Acórdão nº 42/2001.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Novembro de 2010

Magistrado ResponsávelGARCIA CALEJO
Data da Resolução16 de Novembro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA A REVISTA Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES - DIREITOS REAIS Doutrina: - Antunes Varela, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 118º, págs. 310 e segs.. - Gabriel Órfão Gonçalves, Aquisição Tabular, 2ª edição, págs. 26 e 27, 29 - Isabel Pereira Mendes, in C.R.Predial anotado 15ª edição, pág. 169. - Oliveira Ascenção, Reais, pág. 372. - Oliveira Ascenção, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. III, 1992, págs. 470 a 474. - Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol II, 3ª edição, pag.189. - Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III, 5ª edição, pág. 98. - Raúl Ventura, Revista da Ordem dos Advogados, ano 40, págs. 307 e 308. - Romano Martinez, Direito das Obrigações, Contratos, 2ª edição, pág. 113. - Vaz Serra, RLJ, 106º, págs. 25, 26, 29, 31 e 32, comentando um acórdão do STJ (de 21-1-1972).

Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 289.º, 291.º, 406.º, N.º 2, 474.º, 687.º, 715.º, 892.º, 939.º. CÓDIGO DO REGISTO PREDIAL: - ARTIGOS 5.º, N.º 4, 8.º, N.º 1, 17.º, N.ºS 1 E 2. Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 18-2-2003, C.J., ACÓRDÃOS DO STJ, 2003, TOMO I, PÁG. 108; - DE 27-4-2005, C.J., 2005, TOMO II, PÁGS. 74 E SEGS.; - DE 21-4-2009, EM WWW.DGSI.PT/JSTJ.NSF ; - DE 30-6-2009 E DE 14-9-2010, EM WWW.DGSI.PT/JSTJ.NSF ; - DE 14-9-2010 EM WWW.DGSI.PT/JSTJ.NSF . ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA 3/99, PUBLICADO NO D.R.-I-A DE 10/7/1999.

Sumário : I - Para que o devedor (ou terceiro) possa constituir uma hipoteca, sobre um bem imóvel, será indispensável que tenha o poder de dispor dele. Um sujeito não pode constituir hipoteca sobre coisa cuja disposição lhe não caiba – cf. art. 715.º do CC.

II - A nulidade que resulta da venda de coisa alheia apenas se aplica na relação entre alienante e adquirente, e não no que se reporta ao dono daquela, perante o qual a mesma é ineficaz, ou seja, insusceptível de produzir efeitos sobre o seu património, por não poder actuar-se, juridicamente, a transferência do seu direito real.

III - Sendo ineficaz em relação ao dono da coisa (a venda, em relação a ele, é res inter alios acta), este poderá reivindicar a coisa, directamente do comprador, sem ter que discutir a validade do contrato ou demonstrar que não consentiu a venda e sem necessidade de promover a prévia declaração judicial de nulidade do respectivo contrato.

IV - Sendo o negócio ineficaz em relação ao proprietário, redunda irrelevante a invocação do disposto nos arts. 291.º do CC e 17.º, n.º 2, do CRgP.

V - O art. 291.º do CC visa a protecção do terceiro de boa fé, ou seja, do terceiro adquirente (ou subadquirente) que, no momento da aquisição, sem culpa, desconhecia o vício do negócio nulo ou anulável, estabelecendo um desvio ao princípio geral sobre os efeitos da nulidade ou anulabilidade do negócio (art. 289.º do CC) quando estão em causa bens imóveis ou móveis sujeitos a registo.

VI - O terceiro adquirente fica, nos termos daquela disposição legal, protegido pelo registo público, desde que se verifiquem os requisitos aí enunciados. Mas será sempre necessário que o negócio inválido conste do registo. Se o terceiro adquire na pendência desse registo e regista por sua vez, o registo tem efeito atributivo, ele torna-se o titular verdadeiro, substituindo quem o era até então.

VII - Porém, de harmonia com o n.º 2 do art. 291.º do CC, os direitos de terceiro sobre a coisa a restituir, cedem se a acção de nulidade ou anulação for interposta e registada dentro de três anos posteriores ao negócio. Nesta circunstância, os direitos de terceiro não serão considerados, mesmo que o registo da aquisição seja anterior ao registo da acção de declaração de nulidade ou anulação.

VIII - Segundo o art. 17.º do CRgP, desde que o registo do acto seja anterior ao registo de acção de nulidade, a declaração de invalidade do negócio não estorva os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé. Esta disposição, em confronto com o art. 291.º do CC, estabelece, a propósito das causas de nulidade do registo, as condições de invocação da nulidade (n.º 1) e as circunstâncias em que a declaração de nulidade do registo não prejudica os direitos adquiridos a título onerosos por terceiro de boa fé. Ou seja, o art. 291.º trata da nulidade e anulabilidade do negócio jurídico (nulidade substantiva), ao passo que o art. 17.º trata da nulidade do registo (nulidade registral).

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I- Relatório: 1-1- AA e mulher BB, propuseram a presente acção com processo ordinário contra CC e DD e EE - Banco M... Imobiliário, S.A.

