Acórdão nº 07372/02 de Tribunal Central Administrativo Sul, 09 de Março de 2004
Magistrado Responsável | Francisco Rothes |
Data da Resolução | 09 de Março de 2004 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
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RELATÓRIO 1.1 Beatriz Simões (adiante Recorrida, Contribuinte ou Impugnante) impugnou judicialmente a liquidação adicional de IRS que lhe foi efectuada com referência ao ano de 1991 e respectivos juros compensatórios, tudo do montante de esc. 194.348$$00, por a Administração tributária (AT) ter considerado que durante aquele ano a Contribuinte exerceu a actividade de hospedagem sem que tenha declarado o início da actividade ou os respectivos rendimentos, sendo que os mesmos se integram na categoria prevista no art. 4.°, do Código L do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares) (1) (CIRS) e, por isso, sujeitos à incidência deste imposto.
A matéria tributável que serviu de base à liquidação foi fixada por decisão obtida por acordo dos vogais da Comissão de Revisão (CR), decidindo a reclamação deduzida pela Contribuinte contra a que foi fixada inicialmente pela AT, com recurso a métodos indiciários.
1.2 Na impugnação judicial, a Contribuinte alegou, em síntese, o seguinte: - não tem qualquer casa de hóspedes; - a cedência de quartos a terceiros, geralmente estudantes, constitui arrendamento e não hospedagem, porque não presta àqueles quaisquer serviços; - não existe qualquer motivo para que a AT tivesse recorrido a métodos indiciários para a determinação da matéria tributável; - a quantificação da matéria tributável operada pela CR é exagerada, pois nem o número de quartos ocupado nem o valor de ocupação que foram considerados correspondem à realidade.
1.3 Na sentença recorrida, se bem a interpretamos, o Juiz do TT1.aC considerou, na parte que ora nos interessa, e em síntese: - que, contrariamente ao que sustenta o Representante da Fazenda Pública (RFP), o facto de a liquidação ter sido efectuada com base na matéria tributável fixada por acordo dos vogais da Contribuinte e da Fazenda Pública na CR, não impede a Contribuinte de impugnar a liquidação com fundamento em ilegalidade da fixação da matéria tributável; - que os elementos constantes dos autos não permitem qualificar o contrato celebrado como hospedagem, mas apenas como arrendamento, uma vez que a Contribuinte não presta aos ocupastes dos quartos qualquer serviço; - que não se verificam os pressupostos legais que autorizam o recurso a métodos indiciários para a fixação da matéria tributável; - que a Impugnante logrou demonstrar factos que põem em causa a existência e quantificação do facto tributário.
Com esses fundamentos, julgou a impugnação judicial procedente.
1.4 O RFP (adiante Recorrente) recorreu daquela sentença para este Tribunal Central Administrativo e recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Apresentou as alegações de recurso, que concluiu nos seguintes termos: «1 - A sentença recorrida sofre vicio de falta de clareza e coerência lógica fundamentaste, senão de insuficiência radical, 2 - Nunca, nos autos ou no procedimento administrativo, a Impugnante apresentou factos ou documentos que coloquem em dúvida a legalidade do acto administrativo por si considerado lesivo; 3 - Apesar disso, e da realidade concreta e circundante contextualizadora dos factos, a sentença recorrida decidiu em oposição com os factos e argumentos demonstrados, desconsiderando arbitrariamente os factos admitidos por "acordo extrajudicial ou preventivo"; 4 - Requer-se que sejam dados como provados os seguintes factos: - O SP recusou a exibição dos elementos da escrita, por não os possuir ou por não os querer mostrar; - O Serviço de Fiscalização não obteve qualquer colaboração útil da parte do SP ou seus representante; - Os clientes "acolhidos" pela Recorrida, mediante retribuição, usam um espaço urbano, para fins domésticos, sem que para isso forneçam mobílias próprias, nem paguem DIRECTAMENTE serviços conexos com o uso da habitação (água, electricidade, telefone, limpeza e manutenção de partes comuns do prédio, etc.); - Compete à Administração Fiscal, no âmbito do seu reconhecido espaço de discricionaridade, dita "técnica", inconfundível com "arbitrariedade", materializar o que se entende por "rendimentos prediais imputáveis a actividades comerciais ou industriais" para efeitos de aplicação da alínea c) do n.º do art.° 4° do CIRS ou em que casos se deve entender que os rendimentos foram "auferidos pela prestação de serviços não abrangidos noutras categorias", para aplicação da alínea f) do mesmo normativo.
