Acórdão nº 2926/04 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Novembro de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução03 de Novembro de 2004
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

*** Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra.

No processo comum colectivo n.º 387/03, do 3º Juízo da comarca da Figueira da Foz, após a realização do contraditório foi proferido acórdão que condenou o arguido A..., com os sinais dos autos, como autor material de um crime continuado de abuso sexual de criança, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 172º, n.ºs 1, 2, 3, als.

a), b) e c), 22º, n.ºs 1 e 2, als.

  1. e c) e 30º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 5 anos de prisão, com desconto da prisão preventiva sofrida.

    Na parcial procedência dos pedidos de indemnização civil deduzidos contra o arguido foi o mesmo condenado a pagar à menor ofendida B..., devidamente identificada, a importância de € 25.000,00.

    O Ministério Público e o arguido interpuseram recurso.

    São do seguinte teor as conclusões extraídas pelo arguido da motivação que apresentou: 1. A douta sentença recorrida padece de erro notório na apreciação da prova. De facto: 2. O facto descrito na alínea e) não está provado, pois baseia-se, apenas, nas declarações da menor, sem nada mais haver que o comprove, e é contraditado pelas declarações do arguido prestadas na audiência de julgamento.

    1. O facto descrito na alínea f) não está provado que tenha sido intencionalmente feito para que a B... a consultasse.

    2. O facto descrito na aliena i), concretamente que o arguido meteu um dedo esticado no interior da vagina para penetrá-la, não está provado pois baseia-se apenas numa extrapolação, pois nem a menor o afirma, e é contraditado pelas declarações do arguido prestadas em inquérito e em audiência de julgamento.

    3. Os factos descritos na alínea j) não estão provados, pois nem a menor nem o arguido alguma vez afirmaram que este se despia dentro da tenda, nem que alguma vez exibiu o pénis erecto dentro ou fora da tenda; já no que toca ao arguido dentro de água despir os calções, é a própria B... que afirma que não lhe via a “pilinha”, pois ele estava dentro de água.

    4. O facto descrito na aliena k) não está provado pois funda-se unicamente nas declarações da menor, as quais são contraditadas pelas declarações do arguido prestadas em audiência de julgamento; este assume que, ao som da música, “batucava” ou acompanhava a música dando pequenas palmadas nas pernas da B..., comportamento que nada tem de libidinoso.

    5. O facto descrito na alínea l) não está provado pois nem sequer a menor afirma tal coisa, tal como o arguido.

    6. O facto descrito na alínea m) não está provado pois baseia-se, apenas, nas declarações da menor, sem nada mais haver que o comprove, e é contraditado pelas declarações do arguido prestadas em audiência de julgamento.

    7. O facto descrito na alínea n) não está provado pois é a própria menor, que afirma que não tirou nenhuma fotografia ao arguido nu; embora, e sem haver foto que o comprove, o arguido confesse que a B... lhe tirou uma foto com ele nu, mas que aquela não o apanhou da cintura para baixo.

    8. Os factos descritos na alínea o) não estão provados pois baseiam-se, apenas, nas declarações da menor, sem nada mais haver que o comprove, e é contraditado pelas declarações do arguido prestadas em audiência de julgamento.

    9. Os factos descritos na alínea r) não estão provados, sendo contraditados pelas declarações do arguido.

    10. Todos os factos considerados como provados fundam-se, no todo ou em parte, apenas em declarações da menor, ou ilações destas retiradas, que são expressamente contraditadas pelo arguido ou não logram comprovação documental credível, sem que, neste cenário probatório, em momento algum o douto tribunal recorrido tenha sequer utilizado, ou ponderado utilizar, o incontornável princípio in dubio pro reo.

    11. É o próprio tribunal que concluiu “… que o arguido ficou-se pela sedução, nunca forçando a pequena e que não foi mais além apenas porque não quis”.

    12. O relatório de avaliação psicológica do arguido, entre outras, recomenda “… fortemente a realização de um tratamento psicoterapêutico especializado, capaz de flexibilizar as dificuldades apresentadas, de melhorar o funcionamento intrapsíquico e de normalizar a vida interpessoal do Vítor”.

    13. O arguido manifestou vontade de beneficiar de acompanhamento de psicologia e de não mais residir nas proximidades da B...

    14. Com base no exposto, o arguido não deve ser condenado em pena superior a 3 anos, a qual deverá ser suspensa, além de também ser condenado a realizar um tratamento psicoterapêutico especializado.

      Quanto ao recurso do Ministério Público é do seguinte teor a sua parte conclusiva: 1. O crime continuado envolve em si mesmo uma atenuação correspondente, pelo menos relativamente à situação derivada do concurso real e na definição do conceito plasmado no artigo 30º, n.º 2, do CP, onde se diz inequivocamente que, além do mais, tem de se verificar o “quadro de uma solicitação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”.

