Acórdão nº 00370/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Dezembro de 2004 (caso None)

Magistrado ResponsávelJosé Gomes Correia
Data da Resolução16 de Dezembro de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDA-SE, EM CONFERÊNCIA, NA 2ª SECÇÃO DESTE TRIBUNAL: 1.-M..., inconformada com a decisão proferida pelo Sr. Juiz do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa (actual Tribunal Administrativo e Fiscal 2º Juízo de Lisboa), dela recorre concluindo as suas alegações como segue: a) A Recorrente apresentou reclamação do acto de folhas 140 e verso dos autos que, determinou que a execução revertesse contra si, não obstante estar junto aos autos certidão de documento autêntico que provava que a Recorrente havia cedido a quota na sociedade executada e renunciado à gerência da mesma, quatro anos antes dos factos tributários; b) Esse acto violou o disposto nos artigos 494.°, alínea e) e 495.° do CPC, aplicáveis por remissão do artigo 2.°, alínea e) do CPPT; c) E não foi notificado à Recorrente, sendo certo que o artigo 36.°, n.° s l e 2 do CPPT o impunha, condicionando a sua eficácia à notificação; d) Pelo que, não está decorrido o prazo de dez dias constante do artigo 211.°, n.° l, do CPPT, que se inicia após a notificação da decisão; e) Tendo a douta sentença ao dispor como dispôs, violado por desaplicação o disposto nos artigos 494.°, alínea e), 495.° do CPC, 2.°, alínea e), 36.°, n.° s l e 2 e 277.°, n.° l, todos do CPPT; Termos em que entende e requer que seja a douta sentença recorrida revogada, anulando-se o despacho de folhas 140 e verso e todos os actos ao mesmo subsequentes.

Não houve contra - alegações.

O EMMP emitiu a fls. 97 douto parecer em que se pronúncia no sentido de que o recurso não merece provimento.

Os autos vêm à conferência com dispensa de vistos.

* 2.- Para a decisão importa ter em conta em sede fáctica o que a 1ª instância deu como assente com base na documentação dos autos, a saber: 1.- A execução fiscal n° ... e apenso foi instaurada contra a sociedade C..., Lda por dívidas de contribuições ao CRSSLVT de 4/92, 5/92 8/92, 10/92 a 11/93 e respectivos juros de mora, no montante total de 1,607.885$00 (fls. 6 e 7 e execução apensa).

  1. - A sociedade executada tinha por objecto comércio e indústria de bebidas e produtos similares, figurando como sócios M... outros e a ora reclamante, sendo a gerência exercida por todos eles e obrigando-se a sociedade pela intervenção conjunta de três gerentes (fls. 57 a 59).

  2. Verificada a insuficiência de bens penhoráveis da sociedade executada foi proposta a reversão contra todos os gerentes acima indicados (fls. 80).

  3. A reclamante, E... e V... foram notificados para exercerem o seu direito de audição a que alude o art° 23° n° 4 da LGT no prazo de 10 dias e de que, se nada dissessem nesse prazo legal, considerar-se-ia definitivo o despacho de reversão, ficando então citados para o pagamento da quantia exequenda nos 30 dias imediatos àqueles 10 ou para no mesmo prazo deduzirem oposição (fls. 88 a 90).

  4. E... e V..., na sequência da notificação supra referida, apresentaram em 7/6/2002 e 11/6/2002, respectivamente, exposições onde informaram terem deixado de exercer a gerência da sociedade executada desde 1988 (fls. 91 e 100).

  5. Juntaram ambos cópia de uma escritura lavrada no 12° Cartório Notarial de Lisboa onde consta que em 7/4/88 eles e a reclamante cederam as suas quotas e renunciaram à gerência da sociedade (fls. 92 a 97 e 101 a 108).

  6. Por despacho do CFR de 4/7/2002 não foi convertido em definitivo o projecto de reversão contra os referidos E... e V..., mandando-se prosseguir os autos contra a reclamante e M... (fls. 109).

  7. Por despacho de 18/12/2003 foi ordenada a penhora do vencimento que a reclamante auferia na Câmara de Lisboa, conforme consta de 140, cujo teor aqui sé dá por inteiramente reproduzido.

  8. Por referência ao despacho supra mencionado foram descontadas do vencimento da reclamante pela Câmara Municipal de Lisboa as importâncias que constam das guias de fls. 143, 144 e 149 e 165.

  9. Em 20 de Abril de 2004 a reclamante apresentou no processo executivo em referência o requerimento de fls. 145, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido.

  10. Em 14/5/2004 a reclamante efectuou o pagamento do restante da quantia exequenda (fls. 153).

  11. A presente reclamação foi apresentada em 3/6/2004 (fls. 166 e segs.).

*3.- Tendo em conta a factualidade levada ao probatório da sentença e que o recurso é delimitado objectivamente pelas conclusões da alegação da recorrente- artºs. 684º, nº 3 e 690º, nº 1, ambos do CPC e al. f) do artº 2º e artº 169º, estes do CPPT- pode delimitar-se a questão que vem submetida à conferência como sendo a de saber se deveria ter-se admitido a reclamação p. no artº 276º do CPPT e, na afirmativa, se deverá proceder tendo em vista o disposto no artº 103º da LGT ao abrigo do qual foi deduzida e anular-se o despacho do Sr. CRF e os actos subsequentes.

