Acórdão nº 2134/09.7TBCTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Novembro de 2010

Magistrado ResponsávelTELES PEREIRA
Data da Resolução16 de Novembro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.

Em 22 de Dezembro de 2009[1], A… (Requerente e Apelada) instaurou, contra o seu ex-marido, P… (Requerido e neste recurso Apelante), nos termos do artigo 182º da Organização Tutelar de Menores (OTM[2]), o presente processo visando a alteração do regime de visitas respeitante à “regulação das responsabilidades parentais” (empregamos aqui a terminologia actual, v. o artigo 3º da Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro) relativas à menor, filha de ambos, E…, nascida a 22 de Setembro de 2006 (tem esta, ao tempo da decisão deste recurso, 4 anos de idade).

Alegou a Requerente, suportando a pretensão de mudança do regime de visitas ao pai, que, por acordo extra-judicial concomitante ao divórcio por mútuo consentimento, que decorreu na Conservatória do Registo Civil de … e teve lugar em Dezembro de 2008[3], o exercício das responsabilidades parentais respeitantes à menor foi regulado, no que à presente alteração interessa, nos seguintes termos (trata-se da enunciação feita pela Requerente no requerimento inicial da presente alteração e não da reprodução do texto desse acordo): “[…] 3 – Como consta daquele acordo a menor ficou a residir com a mãe […], podendo o pai […], vê-la sempre que quiser, sem prejuízo dos períodos de descanso da menor.

4 – Foi ainda acordado que o pai terá consigo a menor em fins-de-semana alternados, desde as 18:00 horas de sexta-feira até às 18:00 horas de Domingo.

[…]” [transcrição de fls. 2/3] Fundando a pretensão de alterar este regime, indicou a Requerente no mesmo requerimento inicial: “[...] 5 – Sucede que, em consequência de conversas da menor, para diversas pessoas, levantou-se a suspeita de que o pai terá molestado sexualmente a menor.

6 – Tal foi comunicado à Comissão de Protecção de Menores, delegação em … que está a acompanhar esta questão.

7 – Em consequência está em curso um processo de inquérito que corre pela Delegação do Ministério Público dessa Comarca, com o nº […], que está a ser investigado pela Delegação da Polícia Judiciária em […].

8 – A Requerente nunca suspeitou que o pai da menor a tenha molestado e sempre as visitas correram com toda a regularidade.

9 – Contudo, em face das suspeitas suscitadas, entende a Requerente que, por cautela, a menor não deverá permanecer em casa do pai nos fins-de-semana e que este deve ver a menor, mas em circunstâncias que não permitam que o pai moleste a menor.

[…]” [transcrição de fls. 3] Assim, conclui a Requerente propondo – expressando a alteração pretendida introduzir no regime de visitas – que “[…] transitoriamente, e até à conclusão do Inquérito [crime], o pai da menor possa ver a menor quando quiser, sem prejuízo da saúde e descanso da menor, em casa da mãe, acompanhada por outro adulto” [transcrição de fls. 4][4].

1.1.

A fls. 15/16 o Requerido negou a situação relatada, pugnando pela manutenção do regime de visitas fixado aquando do divórcio.

1.2.

Prosseguindo o processo, realizou-se a conferência documentada na acta de fls. 23/24, tendo os pais produzido as respectivas alegações (o Requerido a fls. 26/27, a Requerida a fls. 41/43), realizando o Instituto da Segurança Social os inquéritos a que se referem os relatórios de fls. 56/60 (Requerente) e fls. 61/64 (Requerido).

1.2.1.

Tendo a Requerida solicitado a inquirição de testemunhas – e só ela o fez[5] –, procedeu-se à audição destas (acta de fls. 70/74, tendo sido gravados os depoimentos respectivos).

1.3.

Decidindo o pedido de alteração, foi proferida a Sentença de fls. 75/85 – esta constitui a decisão objecto do presente recurso –, dispondo o seguinte quanto à alteração da regulação das responsabilidades parentais: “[…] [O] Tribunal decide julgar procedente o pedido formulado pela Requerente […] com vista à alteração da RPP relativa à menor […], mantendo-se o regime de exercício das responsabilidades parentais relativos à menor homologado por decisão da Conservatória do Registo Civil de … no que concerne à guarda, responsabilidades parentais e alimentos, com excepção do regime de visitas, que passará a processar-se do seguinte modo: O progenitor da menor […], poderá visitar a filha aos fins-de-semana, sem prejuízo dos períodos de convalescença, descanso e estudo da mesma, em casa da mãe, acompanhado por outro adulto de confiança da menor […].