    15. Conforme refere o Professor Eduardo Correia (Direito Criminal, volume II, 210/211 e Teoria do Concurso e Direito Criminal – Unidade e Pluralidade de Infracções, 246 e ss) o teste decisivo da verificação de tais situações, tendo como efeito o tratamento do regime mais favorável do crime continuado, é sempre o recurso à ideia fundamentada da diminuição considerável do grau da culpa do agente.

    16. O bem jurídico em causa – a auto determinação sexual, sob o enfoque do livre desenvolvimento da personalidade da vítima menor de 14 anos, ou seja, da própria criança (que, recorde-se, no caso em apreço, tinha apenas nove anos de idade) – exclui qualquer quadro de tentação “carnal”, de estimulação do desejo, de criação de intimidade por sentimento forte da satisfação do apetite sexual, atento a idade da mesma.

    17. A situação de aproximação e de concretização do tipo de intimidade com a menor que o arguido foi criando é resultado da própria “perturbação sexual do próprio agente”, do seu comportamento endógeno e não exógeno, revelador de uma parafilia, enquanto espécie de pedofilia e onde a criança se apresenta simples “foco parafílico”. Os crimes foram resultado das oportunidades que, casuisticamente, foram surgindo, no âmbito de tal convivência.

    18. Não se pode considerar o arguido “arrastado” por força das oportunidades que ele próprio ia criando e fomentando, em consonância com as suas tendências de personalidade, para se entender que estão reunidos os pressupostos da continuação criminosa, quanto à “situação externa que diminua consideravelmente a culpa”.

    19. Embora se pretenda uma homogeneidade do comportamento total em cada uma das situações típicas, não se pode concluir que as várias actuações do arguido tivessem surgido por mero acaso, no quadro de uma mesma situação externa que lhe diminua consideravelmente a culpa. O arguido procurou-as, criou ou contribuiu exclusivamente para a sua ocorrência, em alturas diversas e renovando assim o propósito criminoso, sem que se vislumbrem factores externos à sua “patologia” que fossem determinantes da sua conduta de modo progressivamente menos resistível e acentuadamente diminuidores da culpa.

    20. É o próprio Tribunal recorrido que reconhece que a conduta do arguido foi predominantemente determinada pela própria tendência da personalidade “parafilica” deste arguido (não deixando de realçar os comportamentos “doentios” ou mórbidos dele nos pontos f) e m) da matéria fixada), acrescentando que “circunstâncias da sua vida amorosa, conjugadas com alguma perturbação da personalidade e tendência para a solidão foram o contexto propiciador da sua decisão à prática dos factos, sem que todavia esse contexto o impedisse de os reconhecer como indevidos ou de não os praticar (alínea s) do ponto 1.2 do acórdão).

    21. Não se diga que foram as circunstâncias da B... ser órfã de pai, com relacionamento difícil com o padrasto, sem afectos paternais, bem como o facto de ser de um estatuto económico e social deprimido (contribuindo para o seu deslumbramento as ofertas e atenção dispensada pelo arguido e para ver nele uma referência paternal), que constitui o quadro da solicitação exterior que diminui consideravelmente a culpa do agente, pois então estaríamos a “desculpabilizar” quase todos os pedófilos deste país, já que o quadro é bem idêntico às situações que se vão conhecendo e tais limitações exigiriam até particular acuidade do arguido ao seu comportamento pelas suas consequências no desenvolvimento da criança.

    22. Ao Tribunal foi possível identificar para além da “homogeneidade” de comportamento, situações típicas de natureza diferente, delimitadas entre si e obedecendo a diversos dolos e enquadramentos jurídicos específicos da protecção da menor contra todas as formas de “agressão” previstas no artigo 172º, do CP, onde não há total coincidência nas condutas ali previstas e diversidade de penas para cada uma delas (que não se confundem com a pluralidade de actos cometidos em concreto em cada momento).

    23. Não ficou provado ao longo de toda a realização criminosa o mesmo dolo ou resolução inicial, não resulta tão pouco demonstrado que a actuação, ainda que não obedecendo ao mesmo dolo, esteja interligado por factos exógenos ao arguido que o arrastaram para a reiteração de condutas e que por isso lhe diminuem significativamente a culpa.

    24. Atento a moldura penal dos ilícitos e os critérios ponderados – e bem – para a escolha da pena, ao primeiro crime (a) deverá caber a pena de prisão não inferior a um ano e seis meses, ao segundo (b) pena de prisão não inferior a um ano, ao terceiro (c) pena de prisão de um ano, ao quarto (d) pena de prisão não inferior a oito meses e ao quinto pena de prisão de um ano e três meses, sendo o cúmulo material de cinco ano e cinco meses. Assim, parece-nos igualmente adequada a pena unitária de cinco ano de prisão, a mesma que foi aplicada pelo Tribunal Colectivo.

    25. Ao não enquadrar os factos nos diversos crimes mencionados no artigo 172º, do CP, e especificados no Acórdão (ponto 2.1.1) mas apenas num único crime continuado, o Tribunal recorrido violou o disposto no artigo 30º, n.º1...

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