(hoje Banco C... Português, SA), pedindo que sejam os RR. condenados a reconhecê-los como os titulares do direito de propriedade sobre o prédio descrito no artigo 1º da petição inicial, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 00.../... e inscrito na matriz, sob o artigo ..., por o terem adquirido por usucapião, a reconhecerem que quer à data da transmissão do quinhão hereditário por sucessão legítima de FF, a favor do R. CC, quer à data do registo da hipoteca a favor do R. EE-Banco M... Imobiliário, S.A., o direito de propriedade sobre o prédio descrito no artigo 1º da petição inicial e a que esses registos se referem já era deles, AA., que sejam declarados nulos esses registos e ordenado o cancelamento referente às apresentações .../...; .../... e respectiva conversão .../000....

Fundamentam este pedido, em síntese, dizendo que o A. AA comprou a FF, já falecida e a seu filho, o R. CC, o mencionado imóvel sendo que, à data da compra, estava inscrito, na Conservatória do Registo Predial, em nome de ambos os vendedores, sem determinação de parte ou direito. Pela ap. 23, de 30.07.99, mostra-se inscrita a aquisição do mesmo prédio, a favor do R. CC, por transmissão do quinhão hereditário, por sucessão legítima de FF. Pela apresentação nº 1, de 17.02.2000, a favor do R. EE-Banco M... Imobiliário, S.A., encontra-se registralmente inscrita hipoteca voluntária a incidir sobre o indicado prédio, para garantia de empréstimo no valor de 12.000.000$00. A primeira apresentação é nula e a segunda não pode manter-se, sendo tais registos nulos, porque, naquelas datas, o direito de propriedade sobre o imóvel em questão já se havia transferido para o A. que, apesar de não ter registado a sua aquisição, tem a posse sobre o prédio que comprou, desde a data da transmissão e adquiriu-o, também por usucapião.

O R. CC contestou, em síntese, deduzindo a excepção dilatória de ilegitimidade passiva, uma vez que o cônjuge não foi demandado, invocando ainda a nulidade da escritura pública de compra e venda que o A. alegou ter celebrado, por falsidade, uma vez que não a assinou, ou se assim se não entender, que a mesma é anulável, em virtude de padecer de esquizofrenia, encontrando-se afectado de incapacidade acidental no momento da sua celebração. Por impugnação, alegou que não estão verificados os pressupostos da usucapião, até porque a posse do A. dura apenas há 11 anos.

Impugnou também o valor atribuído pelo A., à presente causa.

Deduziu reconvenção, em que pediu: Que se declare que o R. CC sofre de esquizofrenia, bem como que essa doença se manifesta há mais de vinte anos; Que se declare que, em consequência dessa patologia, o R. CC não tinha, nem podia ter consciência de emitir quaisquer declarações negociais, estando, em 16 de Julho de 1990, afectado de uma verdadeira incapacidade acidental; Que se declare nula ou anulável a escritura de compra e venda que o A. invoca ter celebrado com o R.; Que se declare que o R. CC é o dono e legítimo possuidor do prédio urbano identificado na petição, e que sejam os AA. condenados a reconhecer esse direito de propriedade.

O Banco C... P..., SA, apresentou também contestação, juntando documento comprovativo da extinção do R. inicial EE-Banco M... Imobiliário, S.A., através de fusão por incorporação na entidade contestante, alegando em síntese: Que estava convencido de que o prédio objecto destes autos pertencia apenas ao R. CC, sendo certo que apenas teve conhecimento da alegada venda feita ao A. quando foi citado para a presente acção e que apenas concedeu o empréstimo bancário ao R. CC em virtude de beneficiar de garantia decorrente da hipoteca e constituída por este último e de a ter a convicção de que tal hipoteca era válida. Ainda que os AA. tenham validamente comprado o imóvel não podem opor essa compra ao Banco R., atento o disposto nos arts. 5º nº 1 e 17º nº 2 do Código de Registo Predial, uma vez que o Banco tem de ser considerado terceiro de boa fé.

Concluiu pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

Os AA. replicaram, concluindo como na petição inicial.

Deduziram o incidente de intervenção principal provocada que, foi admitido, na sequência do que foi DD citada para a causa, tendo aderido ao articulado apresentado por seu marido, o R..

Foram levadas a cabo diligências de avaliação do imóvel objecto dos autos, com vista à fixação do valor da causa.

Teve lugar audiência preliminar, a que se seguiu a prolação de despacho saneador, no qual foi atribuída à causa o valor de esc. 22.000.000$00, tendo sido admitida a reconvenção e organizadas a matéria assente e a base instrutória, após o que se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.

Nesta declarou-se que os AA. AA e mulher, BB são os titulares do direito de propriedade sobre o prédio urbano casa de habitação composta de rés do chão, primeiro e segundo andares com setenta e oito metros quadrados e quintal com trinta metros quadrados, sita em Tomar, na Rua de S. J..., com os números ... e... a ... e ..., freguesia de São J... B..., descrita na Conservatória do Registo Predial sob o número 00.../... e inscrita na matriz, sob o artigo ..., por o terem adquirido por escritura pública de compra e venda outorgada no dia dezasseis...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT