Acórdão nº 2964/05 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Janeiro de 2006 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelARTUR DIAS
Data da Resolução25 de Janeiro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

RELATÓRIO A...

, casado, industrial, residente na Alemanha e com domicílio na Praça das Flores, 51, em Lisboa, intentou na comarca de Lisboa acção declarativa, com processo comum e forma ordinária contra B..., casada, doméstica, residente na Praça das Flores, 51, em Lisboa e C...

e mulher, D...

, casados, residentes na freguesia de Santa Maria, em Trancoso, pedindo a anulação da compra e venda formalizada através da escritura pública outorgada em 24 de Julho de 1996 no Cartório Notarial do Seixal, na qual a 1ª R. declarou vender aos 2ºs RR. o prédio urbano com lojas, quintal e uma dependência, sito na Rua Luís Ribeiro, freguesia de S. Pedro, Trancoso, descrito na Conservatória do Registo Predial de Trancoso sob o nº 373 e inscrito na respectiva matriz sob o nº 565, devendo os 2ºs RR. devolver o prédio à 1ª R. e esta devolver àqueles os recebidos 8.500 contos, ordenando-se o cancelamento registral na competente Conservatória da citada compra venda, com as legais consequências.

Para tanto, em brevíssima síntese, o A. alegou que é casado com a 1ª R. no regime de comunhão de bens adquiridos e que ela vendeu aos 2ºs RR. o imóvel identificado sem o seu consentimento.

A 1ª R., reunido o condicionalismo legal, foi citada editalmente e, não tendo contestado, foi citado o Ministério Público que igualmente não contestou.

Os 2ºs RR. contestaram por excepção arguindo a incompetência territorial do tribunal e a caducidade do direito de acção do A.. Contestaram ainda por impugnação alegando, em resumo, que o regime de bens em vigor no casamento do A. e da 1ª R. é o de separação de bens; e que fizeram benfeitorias no imóvel, gozando, no caso de procedência da acção, do direito de retenção. Concluíram pedindo a procedência das excepções, a improcedência da acção e a condenação do A. como litigante de má fé.

O A. replicou pugnando pela improcedência das excepções e os RR. treplicaram concluindo como na contestação.

Julgada procedente a excepção da incompetência territorial, foram os autos remetidos à comarca de Trancoso, onde prosseguiram os seus termos.

Julgada improcedente no despacho saneador a excepção da caducidade e condensada e instruída a acção, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, em cujo âmbito foi proferido o despacho de fls. 363 e 364, decidindo a matéria de facto controvertida.

Pela sentença de fls. 425 a 442 foi a acção julgada improcedente e os RR. absolvidos do pedido.

Irresignado, o A. interpôs recurso e, no final da sua alegação, formulou as conclusões seguintes: 1. Os conflitos de leis respeitantes aos efeitos do casamento, aos direitos dos cônjuges e às relações patrimoniais eram solucionados por aplicação da Convenção da Haia de 17 de Julho de 1905, a cujo dispositivo Portugal se vinculou até ao presente.

  1. Essa Convenção deixou, porém, a partir de 1 de Janeiro de 1920 de ter aplicação aos cidadãos alemães nas respectivas relações com nacionais portugueses, em virtude do art° 282° do Tratado de Versailles, de 28 de Junho de 1919, ter feito cessar os efeitos e aplicações dessa Convenção nas relações entre a Alemanha e os Aliados, e Potências Associadas, a cujo número Portugal pertenceu.

  2. O Tratado de Versailles ressalvava, no entanto, a possibilidade de qualquer desses Aliados e Potências Associadas notificar a Alemanha, no sentido de repor em vigor a mencionada Convenção da Haia entre os dois países, prerrogativa de que Portugal nunca lançou mão. Aliás, 4. Mesmo que assim não fosse, a regra do art° 2° da Convenção, que designa como lei competente para regular os efeitos do casamento sobre os bens dos cônjuges a da nacionalidade do marido, importaria violação da Constituição da República Federal da Alemanha (RFA), em virtude desta, que entrou em vigor em 31 de Março de 1953, ter consagrado no seu art° 3° a igualdade de tratamento dos sexos.

