que se vier a apurar ser suficiente para cancelar junto da “Entidade bancária..., S.A.” a hipoteca que incide sobre o imóvel.

A título subsidiário, pediu a autora: a condenação do réu no pagamento da quantia de € 146.646,58 correspondente ao dobro do sinal/preço que recebeu com a retenção em seu poder das comissões devidas à autora; ou a condenação do réu, no pagamento, por força de uma eventual nulidade do contrato-promessa, da quantia de € 73.323,29 e juros, à taxa de 4%, desde 30 de Setembro de 2003, acrescidos de € 18.335,81 referentes a comissões não pagas nem imputadas no preço do contrato-promessa, conferindo-se à autora o direito de retenção do imóvel enquanto essa quantia não for integralmente liquidada.

Para tanto alegou, em síntese: por contrato escrito de 30 de Junho de 2002, o réu prometeu vender à autora, prometendo esta comprar, uma fracção de um prédio urbano correspondente à fracção B, parte de um condomínio; as assinaturas das partes apostas nesse contrato não foram reconhecidas presencialmente porque o réu prescindiu dessa formalidade alegando não haver necessidade do seu cumprimento, também não tendo sido feita menção à licença de utilização na medida em que o réu ainda não a tinha conseguido obter; foi acordado que a escritura definitiva devia ser feita até 30 de Agosto de 2003 sem se estipular qual dos outorgantes a devia marcar; uns dias antes do final de Agosto de 2003, o réu veio dizer que não faria a escritura, pelo que a autora lhe fixou um prazo admonitório ou suplementar de 30 dias, comunicando ao réu que tinha marcado a escritura para 30 de Setembro de 2003; o réu não compareceu nem justificou a ausência, assim incumprindo culposamente o contrato no qual se havia consignado que a venda seria feita livre de ónus ou encargos; no contrato-promessa não foi fixado qualquer sinal a pagar pela autora, uma vez que o réu tinha consigo 50% das comissões àquela devidas no âmbito de um contrato de agência que haviam celebrado; na verdade, o réu contratou a autora como promotora de vendas das moradias construídas no condomínio, tendo a autora direito a uma comissão de 5% ou de 2,5%, consoante a venda fosse feita através da autora ou por outras agências, e ainda a metade da diferença entre o preço pretendido pelo réu e o preço efectivo da venda ao cliente; à excepção da moradia prometida à autora e uma outra a uma filha do réu, a autora arranjou compradores para as restantes moradias, pelo que, a título de comissões e de overprice, o réu teria de lhe pagar € 115.746,05, tendo feito entregas que totalizaram apenas € 24.086,95.

Conclui a autora que, a considerar-se que o montante retido pelo réu constitui sinal do contrato-promessa, compete ao réu dobrar a quantia correspondente ao preço de venda acordado, perfazendo € 146.646,58; a considerar-se nulo o contrato-promessa, por omissão de formalidades imputáveis à autora, esta tem o direito à restituição do que prestou, isto é, ao montante das comissões e outros valores até ao preço da venda prometida realizar, acrescido de juros desde a data do incumprimento definitivo.

O réu contestou alegando não falar, não ler, nem escrever português, tendo assinado todos os contratos sem nunca os ler e desconhecendo as exigências legais como o reconhecimento presencial das assinaturas e a certificação notarial da existência de licença de utilização.

Mais alegou que: a autora não está legalmente habilitada para exercer a mediação imobiliária, fazer contratos-promessa e preparar escrituras de compra e venda; por outro lado, a autora concordou em receber uma comissão, de 5% ou 2,5%, consoante fizesse a venda ou a mesma fosse feita por terceiros, sobre o preço da tabela, concordando ainda em não receber qualquer comissão nas vendas feitas exclusivamente pelo réu, não constando do contrato esta última condição porque a autora disse ao réu que era desnecessário; mais acordaram que os preços de tabela de venda seriam revistos à medida que as casas fossem construídas, sendo as comissões calculadas em relação a esses preços e deduzidas no overprice; ao ignorar tais condições, a autora disparou o valor dos seus rendimentos para uma verba inadmissível; acresce que, como contratualmente estipulado, o réu reteve, a título de sinal, metade das comissões que acordou pagar à autora, pelo que só esse valor poderia ser considerado como sinal.

Na sua contestação, o réu impugnou a alegada recusa em fazer a escritura em Setembro de 2003, alegando que só não foi efectuada por ainda se encontrar em falta parte do preço da venda, e que pagou à autora € 26.132,37, sendo que, até àquela data, a autora tinha direito a comissões no montante de € 46.687,63.

