Acórdão nº 10549/01 de Tribunal Central Administrativo Sul, 25 de Novembro de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelMaria Cristina Gallego Santos
Data da Resolução25 de Novembro de 2004
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

M...

, com os sinais nos autos, vem interpor recurso contencioso de anulação do despacho sancionatório de 17.01.2001 proferido por Sua Exa. o Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão, concluindo como segue: 1. Este douto Tribunal não elaborou a base instrutória nem permitiu às partes efectuar prova sobre os factos alegados e controvertidos - designadamente sobre se o recorrente se apropriara ou não de dinheiros públicos - , pelo que se vier a dar por provados os factos constantes do procedimento disciplinar estará a aplicar normas materialmente inconstitucionais - os art°s 20° e 67° do RSTA e o art° 12° da LPTA -, por violação do direito fundamental à tutela judicial efectiva. Com efeito, 2. A garantia constitucional do direito fundamental à tutela judicial efectiva implica a inconstitucionalidade de qualquer limitação probatória_(V. neste sentido LEBRE DE FREITAS, Inconstitucionalidade do CPC, ROA, Ano 52,1992. pág. 36 e SANTOS BOTELHO, Contencioso Administrativo, pág. 161), pelo que o art° 12º/1 da LPTA é materialmente inconstitucional (v. RUI MACHETE, A garantia contenciosa para obter o reconhecimento de um direito ou interesses legalmente protegido, nos Dez Anos da Constituição, pág. 245). Para além disso, 3. O art° 20° do RSTA - que impedia o Tribunal de controlar a materialidade dos factos imputados ao recorrente em sede disciplinar - já se encontra caduco por inconstitucionalidade superveniente (v. neste sentido Ac.° do STA de 22/04/86, A.D. 300/1592). Consequentemente, 4. Este douto Tribunal está vinculado a não aplicar normas inconstitucionais (v. artº 20º da Constituição), pelo que, em virtude de no recurso ter sido alegada matéria de facto, alguma da qual foi impugnada especificadamente, terá de aplicar subsidiariamente as disposições do CPC e, em consequência, seleccionar a matéria de facto relevante para a decisão do recurso e notificar as partes para apresentarem os respectivos meios probatórios (v. artºs. 511° e 512° do CPC, aplicáveis ex vi do art° 1° da LPTA).

  1. O procedimento disciplinar enferma de nulidade insuprível (v. art° 269°/3 da Constituição e 42° do DL 24/84) por não constarem do processo disciplinar e terem sido sonegados à consulta do arguido - mesmo depois de ter intimado judicialmente o Director Regional do Ambiente - documentos que eram essenciais para provar que não se apropriara de quaisquer dinheiros públicos, impossibilitando-o, dessa forma, de se defender com a amplitude constitucionalmente assegurada Acresce que, 6. Os factos por que se puniu o recorrente já eram do conhecimento do Director Regional do Ambiente desde, pelo menos, 30 de Setembro de 1996 (v., neste sentido, relatório datado de 19/6/96 e despacho sobre ele exarado pelo Director Regional em 30/9/96), pelo que em Dezembro de 1998 - data em que veio a ser instaurado o procedimento disciplinar - já havia prescrito o direito de instaurar procedimento disciplinar ex vi do n° 2 do art° 4° do ED, tanto mais que este prazo de curta duração é autónomo e actua independentemente do prazo de prescrição do procedimento criminal previsto nos restantes números do art° 4° do DL 24/84 (v., neste sentido Parecer da PGR n° 123/87).

  2. O direito fundamental ao recurso contencioso e à tutela judicial efectiva asseguram o direito a um processo paritário, com aplicação do principio do contraditório e plenas possibilidades de defesa (v. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, ob. e pág. cit).

  3. Ao Tribunal incumbe, até por força do principio da oralidade, proceder ao controlo de materialidade dos factos, de modo a certificar-se da ocorrência dos pressupostos de facto em que se baseia a decisão (v. Ac.°s do STA de 05/06/90, Proc. n.º 27849, de 15/03/90, A.D. 349/15 e de 13/04/89, A.D. 339/331 e LUÍS VASCONCELOS DE ABREU, ob. e pág. cit.).

  4. Em Tribunal não se efectuou qualquer prova que permitisse concluir que o recorrente praticou os factos de que foi acusado, designadamente de que se apropriara de dinheiros públicos, pelo que, por forca do principio da presunção da inocência, deve anular-se o acto recorrido por não se ter provado a existência de qualquer infracção disciplinar merecedora de punição. Acresce que, 10. O acto recorrido puniu o recorrente com base numa norma - o artº 15°/3 do DL 24/84 - materialmente inconstitucional por violação do direito â segurança social e do princípio da dignidade da pessoa humana. Com efeito, 11. O principio da dignidade da pessoa humana, consagrado no art° 1° da Constituição, e o direito fundamental à segurança social, assegurado pelo artº 63º da Lei Fundamental, reconhecem a todos os cidadãos um direito a uma subsistência condigna em todas as situações de doença, velhice ou outra semelhante (v. Ac° do Tribunal Constitucional n° 349/91, in Ac°s do TC, 19° Vol, pág. 515) e o direito a um mínimo de sobrevivência, conforme, aliás, foi igualmente reconhecido pelo Tribunal Constitucional em Ac° n° 332/91 (v. Ac° do TC, 19° Vol., pág. 341).

