Acórdão nº 3393/07.5TBVCT.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Novembro de 2010

Magistrado ResponsávelSALAZAR CASANOVA
Data da Resolução16 de Novembro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I - A decisão proferida em acção movida contra sociedade ainda não constituída, ou seja, contra entidade apenas dotada de personalidade judiciária, faz caso julgado não apenas contra a entidade demandada como ainda contra aqueles que são os referentes materiais do litígio, constituindo este um caso de substituição processual em que a referida entidade litiga em nome próprio por direito alheio (arts. 6.º, al. c), 498.º e 673.º do CPC).

II - O contrato-promessa outorgado com sociedade não constituída, portanto sem personalidade jurídica, mas com intervenção dos que criaram a falsa aparência de que entre eles existia um contrato de sociedade, deve considerar-se celebrado entre estes e o outro ou outros outorgantes (art. 36.º, n.º 1, do CSC).

III - Estipulada cláusula penal (art. 810.º do CC) em contrato-promessa de permuta para o caso de incumprimento das obrigações contratuais, está fixado o montante indemnizatório devido em caso de incumprimento.

IV - Doados por um dos promitentes todos os imóveis que integravam o seu património, entre os quais os imóveis prometidos permutar, resulta desse acto a impossibilidade para o credor de obter a satisfação integral do seu crédito (art. 610.º, al. b), do CC).

V - A impugnação pauliana procede, por verificado também o requisito previsto no art. 610.º, al. a), do CC, visto que a prestação primitiva – de cumprir as obrigações que se traduzem na prestação de facto a que as partes se vincularam (o contrato de permuta) – deve considerar-se substituída pela obrigação de indemnização que passa a ocupar o seu lugar.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA e BB intentaram a presente acção declarativa com processo ordinário de impugnação pauliana contra CC,DD e EE pedindo que, por via da verificação dos requisitos para a impugnação pauliana da escritura de doação (pela qual a 1ª ré doou vários imóveis aos 2.ºs réus neles se incluindo os imóveis que se obrigara a entregar no âmbito de contrato-promessa de permuta outorgado em 1993) seja decretada a restituição da raiz dos bens imóveis a que se referem as verbas um, cinco e seis da escritura de doação.

2.

Foi proferida decisão em 1ª instância, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação, que declarou ineficaz, em relação aos autores, o acto de alienação de raiz dos prédios identificados feito pela 1ª ré a favor dos 2.ºs réus, reconhecendo aos autores o direito à respectiva restituição, na medida do seu crédito, podendo executá-los no património dos 2.ºs réus.

3.

Deste acórdão recorreram os réus, de revista, para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo a minuta nos seguintes termos: 1.ª - A ser verdadeira a tese defendida pelos recorridos, em sede de petição inicial o “ contrato- promessa” dos autos teria que ser assinado por ambos os autores e não apenas por um deles e os mesmos teriam que estar habilitados como industriais de construção civil; 2.ª- O recorrido marido sempre actuou como se a redita “Imoâncora” se tratasse de uma verdadeira empresa do ramo da construção civil, porquanto procedia à distribuição de “Cartões Publicitários”, promovendo a actividade da construção civil e indicando sede e números de telefone - como alegado, documentado e provado nos autos - vide facto provado 17.º; 3.ª- A co-recorrente CC, aquando da outorga do “contrato-promessa de permuta” estava convencida de que a Imoâncora era uma empresa de construção civil devidamente habilitada e que o seu legal representante era o co-recorrido marido BB; 4.ª - O Tribunal da Relação alterou a resposta dada em 1ª instância ao quesito 9.º, pois não foi feita qualquer prova testemunhal e a documental não esclarece se à data dos factos (data em que foi celebrado o contrato) os mesmos eram ou não detentores de qualquer alvará - sendo certo que todos sabiam da essencialidade deste facto.

  1. - A co-recorrente CC (declarante do “contrato-promessa de permuta”) pode anular a sua declaração desde que os recorridos (declaratários) conhecessem ou não devessem ignorar a essencialidade, para aquela, da pessoa sobre que incidiu o erro determinante da vontade.

  2. - A declarante CC queria contemplar uma determinada pessoa, mas esta não foi, ao contrário da sua convicção, a empresa declaratária “Imoâncora”.

  3. - O negócio jurídico subjacente à outorga do “ contrato-promessa de permuta” em causa nos autos é anulável por força do disposto no artigo 251.º do Código Civil ( e artigo 247.º, parte, do mesmo Código Civil, por remissão).

  4. - Entre os vícios da vontade conta-se o erro - vício ( ou erro de vontade) que se traduz numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de efectuar o negócio. Se estivesse esclarecido acerca dessa circunstância - se tivesse exacto conhecimento da realidade - o declarante não teria realizado qualquer negócio ou não teria realizado o negócio nos termos em que o celebrou (M. Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, pág. 505-506).

