Acórdão nº 2187/02 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Junho de 2004

Magistrado ResponsávelPAULO T
Data da Resolução08 de Junho de 2004
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal de Relação de Coimbra.

A, casado, suinicultor, resi-dente no lugar da Bouça, freguesia de Colmeias, conce-lho de Leiria, veio intentar contra: B e mulher C, comerciantes, residentes na rua da Escola, Bidoeira de Cima, Leiria e Litosuínos – Comércio de Suínos, Limitada, com sede na rua da Escola, freguesia de Bidoeira de Cima, Leiria, a presente acção com processo ordinário tendo pedido a condenação solidária dos Réus a pagarem ao Autor a quantia de 11 000 000000 (onze milhões de escu-dos), acrescida de esc. 857 670$00 de juros moratórias vencidos e contados até 30 de Junho de 1999 e dos vin-cendos, à taxa legal, até efectivo e integral paga-mento; Condenação dos 1ºs Réus a pagarem ao Autor a quantia de esc. 2 470 000$00, acrescida de esc. 230 042$00 de juros moratórias vencidos e contados até 30 de Junho de 1999 e dos vincendos, à taxa legal, até efectivo pagamento.

Alegou para tanto e em resumo, que emprestou aos 1ºs Réus várias quantias em dinheiro para eles satisfa-zerem compromissos da sua vida pessoal e dos seus negó-cios. No princípio do ano de 1998, os Réus deviam-lhe esc. 19 470 000$00.

Nos presentes autos reclama apenas a quantia de esc. 13 470 000$00.

Os 1ºs Réus e a Ré Litosuínos são responsáveis solidários pelo pagamento da quantia de onze milhões de escudos. Os 1ºs Réus respondem, ainda, pelo pagamento da parte restante.

Os Réus contestaram, concluindo pela improcedência parcial da acção.

Para tanto alegaram que a dívida ao Autor é de 11 000 000$00 e que a obrigação do seu pagamento foi assu-mida pela Ré Litosuínos.

O Autor respondeu.

No saneador conheceu-se da validade e regularidade da instância, tendo-se procedido à selecção da matéria de facto relevante para a decisão da causa.

Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e em consequência: - Condenou os RR. Manuel Mendes Lisboa e mulher Maria Clara Alves Lisboa a restituir ao Autor a quantia de esc. 12 720 000$00 acrescida de juros à taxa legal desde a citação dos RR. até efectivo pagamento.

- Absolveu os primeiros RR. da parte restante do pedido.

- Absolveu a Ré do pedido.

Daí o presente recurso de apelação interposto pelo Autor, o qual no termo da sua alegação pediu a revoga-ção da sentença na parte em que absolveu a Ré Litosuí-nos do pedido, condenando-se a mesma solidariamente com o casal Réu no pagamento do valor da dívida represen-tada pela letra de onze milhões de escudos, acrescida de juros moratórios legais desde a data do vencimento, revogando-se assim a decisão recorrida na parte em que condena os RR. Lisboa e mulher em juros moratórios à taxa legal apenas na data da citação e substituindo-se a decisão nessa parte por outra que os condene desde a data da emissão dos cheques e do vencimento da letra.

Apresentou as seguintes, Conclusões.

1) Com o aceite da letra, a Apelada Litosuínos ficou constituída na obrigação de pagar o respectivo montante, sendo irrelevante a intenção das partes, ao convencionarem na sua emissão, quanto ao exercício da faculdade de desconto; 2) Pois que se com o aceite o obrigado cambiário, o aceitante, fica obrigado ao pagamento, o aceitante é sempre livre de endossar a letra, mesmo que tal não seja o seu propósito na data da emissão; 3) O aceite da letra pela apelada Litosuínos, segundo a factualidade provada, tem por efeito a assun-ção da dívida.

4) As normas dos artsº 28º da LULL, 595º nº 1 e 2 e 840º nº 1 do Cód. Civil deveriam ser interpretadas e aplicadas no sentido de que, com o aceite e entrega ao sacador, aqui Apelante, da letra de câmbio junta aos autos, a Apelada Litosuínos assumiu solidariamente com os Apelados Lisboa e mulher, a obrigação de pagamento do valor representado pela letra; 5) A relação jurídica cambiária é um negócio abs-tracto, por si mesmo idóneo para satisfazer, tanto a obrigação de restituir fundada nos mútuos, como a obri-gação de restituir fundada na nulidade dos mesmos; 6) A nulidade dos mútuos não se transmite ao con-trato de assunção de dívida; 7) Tendo decidido que a nulidade dos mútuos se transmite ao contrato de assunção de dívida, a decisão recorrida violou, entre outras, as normas dos artigos 595º e 219º do Código Civil, bem como a norma do artigo 840º do mesmo Diploma Legal.