[…]” [transcrição de fls. 84/85] 1.4.

Inconformado, interpôs o Requerido o presente recurso (fls. 89), motivando-o a fls. 90/107, formulando a rematar as conclusões que aqui se transcrevem: (…) A esta motivação responderam, ambos pugnando pela manutenção da decisão, a Requerente (fls. 114/118) e a Exma. Magistrada do Ministério Público (fls. 121/129).

III – Fundamentação 2.

Indicados os elementos caracterizadores do desenvolvimento do processo até à presente instância de recurso, importa dar conta que o objecto deste foi delimitado pelo teor das conclusões do Apelante [v. os artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC), aqui aplicáveis ex vi do disposto no artigo 161º da OTM]. Esta delimitação induzida pelo Apelante, que estrutura uma obrigação primária de pronúncia do Tribunal (nos termos do artigo 660, nº 2 do CPC), actua no presente recurso, dada a especial natureza do processo (v. artigos 150º da OTM e 1440º do CPC[6]), em sobreposição com a possibilidade de um acesso alargado à decisão impugnada, sempre que no entendimento do Tribunal de recurso isso se justifique[7].

Com efeito, a específica lógica de acesso desta instância de recurso a uma decisão que respeite à regulação do exercício das responsabilidades parentais (ocorra tal acesso num quadro de controlo de uma fixação inicial ou, como aqui sucede, de uma alteração) assenta no assumir pleno de uma estrutura de recurso de substituição (é a causa que se julga no recurso, através da apreciação global da decisão recorrida), encarando essa decisão como um todo, como expressão compaginada e articulada de um determinado critério geral de decisão, que se impôs ao Tribunal a quo, critério este que, como que transitando para o Tribunal ad quem, se vem a impor a todos os julgadores nesta espécie de processos. É neste sentido que não pode deixar de se propiciar um acesso total da segunda instância ao conteúdo da decisão recorrida.

Só esta compreensão alargada da abrangência temática de um recurso nesta espécie de processos – nas diversas espécies processuais referidas à regulação das responsabilidades parentais –, propicia a actuação, em qualquer dos planos jurisdicionais, do critério de decisão estabelecido para estas situações (regulação das responsabilidades parentais de harmonia com os interesses do menor, cfr. artigo 180º, nº 1 da OTM).

Com efeito, trata-se aqui – nestas situações – de adjectivar a protecção do superior interesse da criança num quadro de compaginação equilibrada e proporcional de tal interesse (autónomo e, por definição, “superior”[8]) com o respeito pelos direitos individualizados dos pais. Aos direitos destes, com efeito – importa não o esquecer –, a heterodeterminação do exercício da parentalidade, como a que é realizada por um Tribunal tendo como pano de fundo uma situação de oposição de interesses, não pode deixar de atender. Trata-se aqui, pois, como sucede em todas as situações deste tipo – e citamos o Acórdão referido na nota 9, supra –, de considerar a “[…] parentalidade enquanto direito-dever subjectivo dos seus titulares, sujeito à modelação das circunstâncias concretas em que o seu exercício se processa, e a procura do «superior interesse do menor», enquanto modelo decisório geral sempre presente nestas situações […]”.

2.1.

Sendo este o alcance do recurso, definido em termos gerais, tenha-se presente referir-se ele, no concreto, à alteração do regime, adrede estabelecido aquando do divórcio, de visitas da menor ao pai (ao Requerido e neste recurso Apelante), em função da valoração de determinadas incidências de facto relatadas pela Requerente ao Tribunal e investigadas, no sentido de procura do seu esclarecimento, no decurso do processo. Essa é, pois, e as conclusões do recurso acima transcritas confirmam este entendimento, a incidência temática da apelação, a saber: (a) o controlo do processo de fixação dos factos que a Sentença assumiu como provados; (b) o controlo da valoração do conjunto dos factos fixado, determinando a correspondência destes – e parafraseamos o artigo 182º, nº 1 da OTM – a circunstâncias supervenientes que tornem necessário alterar, conforme foi entendido pela primeira instância, o que por acordo se estabeleceu quanto aos direitos de visita e convivência...

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