  3. A circunstância de, segundo o Aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros, in D° da República de 19/03/1988, ter denunciado a aludida Convenção a partir de Agosto de 1987 não invalida a conclusão 2., em virtude dessa Convenção da Haia abranger cidadãos de outros países, que não Portugal e os Aliados ou Potências Associadas, relativamente a cujas relações com nacionais alemães continuou a vigorar.

  4. Também não tem aplicação à questão em apreço a norma constante do n° 2 do art° 52° CC (na redacção anterior ao Decreto-Lei n° 496/77, de 25/11), para que remete o art° 54° n° 1 CC, a qual aponta a lei pessoal do marido como própria para regular as relações entre os cônjuges.

  5. Apesar de à data do casamento do recorrente com a 1a Ré essa norma não ofender a nossa lei fundamental então vigente (Constituição de 1933), o mesmo não sucedia quanto à Constituição de 1949 da RFA (“Grundgesetz”), entrada em vigor aos 31 de Março de 1953.

  6. Com efeito, o art° 3° da Constituição da RFA passou, a partir desta última data, a garantir a igualdade de direitos entre homens e mulheres, dispondo: «(1) todos os seres humanos são iguais perante a lei; (2) homens e mulheres são iguais. O Estado promove a aplicação de direitos iguais entre mulheres e homens e diligenciará para a eliminação das discriminações existentes; (3) ninguém pode ser discriminado ou proferido em função do sexo, ascendência, raça, língua, nacionalidade e origem, fé, religião ou opiniões políticas, nem em função de incapacidade.».

  7. De tal modo que, a partir de 31 de Março de 1953, os Tribunais alemães, e em especial o Tribunal Constitucional Federal, declararam inconstitucionais os preceitos legais que designam a lei aplicável em função da nacionalidade do marido.

  8. É o que sucedeu com referência ao art° 2° da Convenção da Haia de 17 de Julho de 1905, que, na ausência de convenção nupcial, mandava reger os efeitos do casamento sobre os bens dos cônjuges pela lei nacional do marido, na altura do casamento, norma esta declarada inconstitucional pelo dito Tribunal (cf. BGH FamRZ 1986,1200 = IPRax 1987, 114).

  9. E o que se verificou, designadamente, a respeito do segmento do §3 do art° 220 EGBGB que mandava regular os efeitos legais dos casamentos relativamente ao regime de bens, na falta dos elementos de conexão enunciados anteriormente, segundo a lei nacional do marido (cf. Supremo Tribunal Federal, BGH NJW 1987, 583 (584)); ou ainda 12. A respeito do §1 do art° 15° EGBGB (na sua versão antiga), o qual dispunha que ao regime de bens do casamento devia ser aplicada a lei alemã se o marido tivesse, na altura do casamento, nacionalidade alemã (cf. Bundesverfassungsgericht, decisão de 22 de Fevereiro de 1983 – in, BVerfG NJW 1983, 1968).

  10. Pronunciando-se também neste sentido a doutrina alemã (v., entre outros, Palandt/Heldrich, 64a ed. Art. 15 EGBGB N° 10).

  11. O Tribunal português pode e deve exercer o controlo da constitucionalidade das normas materiais estrangeiras face à lei fundamental estrangeira (v. Prof. Luís de Lima Pinheiro, in “Direito Internacional Privado”, vol. I, pág. 451).

  12. A própria lei alemã (art° 6°/2a parte EGBGB configura aliás a incompatibilidade da lei estrangeira com os direitos fundamentais como um caso de aplicação da ordem pública internacional (v. Lima Pinheiro, obra citada, pág. 480).

  13. Sendo certo, ademais, que não faria sentido a norma de conflitos portuguesa proceder a uma remissão (para a lei nacional do cônjuge varão) que contraria as disposições da própria Constituição da RFA.

  14. Por outro lado, a lei alemã (§1° do art° 15° e §1° do art° 14°, ambos do EGBGB), na falta de nacionalidade comum ou de residência habitual dos cônjuges...

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