O réu pediu ainda a condenação da autora, como litigante de má-fé, em multa e indemnização, deduzindo em reconvenção os seguintes pedidos: a) A declaração de nulidade dos contratos mencionados nos artigos 1º e 29º da petição inicial; ou, a considerarem-se válidos, b) A condenação da autora a reconhecer que o valor do sinal prestado equivale a metade das comissões apuradas com referência à actividade por si prestada até 30 de Setembro de 2003; c) A sua condenação pelo incumprimento culposo do contratopromessa com a consequente perda do sinal; d) Em qualquer caso, a condenação da autora em indemnização pela ocupação e utilização que fez da casa objecto do contrato prometido desde 30 de Junho de 2002 até efectiva desocupação e entrega ao réu, computada em € 250,00 por cada mês de ocupação, somando até à data a quantia de € 9 500,00.

Na réplica, a autora alega que o réu entende tudo o que lhe dizem e que discute pormenorizadamente qualquer cláusula, acordo ou negócio que lhe proponham, que nunca se recusou a celebrar a escritura, que nada deve ao réu e sempre ocupou a casa sem oposição ou pedido de desocupação da mesma, impugna a restante matéria de facto alegada pelo réu, refere que o réu confessou extrajudicialmente que já recebeu o preço do imóvel prometido vender, dando ainda o consentimento na sua ocupação, e concluiu pela improcedência deste e pede a condenação do réu, como litigante de má-fé.

O réu apresentou articulado de tréplica alegando não ter assinado a declaração de quitação, que constitui a confissão invocada pela autora, mantém o alegado na contestação e conclui pela impugnação da genuinidade e autenticidade do documento.

Posteriormente, a autora veio alegar que após a entrada da acção, o réu celebrou mais uma escritura de venda de uma moradia do condomínio com base na promoção efectuada pela autora, que assim tem direito a receber a quantia de € 5.375,00, e que interveio em dois outros negócios cujas escrituras ainda não foram realizadas mas em relação aos quais o réu já recebeu a totalidade do dinheiro, cabendo à autora as quantias de € 5.500,00 e de € 2.525,00, sendo que, neste segundo caso, ser-lhe-ia devida a importância de € 7.125,00, mas o réu já lhe entregou € 4.600,00.

Com fundamento nos novos factos alegados, requereu a ampliação do pedido descrito na alínea c) para o montante de € 86.713,29, acrescido das restantes quantias aí referidas.

O réu respondeu sustentando que a ampliação do pedido não constitui desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, pelo que só poderia ter lugar na réplica, alegando ainda que o valor de € 4.600,00 corresponde à totalidade da comissão acordada entre as partes em relação a um dos negócios e impugnando a alegada promoção da venda pela autora relativamente aos restantes negócios, concluindo pelo indeferimento do pedido de ampliação.

Admitida a ampliação do pedido e julgada válida e regular a instância em sede de despacho saneador, o Tribunal procedeu à selecção da matéria de facto assente e controvertida com relevo para a decisão da causa em termos que mereceram reclamação da autora, parcialmente deferida.

Foi o réu entretanto declarado insolvente, por sentença transitada em julgado, veindo o respectivo administrador a intervir no processo, passando a figurar, na qualidade de ré, a massa insolvente de J (…) Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi decidida a matéria de facto, sem reclamações, após o que foi proferida sentença, onde se decidiu: «I) Indeferir o pedido de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

II) Na total improcedência da acção, absolver a ré massa insolvente de D (…) de todos os pedidos formulados pela autora L (…).

III) Na parcial procedência da reconvenção: i) Declarar a nulidade do contrato de mediação imobiliária outorgado entre a autora L (…) e o insolvente J (…), condenando a autora a restituir à ré massa insolvente de J (…) a quantia de € 26 132,00 (vinte e seis mil cento e trinta dois euros); ii) Condenar a autora a desocupar o imóvel que vem ocupando.

IV) Absolver a autora dos restantes pedidos deduzidos pela ré.

V) Julgar não verificada a litigância de má-fé de autora e ré.» Não se conformando, veio a autora interpor recurso de apelação, no qual formula as seguintes conclusões: 1. Declarado judicialmente o incumprimento culposo do promitente vendedor já não pode o administrador da massa declarar que não quer cumprir, dado que o incumprimento gerou imediatamente os efeitos da resolução imprópria, limitando-se o tribunal a concretizar os efeitos que decorrem da lei – no caso substituir apenas a declaração do faltoso.

  1. A norma do artigo 106 do CIRE apenas visa regular as situações em que ainda não há esse incumprimento definitivo culposo, onde também ainda se pode recorrer à execução específica (sendo que o STJ, Ac...

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