  5. Refira-se, aliás, que foi justamente por reconhecer esta garantia a um mínimo de subsistência que o legislador prescreveu a impenhorabilidade de dois terços das pensões de reforma (v. artº 824°/2 do CPC), sem prejuízo de nem sequer o terço restante poder ser penhorado quando o valor da pensão for inferior ao salário mínimo nacional (v. Ac° do TC n° 319/99, in DR, II Série, de 22/10/99). Consequentemente, 13. Qualquer norma que, como o n° 3 do art° 15° do DL 24/84, prescreva a possibilidade de haver uma privação total do valor da pensão de aposentação atentará contra o mínimo de subsistência assegurado pela lei fundamental, pelo que enfermará de inconstitucionalidade material (v., igualmente neste sentido a obra do signatário, Função Pública. Regime Jurídico, Direitos e Deveres dos Funcionários e Agentes, Vol. I, pág. 263/264). 265, 2ª edição 14. O acto recorrido violou ainda o disposto no art° 51° do DL 24/84 e os princípios da imparcialidade e isenção, ama vez que foi designado como instrutor do processo quem não assumia a qualidade de funcionário ou agente e, como tal, não estava no desempenho das suas funções vinculado aos princípios constitucionais da imparcialidade isenção. Por fim, 15. O acto recorrido enferma de vício de forma por não ter observado o princípio da audiência dos interessados consagrado no art.° 267°/5 da Constituição e nos art°s 100° e 101° do D.L. 442/91, o qual é aplicável mesmo ao âmbito doa procedimentos especiais (v. AA citados no texto).

    * A Autoridade Recorrida contra-alegou, concluindo como segue: 1. No tocante à alegada inconstitucionalidade do artigo 67° do RSTA sempre se dirá que a lei constitucional não consente, de forma alguma, tão extravagante interpretação 2. Efectivamente, o artigo 24° da LPTA consagra, de forma razoável, uma dualidade de regimes na tramitação processual do recurso contencioso que decorre fundamentalmente da natureza do regime fixado para o recurso dos actos da Administração Central em confronto com os actos da Administração Local.

  6. Temos assim, nos termos do referido preceito legal, os seguintes dois regimes processuais: a) Os recursos de actos praticados por órgãos da Administração Regional e Local, pessoas colectivas de utilidade pública, administrativa e também dos órgãos das associações publicas que são regulados pelo Código Administrativo e legislação complementar deste, seguindo, nos termos do artigo 843° do CA, uma tramitação processual que prevê o instituto do despacho saneador (alínea a) do artigo 24° da LPTA) e cuja competência é dos tribunais administrativos de círculo -TAC (anteriormente denominados auditorias); b) Os restantes recursos praticados por órgãos ou entidades distintos dos mencionados na alínea anterior, designadamente os dos membros do Governo, que seguem o preconizado na Lei Orgânica e no Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo - RSTA (alínea b) do artigo 24° da LPTA) e cuja competência é, conforme os casos, do STA, do Tribunal Central Administrativo (TCA).

  7. Ora, o recurso sub judice, da competência do Tribunal Central Administrativo, conforme disposto na alínea b) do artigo 40° do ETAF, segue, por força da alínea b) do artigo 24° da LPTA , os trâmites processuais do RSTA que não comportam qualquer fase de despacho saneador (actual base instrutória) 5. Esta dualidade de regimes afirma-se também ao nível da produção de prova, sendo que, nos termos do artigo 12° da LPTA, os recursos a que alude a alínea b) do artigo 24° da LPTA apenas comportam prova documental.

  8. Cabe, pois, ao recorrente, ao abrigo das regras processuais aplicáveis ao presente recurso, aduzir na p.i. os factos necessários para estabelecer as circunstâncias é/ou características da situação a que deveriam aplicar-se os preceitos legais que julgue ser de aplicar, demonstrando a preterição ou violação destes.

  9. Por seu turno, na resposta ao recurso, a autoridade recorrida é obrigada a remeter ao tribunal, para ser analisado por este e pelo recorrente, o original do processo administrativo gracioso completo em que foi praticado o acto recorrido, e os demais documentos relativos à matéria do recurso (LPTA) mesmo que naquele processo haja dados desfavoráveis ao ponto de vista da Administração.

  10. E será com base na produção dê prova apresentada pelo recorrente e pela autoridade recorrida que será fixada, na sentença, a matéria de facto.

  11. Diga-se, no entanto, ao contrário do alegado pelo recorrente que a produção de alegações prevista no artigo 67° do RSTA permite até um reforço do exercício do direito fundamental à tutela judiciai efectiva consagrado nos artigos 20° e 268°, n° 4 da CRP.

  12. É que, na fase de alegações prevista no citado artigo 67° do RSTA, pode o recorrente conhecer a integralidade dos fundamentos de facto e de direito em que assentou o acto impugnado, podendo fazer uso, designadamente do incidente da falsidade material dos documentos apresentados pela autoridade recorrida, bem como apresentar, em sede do exercício do contraditório, a sua...

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