Acórdão nº 2522/05 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Janeiro de 2006
Magistrado Responsável | DR. BELMIRO ANDRADE |
Data da Resolução | 11 de Janeiro de 2006 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
ACORDAM, EM AUDIÊNCIA, NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA I. Após realização da audiência de discussão e julgamento o Tribunal Colectivo do 2º Juízo do TJ de Anadia decidiu: 1 - Julgar a acusação improcedente quanto ao crime de usurpação de funções que era imputado à arguida A..., dele a absolvendo; 2 - Julgar a acusação procedente na parte restante, condenando as arguidas:
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A..., pela prática, em concurso efectivo real, de um crime de falsificação de documento, como funcionária (do art. 256/4 do CP), na pena de 2 anos de prisão, e de um crime de subtracção de documento (do art. 259/3 do CP), na pena de 1 ano e 6 meses de prisão. Em cúmulo destas duas penas, condená-la na pena única de 2 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução, por um período de 2 anos, suspensão que fica condicionada ao pagamento, no prazo de 6 meses, da indemnização fixada infra.
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B..., pela prática de um crime de falsificação de documento [do art. 256/1c) do C.P.], na pena de 150 dias de multa, a 6,00€ diários, num total de 900,00€, com 100 dias de prisão subsidiária.
3 - Julgar procedente o pedido cível, condenando-se as arguidas a pagar à C..., solidariamente, a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), acrescida dos juros vencidos desde 24/06/2003 e vincendos até integral pagamento, à taxa legal anual de 4%.
*II. Recorrem as arguidas de tal decisão, com as seguintes CONCLUSÕES 1. As recorrentes desde já manifestam o interesse na apreciação e julgamento dos seus recursos intercalares, motivados a fls.341ª e sgts. e 451ª e sgts. dos autos; 2. A decisão aclaratória de fls.533ª dos autos que versa sobre o acº. ora recorrido, nos termos dos Arts.669ºnº.1 e 670ºnº.2 do CP Civil aplicável "ex vi" Art.4º do CP Penal, faz parte integrante da mesma decisão aclarada, motivada pelo requerimento das arguidas de fls.520ª e sgts.
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Considerando a fundamentação e motivação da decisão recorrida quanto toca aos factos dados como assentes sob os nº.4, 5, 6 e 7 importava saber em que condições e circunstâncias de tempo, modo e lugar é que as referidas testemunhas ouviram a arguida A... "assumir" perante estas esses factos e já pela razão de tais depoimentos terem sido relevantes para o referido efeito.
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Da decisão aclaratória de fls.533ª dos autos nada se aclara quanto a este conspecto, perdendo-se a resposta na imensidão do silêncio oferecido às questões menores. Os factos em causa prendem-se apenas com a prática e autoria dos factos que se discutem nestes autos….
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A esse tempo, também, solicitaram as recorrentes aclaração quanto ao facto dado como provado sob o nº.22-A e se este facto tinha ou não sido ponderado para o julgamento do pedido cível e respectivo "quantum indemnizatório". Respondeu o tribunal "a quo" no sentido de que este facto não tinha tido nenhuma influência na decisão tomada sobre o pedido cível. Ora, e a ser assim, 6. Afigura-se às recorrentes que pela elementar e evidente importância que possuem os factos relevância provados sob os nº.s4, 5,6 e 7 da decisão recorrida, ao omitir pronuncia sobre esta questão na decisão de fls.533ª o tribunal "a quo", prejudicou os direitos de defesa das arguidas e já, violando e inconstitucionalizando o disposto no Art.379ºnº.1, al.c) do CP Penal, por errada interpretação e aplicação do Art.32ºnº.1 da CR Portuguesa; havendo de lhe ser assacada a subsequente inconstitucionalidade e nulidade que, assim, e de forma expressa se deixam arguidas.
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Mas, por outro lado, e não obstante ter aclarado sobre a relevância do facto provado sob o nº.22-A para a condenação civil, fica ainda por esclarecer qual é a relevância desse mesmo facto para o objecto dos autos e atentas, quer a sua evidente ligação com o facto provado sob o nº.22 (22-A, naturalmente estará ligado com o 22) quer a sua pertinência à leitura do facto provado sob o nº.23 que remete o leitor para os factos numerados anteriormente (22-A, incluivé) fica a certeza de que o Tribunal "a quo" conheceu de factos que não poderia conhecer, por estarem fora do âmbito e objecto do processo, pelo que haverá ainda de assacar-se à decisão recorrida o vício de nulidade previsto no Art.379ºnº.1, al.c) do CP Penal.
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Mas, e continuando a ressalvar o muito respeito que é efectivo e merecido, o acº. recorrido é nulo de nenhum efeito, por manifesta falta de fundamentação quer ao nível fáctico quer ao nível do jurídico.
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É certo que o tribunal "a quo", à frente de cada facto refere ligeiros apontamentos de onde retirou e fundamentou a sua convicção.
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Mas, em relação à esmagadora maioria dos factos dados como provados, limita-se simplesmente a apontar, indicando, essa prova. Não os analisa criticamente. Não os correlaciona. Nem diz porquê - de acordo com a intencionalidade ínsita ao Art.374ºnº.2 do CP Penal.
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O tribunal "a quo" refugiou-se em meras e enxutas expressões tabelares, despidas da necessária concretude, esvaziando inexorávelmente o fim do citado preceito legal.