  5. - O artigo 251.º do Código Civil preceitua que o erro que atinja os motivos determinantes da vontade que se refira à pessoa do declaratário, torna o negócio anulável nos termos do artigo 247.º do CC, isto é, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro, quer dizer que a lei não exige o conhecimento ou a cognoscibilidade do erro, contentando- -se com o conhecimento ou a cognoscibilidade da essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro, essencialidade essa que tem de ser encarada sob o aspecto subjectivo do errante e não sob qualquer outro; 10.º - A este respeito mais esclarecem Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado, Vol I, 4ª edição, Coimbra Editora que no caso há conformidade entre a vontade real e a vontade declarada, somente a vontade real formou-se em consequência do erro sofrido pelo declarante, pois, se não fosse este erro, a pessoa não teria pretendido realizar o negócio pelo menos nos termos em que o efectuou.

  6. - Em face da alteração à resposta dada ao quesito 9.º tem de se concluir pela verificação dos pressupostos do erro sobre as pessoa do declaratário, devendo, consequentemente, ser declarada a anulabilidade do contrato-promessa, nos termos do disposto no artigo 247.º do Código Civil.

    12.º - Motivos pelos quais o acórdão recorrido violou o artigo 251.º do Código Civil.

  7. - O Tribunal da Relação de Guimarães decidiu que “ julgando parcialmente procedente o recurso da ré, revoga-se a sentença recorrida e, em consequência, absolve-se a ré dos pedidos que contra ela fez a autora; julgando parcialmente procedente o pedido reconvencional, condena-se a autora a cumprir as obrigações assumidas no contrato-promessa” - vide facto provado 5 - e o Supremo Tribunal de Justiça confirmou este acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães - conferir facto provado 6.

  8. - O Tribunal da Relação de Guimarães na sua decisão proferida em 24-9-2003, transitada em julgado, decidiu o seguinte: “ E porque o cumprimento do contrato ainda se mostra possível, tem a recorrente ‘jus’ ao exercício da execução específica do contrato-promessa ‘sub judice’ e ‘ não se comprova , porém, que à ré tivessem advindo os prejuízos que invoca em resultado desse incumprimento’” 15.ª - Não pode o Tribunal da Relação fazer interpretação diversa daquela que foi claramente feita no acórdão de 24-9-2003 e, por via dessa interpretação, decidir de forma contraditória com uma decisão que transitou em julgado primeiro em clara contravenção do disposto no artigo 675.º do C.P.C.

  9. - O contrato em causa consiste num contrato-promessa bilateral (artigo 410.º do Código Civil).

  10. - A contraprestação dos autores consiste na entrega da moradia o que pressupõe, como é óbvio, a necessidade da sua construção até à data acordada para tal entrega e tal implica, por sua vez, que da contraprestação faça parte a edificação de harmonia com o caderno de encargos e dentro do aludido prazo para a entrega e, além disso, da mesma contraprestação faz parte a entrega de uma quantia em dinheiro, como montante necessário para fazer equivaler o valor das duas prestações.

  11. - Os recorridos não têm qualquer crédito sobre os recorrentes, pois a prestação que se vence em primeiro lugar é a que se encontra adstrita aos recorridos, sem o cumprimento da qual nada podem exigir da co-recorrente CC.

  12. Não se vislumbra como poderão os recorridos dar cumprimento às suas obrigações insertas no ‘contrato-promessa’ pois, como provado, os mesmos não possuem qualquer licença para edificar construções, pelo que não estão em condições de cumprir com as suas próprias obrigações decorrentes do ‘contrato-promessa’ em causa nos autos.

  13. - Os recorridos não podem cumprir com a sua própria obrigação o que implica a extinção da obrigação nos termos do disposto no artigo 791.º do Código Civil.

    21.º- A impugnação pauliana exige (artigo 610.º do Código Civil): (1) Que do acto ( de natureza não pessoal) do devedor envolva diminuição da garantia patrimonial, ou seja, diminuição dos valores patrimoniais que, nos termos do artigo 601.º, respondem pelo cumprimento da obrigação.

    (2) Que o crédito seja anterior ao acto ou, sendo posterior, tenha sido realizado dolosamente com a finalidade de impedir a satisfação do direito do (futuro) credor.

    (3) Que do acto resulte a impossibilidade para o credor de conseguir a satisfação geral do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade (sendo que é à data do acto impugnado que deve atender-se para determinar se dele resulta a impossibilidade de satisfação integral do crédito ou o seu agravamento).

  14. - O artigo 611.º do Código Civil dispõe que ‘ incumbe ao credor a prova do montante das dívidas e ao devedor ou a terceiro interessado na manutenção do acto a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor” 23.º - Nunca foi...

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