8) A letra de câmbio dos autos, uma vez declarada a nulidade dos empréstimos com efeito retroactivo, passa a valer como título jurídico da obrigação de res-tituir fundada na nulidade dos empréstimos; 9) Decidindo de modo diverso, a sentença recorrida violou os princípios da literalidade e da abstracção, próprios das obrigações cartulares, a regra do efeito retroactivo da declaração de nulidade do negócio jurí-dico, e o princípio da restituição, em consequência da nulidade de tudo o que tiver sido prestado; 10) Com o que infringiu o disposto no artº 289º do Código Civil; 11) A "assunção de dívida" não constitui tecnica-mente a prestação de garantia a dívida doutras entida-des, segundo a previsão da norma do artigo 6º nº 5 do Código das Sociedades Comerciais.

12) A norma do artigo 6º do CSC, conjugada com as regras dos artsº 260º nºs 1 e 2 também do CSC, deve ser interpretada no sentido de que a assunção de dívida deve ser considerada como eficaz nas relações entre a sociedade e terceiros, sempre que a sociedade não ale-gue e não prove que o terceiro sabia ou não podia igno-rar, tendo em conta as circunstâncias, que o acto pra-ticado não respeitava as limitações resultantes do seu fim, ou do respectivo objecto social; 13) Ainda assim, a sociedade por quotas não pode opor a terceiros, em benefício dos quais assumiu uma dívida, por contrato com os seus sócios, devedores pri-mitivos, as limitações de capacidade resultantes do seu fim e do respectivo objecto social, quando a sociedade tenha assumido o acto por deliberação expressa ou tácita dos sócios; 14) A sanção legalmente associada à prática, pelos gerentes das sociedades por quotas, de actos alheios ao respectivo objecto social, não é a nulidade, mas a ine-ficácia, dependente da arguição da sociedade para poder ser conhecida em Juízo; 15) Mas, nesse caso, a ineficácia não opera se a sociedade assumiu o acto praticado pelos seus gerentes, por deliberação expressa ou tácita dos sócios; 16) Sendo a sociedade por quotas demandada por acto hipoteticamente praticado nessas condições, a arguição e prova dos requisitos da ineficácia constitui matéria da excepção, competindo à sociedade o ónus da prova dos mesmos; 17) Na acção, a Apelada Litosuínos nunca alegou sequer, que a dívida assumida a não responsabilizasse; 18) Por sua vez, os Apelados Lisboa e mulher, que são os únicos sócios da Apelada Litosuínos, também não alegaram que a dívida não fosse da responsabilidade da Litosuínos, sociedade que representaram na constituição do mandato forense que serviu de base à defesa; 19) A existir proibição legal de assunção de dívida por parte de uma sociedade por quotas em relação aos seus sócios, tal proibição, sancionada com a mera ineficácia, foi estabelecida no interesse dos sócios, e é um interesse disponível dos sócios; 20) Os Apelados Lisboa e Mulher e a co-Apelada Litosuínos, ao convencionarem o aceite da letra e ao entregá-la ao Apelante, manifestaram a sua renúncia tácita, mas inequívoca, a prevalecer-se da invocada ineficácia; 21) Renúncia essa, tácita, mas inequívoca, que exprimiram ao oferecer contestação, sendo, para o efeito de tal defesa, a Apelada Litosuínos representada na constituição de mandato forense, pelos próprios Ape-lados Manuel Lisboa e Mulher, seus sócios-gerentes; contestação essa em que apenas discutem o montante da dívida, e os termos em que alegadamente tinham já pro-cedido à sua parcial amortização; 22) Ao não decidir a lide a respeito da assunção de dívida pela Litosuínos, por aplicação das normas dos nsº l e 4 do artº 6º, e dos artsº 260º nsº 1 e 2 do CSC a decisão recorrida incorreu em erro na determinação do direito aplicável; 23) Ao decidir a dúvida sobre se existia justifi-cado interesse próprio da sociedade garante na assunção da dívida contra o Apelante, a decisão recorrida violou as normas dos artsº. 342º nº 2 do Cód. Civil e do artº 489º do Cód, Proc. Civil; 24) A decisão recorrida não apreciou, nem decidiu, como devia, a questão da regularidade jurídica da assunção de dívida pela Ré Litosuínos à luz do princí-pio da proibição do abuso do direito, matéria que é do conhecimento oficioso, com o que violou o princípio contido do artº 344º do Cód. Civil; 25) No circunstancialismo fáctico dado por pro-vado, a decisão de considerar...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT