Acórdão nº 3644/03 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Janeiro de 2004

Magistrado ResponsávelDR. BELMIRO ANDRADE
Data da Resolução07 de Janeiro de 2004
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA I. RELATÓRIO 1. O arguido B, divorciado, reformado, natural do Castelejo, A, nascido em 03.12.1924, filho de C e de D, residente no sítio dos Arraiais, …, foi pronunciado, em processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo: - pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punível nos termos do disposto nos artigos 131° e 132°, n.º1 e n.º 2 alíneas d), h) e i) do Código Penal.

E, F e G, deduziram pedido de indemnização civil, pedindo a condenação do arguido no pagamento da quantia global equivalente a 17.710.000$00, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, que sofreram por via da conduta do arguido, bem como a pagar todas as despesas e custas relativas à assistência prestada por hospitais à vítima, que venham a mostrar-se serem devidas e a ser reclamadas directamente às requerentes.

Os Hospitais da Universidade de Coimbra reclamaram o pagamento da quantia equivalente a € 11 851.45, valor da assistência aí prestada à vítima.

  1. Realizado o julgamento, o Tribunal Colectivo decidiu: - operar a convolação do crime agravado pelo qual o arguido vinha pronunciado para o crime “simples” e, como autor do crime de homicídio p. e p. pelo artigo 131º do C Penal, condenou o arguido na pena de 13 anos de prisão.

    - Na parcial procedência do pedido cível deduzido pela assistente e filhas, condenou o arguido, a pagar-lhes, a indemnização global equivalente a Esc. 13.500.000$00, sendo o arguido condenado ainda a pagar aos HUC a quantia de € 11.851,45 acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da notificação até integral pagamento.

  2. Inconformado, recorreu o arguido daquela decisão, extraindo da motivação apresentada, a final, as seguintes CONCLUSÕES (transcrição): A) QUANTO À ALTERAÇÃO DA MEDIDA DE COACÇÃO 1. - À data do julgamento o arguido encontrava-se sujeito a três medidas de coacção, mais precisamente à obrigação de não se ausentar das freguesias de Valverde e A e proibição de contactar com a família do falecido, à obrigação de se apresentar no posto policial da área da sua residência, 3 vezes por semana, e, finalmente, à prestação de caução no valor de (5.000 (cinco mil euros), através de depósito bancário - situação que, nessa altura, perdurava havia cerca de 10 meses.

  3. - Dos autos não resulta o mínimo indício de que o arguido tenha inobservado qualquer das medidas cautelares.

  4. - o arguido apresentou-se no Tribunal, a fim de ser julgado, logo na primeira data que para o efeito lhe foi designada, revelando ao longo de todo processo uma atitude processual correcta e de perfeita colaboração com a Justiça, exercendo legitimamente os direitos que a Constituição e a Lei lhe conferem, não usando de qualquer expediente meramente dilatório.

  5. - Não decorre dos autos qualquer indício que permita a mínima desconfiança quanto a um eventual perigo de fuga e, encontrando-se o processo julgado, não pode sequer verificar-se o pressuposto previsto na alínea b) do artigo 204º do CPP.

  6. - O arguido tem 79 anos de idade, nada consta do seu certificado de registo criminal; esteve mais de ano e meio sujeito à obrigação de permanência em habitação e, posteriormente, durante cerca de 10 meses, sujeito às obrigações que lhe foram impostas após a extinção daquela medida, atrás enunciadas, tendo tudo cumprido rigorosamente, não havendo notícia de que tenha praticado qualquer crime ou perturbado minimamente a ordem e tranquilidade públicas.

  7. - É dono das propriedades confinantes com as da família da vítima, aludidas no douto acórdão recorrido, há mais de oito anos, situação que se manteve no decurso do processo, não ocorrendo nesse hiato temporal o mínimo incidente.

  8. - Perante o circunstancialismo concreto do caso, o tempo já decorrido, o comportamento do arguido ao longo do processo, a inexistência de notícia de qualquer incidente entre o arguido e a família da vítima desde a data dos factos até ao presente, a idade do arguido e a sua personalidade apurada em julgamento, não pode inferir-se que haja fundado receio, ou tão pouco a mínima suspeição, de que o mesmo persista na actividade criminosa.

  9. - As medidas de coacção a que o arguido estava sujeito à data do julgamento mostraram-se suficientes e adequadas para prevenir as finalidades que justificaram a sua adopção, não tendo ocorrido qualquer alteração significativa da situação existente, pelo que o seu agravamento, ao ponto de lhe ser aplicada a medida cautelar mais gravosa, é claramente desnecessário, injustificado e desproporcionado, não podendo a condenação em pena de prisão, aplicada em sentença não transitada, só por si, justificar o agravamento das medidas de coacção, o qual deve assentar em específicas circunstâncias ou elementos de facto que, se conhecidos antes, seriam susceptíveis de ditar o agravamento.

  10. - o perigo (relevante) de continuação da actividade perigosa tem de ser aferido a partir de elementos factuais que o revelem ou o indiciem e não de mera presunção (abstracta ou genérica), ou seja, terá de ser apreciado caso a caso em função da contextualidade de cada caso ou situação, pelo que não cabem aqui juízos de mera possibilidade e só o risco real (efectivo) de continuação da actividade criminosa pode justificar a aplicação das medidas de coacção, maxime da prisão preventiva. Assim sendo, a mera possibilidade de continuação da actividade criminosa não constitui motivo suficiente para concretizar uma qualquer situação consubstanciadora de perigo de continuação da actividade criminosa.

  11. - No caso em apreço não decorre dos autos qualquer elemento factual que revele ou indicie o mínimo perigo real de que o arguido possa vir a cometer qualquer crime, fundando-se a decisão recorrida numa mera probabilidade, abstracta, sem o mínimo suporte fáctico ou real - e, mesmo enquanto probabilidade, bastante remota e forçada, atentas as medidas de coacção a que o arguido se encontrava sujeito e o efeito pelas mesmas produzido.

  12. - A decisão que alterou as medidas de coacção a que o arguido estava sujeito, agravando-as, ao ponto de lhe aplicar a medida cautelar mais gravosa do nosso sistema jurídico processual penal, é, assim, desadequada, desproporcionada e desprovida de qualquer suporte fáctico real, violando, por isso, o preceituado nos artigos 191°, 193°, 202°, 209° e 375°, n.º 4, todos do Código de Processo Penal, pelo que deve ser revogada, mantendo-se as medidas a que o Recorrente se encontrava sujeito ou, quando assim não se entenda, quaisquer outras, menos gravosas que a prisão preventiva.

    1. - QUANTO À DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO 12. - Da prova produzida em julgamento e da própria fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto resulta, entre outros aspectos, que nenhuma das pessoas ouvidas em julgamento presenciou o disparo; que foram realizadas diversas buscas no próprio dia da ocorrência, não tendo sido encontrada qualquer arma com a qual o arguido pudesse ter disparado contra a vítima; e que no momento da detenção o arguido tinha consigo uma pistola de calibre 6,35 mm, devidamente legalizada.

  13. - O Tribunal formou a sua convicção quanto à autoria do disparo, dando como provado que foi o arguido que disparou contra a infeliz vítima, no facto do arguido ter confessado que esteve na propriedade que possui nas proximidades do local onde foi encontrada a vítima e nos depoimentos da assistente e das testemunhas que declararam ter ouvido dizer ao ofendido que fora o B ("o bandido", o "malandro do B") que o atingira e ainda nos depoimentos das testemunhas que declararam ter-se cruzado com o arguido nesse dia por volta das 17.25/17.30 horas.

  14. - Resulta da prova produzida em julgamento e da própria fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto que o arguido negou a prática dos factos que lhe foram imputados, prestando o seu depoimento directamente, em Tribunal, tendo, por isso, os julgadores e todos os demais sujeitos processuais a imediação dessa prova e a possibilidade de exercerem o contraditório; 15. - Por sua vez, as alegadas afirmações do ofendido, supostamente efectuadas há mais de dois anos e cinco meses, constituem prova indirecta, sem imediação e sem possibilidade de contraditório, não traduzindo os diversos depoimentos prestados pelas pessoas que afirmaram ter ouvido dizer ao ofendido que o autor do disparo foi o B mais do que a reprodução dum depoimento daquele (ofendido), sendo indiferente que tal reprodução seja feita por uma, por cinco ou por cinquenta pessoas, não representando ou valendo mais do que as declarações do ofendido, com a desvantagem de serem prestadas indirectamente.

  15. - O caracter indirecto dessa prova impede, desde logo, o Tribunal de perscrutar a razão de ciência subjacente às alegadas afirmações do ofendido no sentido de que o autor do disparo foi o B, ou seja, impossibilita o apuramento da razão que terá levado o ofendido a fazer - se é que, na verdade, fez - tal afirmação, surgindo, por isso, a dúvida se a vítima terá visto quem efectuou o disparo que o atingiu, ou se terá afirmado que foi o B ("O Bandido", "O Malandro") devido às divergências existentes entre ambos, por questões de propriedades.

  16. - Tal dúvida ganha maior ênfase quando conjugada com o depoimento da viúva e assistente, E (registo audio: cassete 3, lado A, rotações 0000 a 2450, e lado B, rotações 0000 a 0767), na parte em que afirma estar certa de que o autor do disparo foi o arguido por ter a certeza de que não havia no Castelejo ninguém capaz de dar um tiro à vítima, seu marido. Mais: l8. - A descrição feita pela assistente quando ao modo como a vítima lhe descreveu projécteis e a posição em que se encontraria o autor do disparo, indiciam de que aquele não viu - nem podia ter visto - quem o atingiu.

  17. - Tudo isto, só por si, retira credibilidade aos relatos das alegadas afirmações da vítima, cuja veracidade fica ainda seriamente abalada pelas divergências verificadas entre os diversos...

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