No despacho reclamado exarado pelo Sr. CRF a fls. 107, com fundamento em que estava feita a prova de que E... e V... não eram gerentes da sociedade desde 7 de Abril de 1988 declarou nulo e sem efeito o seu despacho de 17/04/2001; porém, e muito embora o facto de a reclamante e ora recorrente não ser gerente da sociedade desde essa mesma data e não o ser através do mesmo instrumento notarial, o Sr. CRF determinou que a execução prosseguisse contra ela.

Na sentença recorrida, o Mº Juiz entendeu, em substância, que o que estava em causa não era a obstaculização ao direito de audiência, ao direito do contraditório, mas apenas que não foi devidamente valorado o documento apresentado pelo pretensos responsáveis subsidiários cuja matéria probatória aproveitava à reclamante.

Ora, segundo o Mº Juiz, tal não constitui nulidade insanável, prevendo a lei meios de reacção a esta situação a serem apresentados em prazos peremptórios fixados na lei: a reclamante podia ter deduzido oposição com fundamento na sua ilegitimidade substantiva (art° 204° n°1 al. b) do CPPT) no prazo de 30 dias a contar da sua citação pessoal para execução fiscal ou, não a tendo havido, da primeira penhora (art° 203° n° 1 als. a) e b) do CPPT) e podia ainda ter deduzido reclamação do despacho que ordenou a penhora do seu vencimento no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do mesmo (art° 277° do CPPT).

A reclamante confessa ter tido conhecimento do mesmo em Janeiro de 2004 pelo que a reclamação ora apresentada é manifestamente intempestiva.

Contra o decidido se insurge a recorrente sustentando que deve ser revogada a sentença posta em crise, requerendo que seja dado acolhimento à reclamação, por tempestiva e, seja declarado nulo, não produzindo quaisquer efeitos, o acto do sr. CRF e actos subsequentes.

Quid juris? Como decorre do disposto no artigo 276.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e é afirmado na decisão recorrida, as decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades da administração tributária que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado (ou de terceiro, segundo a redacção introduzida pelo artigo 50.° da Lei n.° 109-B/2001, de 27 de Dezembro) são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de 1a instância.

Mas sobre o processo de execução, dispõe o artº 103º da LGT que: O processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional (nº 1) e que É garantido aos interessados o direito de reclamação para o juiz de execução fiscal dos actos materialmente administrativos praticados por órgãos da administração tributária, nos termos do número anterior (nº 2).

Como salientam Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, LGT Comentada e Anotada, 3ª ed., Vislis, págs. 535/356, este normativo revela uma opção clara do legislador pela natureza do pro-cesso de execução fiscal como processo judicial, como processo que decorre debaixo de um apertado controlo de legalidade do tribunal e em que a intervenção da administração tribu-tária está conformada como de simples participação na realização do seu escopo judicial.

(1).

Esteados agora em Jorge Sousa, in Código de Processo e Procedimento Tributário, anotado, 4ª edição de 2003, pag. 1043 e seguintes, diremos que " o processo de execução fiscal ( deve ) ser considerado um processo de natureza judicial … e por essa razão, pode entender-se que ele já está na dependência do juiz do tribunal tributário, mesmo na fase em que corre termos perante as autoridades administrativas," (...) " tendo o processo de execução fiscal natureza judicial mesmo na fase em que corre perante as autoridades administrativas (art.º 103 n.º 1 da LGT) deverão considerar-se susceptíveis de reclamação, no mínimo, todos os actos que seriam susceptíveis de recurso jurisdicional se a decisão fosse proferida por um juiz (…)".

(2).

Contudo, deve cogitar-se, para efeitos de concretude do direito de reclamação para o juiz da execução fiscal dos actos materialmente administrativos consagrado no n.° 2 do preceito transcrito, que o mesmo tem de ser substancialmente distinto do direito de recurso admitido na alínea j) do art. 95.° da L.G.T..

No nº 2 deste normativo elencam-se, a título meramente exemplificativo, alguns dos actos que podem lesar os direitos e interes-ses legalmente protegidos dos contribuintes, aí figurando (vd. a citada al. j)- ) os actos praticados na execução fiscal.

É que nesta alínea estão contemplados os casos de actos material-mente administrativos que lesem os direitos ou interesses legalmente protegidos de qual-quer interessado, estando os actos de natureza jurisdicional susceptíveis de ser praticados no processo de execução fora desse catálogo por não serem da competência da Administração.

Assim sendo, o campo de aplicação daquela al. j) restringe-se aos casos em que, no processo executivo, não se verifique lesão decorrente da prática de actos de natureza jurisdicional, mas em que haja um manifesto interesse objectivo no cumprimento da legalidade estrita do processo de execução.

Por esse prisma e na esteira dos citados autores e na mesma sede, " o direito de reclamação...

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