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Em relação às testemunhas apenas identifica os seus nomes à frente de cada facto, não analisa os depoimentos de forma crítica e o mesmo se diga em relação aos documentos e, v.g., quanto aos factos provados sob os nºs.15 e 16 apenas remete para as regras da experiência conjugados com os factos nº.s1 a 14 (todos os anteriores e sem dizer porquê, em que medida, etc) e ainda para a presunção de que as arguidas são mentalmente sãs… 13. Paradigmática a este respeito é a fundamentação oferecida aos factos dados como provados sob os nºs.17 a 22: apenas ficamos a saber que foram relevantes os depoimentos das testemunhas ouvidas ao pedido cível…,sem mais…! 14. A serem as coisas da forma que se vem de expor dúvidas não poderão restar da necessidade de, nesta sede, fazer a apologia da nulidade da sentença por violação do Art.374ºnº.2 e de acordo com o disposto no Art.379ºnº.1, al.a) do CP Penal.
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O mesmo vale por dizer da fundamentação quanto ao processo de determinação da(s) medida(s) da(s) pena(s) parcelar(es) e do cúmulo operado na decisão recorrida.
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Salvo o devido respeito, jamais se poderá defender que a decisão recorrida reflecte sobre estes aspectos nos termos do disposto nos Art.70º, 71º e 77º do CP Penal e já que o acº. em análise "resolve" todo este problema em pouco mais de meia página "A4", para ambas as arguidas; continuando a utilizar expressões "correntes" de imensa vaguidão e abstracidade, absolutamente esvaziadas de referenciais concretos e relativos à concreta pessoa das arguidas.
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Com efeito, decorre dos Arts.97ºnº.4, 374ºnº.2 e 375ºnº.1 do CP Penal, conjugados com o especial regime dos Arts.70º, 71º e 77º do C. Penal que o legislador constitucional impões ao tribunal que explicite (exteriorize) de forma detalhada e expressa o porquê da opção tomada - o que se alcança mediante a indicação e o exame crítico dos factos e da personalidade do agente que serviram de base à formação da convicção.
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Também por aqui o acº. recorrido incorre no vício de falta de fundamentação ao não cumprir as exigências previstas nos Arts.70º, 71º, 77º, 97ºnº.4 bem como os Arts.369ºnº.1, 374ºnº.2 e 375ºnº.1 do CP Penal, que viola e inconstitucionaliza por errada interpretação dos Arts.20ºnº.4, 32ºnº.1 e 205ºnº.1 da CR Portuguesa que vão postergados nessa medida, caindo pois na estatuíção do Art.379ºnº.1, al.a) do CP Penal.
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O acº. recorrido padece ainda do vício previsto no Art.410ºnº.2, al.b) do CP Penal.
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É que, se por um lado e como se escreve a fls.533ª dos autos o facto dado como provado sob o nº.22-A não teve qualquer relevância para a decisão e sentença dos autos é incompreensível (e inadmissível por estranho ao objecto do processo) que o mesmo facto apareça relacionado com a prova dos sentimentos de afectação psicológica sentidos pela ofendida Martinho.
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Está relacionado sob o nº.22-A, sugerindo íntima ligação com o relacionado sob o nº.22; por sua vez o facto dado como provado sob o nº.23 escreve que as situações anteriores (e ainda o 22-A, por anterior) causaram abalo a esta ofendida…! Por sua vez, o facto vertido sob o nº.25, como remete para os anteriores vamos cair exactamente na mesma situação…! Salvo o devido respeito, não se entende, por manifestamente contraditório e, 22. Como a fundamentação oferecida ao julgamento do pedido cível se resume a 8 (oito) singelas linhas de texto "escorrido", reflexão e exame crítico do julgamento destes factos é coisa que continua a não existir, pelo que o mesmo e já referido vício de falta de fundamentação e subsequente nulidade haverá agora de arguir-se nesta sede, nos termos já anteriormente suscitados.
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A fundamentação oferecida pelo acº. recorrido aos factos dados como provados sob os nºs.4, 5, 6, 7, 9, 10, 11, 12 e 14 - a fls.446ª dos autos - baseia-se em alegada confissão, "assunção" desses factos pela arguida A.... perante os terceiros que aí vão referidos e, acrescenta-se na mesma decisão, antes da instauração de qualquer processo. Relevante para a decisão desta questão mostra-se ainda o facto de qualquer das arguidas ter negado a prática dos factos em sede contestatória e não ter estado presente no julgamento, não tendo prestado quaisquer declarações em juízo.
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A valoração dessa eventual confissão, no entanto, não é permitida pela lei processual penal onde vigora o princípio da legalidade da prova - cfr. Art.125º do CP Penal.
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Da limitação estatuída pelo Art.128ºnº.1 do CP Penal, resulta que as testemunhas apenas são inquiridas sobre factos de que tenham conhecimento pessoal e directo não valendo as provas que não tenham sido produzidas em audiência - cfr. Art.355ºnº.1 do CP Penal.
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Desde logo, desconhece-se as condições, as motivações, todo o circunstancialismo que envolveu essa eventual "assunção" dos factos, é dizer essas "conversas informais" que, certamente, ocorreram sem a garantia dos direitos de defesa legal e constitucionalmente consagrados pelo que jamais poderiam ser trazidas aos autos sem que estivessem redigidas a auto - e jamais, nas circunstâncias concretas do processo, o poderiam estar - nunca...
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