- As prestações de serviços estão, em regra, sujeitos a IVA.
Nestes termos e com o douto suprimento de Vªs Exªs, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que julgue improcedente a impugnação assim se fazendo, JUSTIÇA» (2).
1.5 A Recorrida contra alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
1.6 Foi dada vista Representante do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo .
1.7 Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
1.8 As questões sob recurso, suscitadas e delimitadas pelas conclusões do Recorrente, são as seguintes: 1 ª - se a sentença recorrida enferma de nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e por contradição entre os fundamentos e a decisão; 2 ª - se a prova produzida nos autos permite que se dê como provada a factualidade referida pelo Recorrente, ou seja, se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento quanto à matéria de facto; 3 ª - se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento por ter considerado - que a Impugnante podia discutir a quantificação da matéria tributável que foi fixada por acordo entre os vogais na CR; - que a liquidação impugnada. enferma de vício de violação de lei, ao qualificar o contrato em causa como hospedagem e, consequentemente, ao qualificar os rendimentos gerados no âmbito de contrato como rendimentos sujeitos à incidência de IRS, incluídos na categoria prevista no art. 4.° do CIRC; - que a liquidação impugnada enferma de vício de violação de lei por se terem considerado verificados os pressupostos que autorizavam o recurso a métodos indiciários para a fixação da matéria tributável ou, pelo menos, por não ter considerado existirem dúvidas quanto à existência e quantificação do facto tributário.
* * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO 2.1.1 Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto nos seguintes termos: «- A impugnante foi fiscalizada para efeitos de IVA e IRS; - Em sede de Comissão de Revisão foi firmada Acta nos termos aí expressos, que os Autos individualizam; - A ora impugnante é contribuinte em nome individual e, além da pensão de reforma, recebe rendas de prédios urbanos; - Estando tributada em IRS pela 23 Repartição de Finanças do Concelho de Coimbra, sendo a contribuinte n° 172 464 820, pessoa singular; - Nos quartos da casa em questão, «nem roupas de cama lá há»; - As pessoas que lá se encontravam comiam por conta deles; - Nem lá eram vistas empregadas a «prestar serviços»; - A casa tem mais 7 ou 8 quartos, com alguns a não terem condições de ocupação; - O Xavier e a testemunha Fernando …, é que faziam a limpeza dos quartos quando vagavam; - Depois de estarem ocupados nunca mais lá iam; - A impugnante só fornece a mobília dos quartos; - São os ocupantes que fazem, também, a própria limpeza - A testemunha referenciada, Manuel Xavier, tem um contrato de arrendamento do local em questão e autorização para fazer "subarrendamentos"; - A impugnante não presta quaisquer serviço; - A própria electricidade está em nome do pai do genro da testemunha, Manuel Xavier, e mesmo deste; - O telefone está em nome da testemunha Manuel Xavier; - A água da casa está também em nome do genro da testemunha Manuel Xavier, porque de outra forma impor-se-iam mudanças de canalização; - Na moradia indicada, e referenciada a fls. 70 dos Autos, não foi celebrado qualquer contrato de fornecimento de energia eléctrica em nome de Beatriz Simões ( fls. 70); - Nem foi efectuado qualquer contrato de água para a R. Bernardo …, xx, em nome de Beatriz Simões após 01.01.90; - Pelo que não há qualquer contador em seu nome no...
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