Acórdão nº 44/06-1 de Tribunal da Relação de Évora, 06 de Abril de 2006 (caso NULL)
Magistrado Responsável | F. RIBEIRO CARDOSO |
Data da Resolução | 06 de Abril de 2006 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, precedendo audiência, os juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I1.
No âmbito do processo comum n.º …do Tribunal Judicial da Comarca de…, sob acusação do Ministério Público, a que aderiram os assistentes …foi submetido a julgamento o arguido …, com os sinais dos autos, sob imputação da prática, em autoria material e em concurso efectivo, de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137 n.º1 e 2 do Código Penal, e de uma contra-ordenação, prevista e punida pelo art. 81 n.º 1 e 5, alin. b) do Código da Estrada.
-
C.C. e sua mulher A.F.C., enquanto únicos herdeiros da falecida N.F.C deduziram pedido de indemnização cível contra … - Companhia de Seguros, SA, enquanto seguradora do veículo conduzido pelo arguido, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia global de € 267.825,38, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida dos respectivos juros de mora, à taxa legal.
-
O arguido não apresentou contestação.
-
Demandantes e demandada chegaram a acordo quanto à questão cível, que foi objecto de homologação judicial.
-
Efectuado o julgamento, o tribunal, por sentença datada de 28 de Junho de 2005, (v.fls.338 a 331), decidiu, no que ao caso interessa, absolver o arguido da prática de um crime de homicídio por negligência grosseira, p. e p. pelo art. 137.º, nº2 do Código Penal por que fora acusado, mas condenou-o, como autor material de um crime de homicídio negligente, p. e p. pelo art. 137º, n.º1 do mesmo diploma legal, na pena de 8 (oito) meses de prisão, que suspendeu na sua execução, pelo período de 2 (dois) anos. E condenou ainda o arguido pela prática de uma contra-ordenação prevista no artigo 81.º do Código da Estrada, na coima de € 400 e na sanção acessória de inibição de conduzir todo e qualquer veículo motorizado, pelo período de 5 (cinco) meses.
-
Inconformado com o decidido, recorreu o arguido, nos termos constantes de fls.357 a 378, extraindo da sua motivação as conclusões que a seguir se transcrevem: 1° - O arguido foi condenado como autor material de um crime de homicídio negligente, p. e p. pelo art.137°, n° l do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de 2 (dois) anos e pela prática de uma contra-ordenação prevista no art. 81° do Código da Estrada, na coima de € 400,00 e na sanção acessória de inibição de conduzir todo e qualquer veículo motorizado, pelo período de 5 (cinco) meses.
-
- Não foi considerado como provado o facto alegado pelo arguido de que a viatura em que seguia embateu numa pedra e capotou.
Do depoimento das demais testemunhas não resulta que se possa concluir em sentido diverso.
-
- Dos documentos (fotografias) juntos aos autos resulta existirem no local do acidente e na berma do lado esquerdo (onde o arguido circulou com a sua viatura) diversas pedras de grandes dimensões e que a viatura sinistrada está bastante amolgada na parte do tejadilho acima do assento ao lado do condutor: factos estes que indiciam ser verdade a versão apresentada pelo arguido.
-
- Pelo que, podendo o Tribunal da Relação conhecer da matéria de facto, cf. art. 431°, al. b) do C.P.P. deverá proceder-se à alteração da matéria de facto apurada na Primeira Instância e aditar aos factos considerados como provados os seguintes: - a viatura do arguido embateu numa pedra que se encontrava no local do acidente; - e que esse embate se deu no tejadilho da mesma viatura no lugar onde seguia a falecida N..
-
Foi considerado, na Sentença, como provado que a vítima N. circulava sem ter colocado o cinto de segurança.
-
Pelo que, se deverá concluir que o arguido não contribuiu de forma exclusiva para a produção do acidente nem para o resultado morte que lhe sobreveio.
-
- A obrigatoriedade de usar cinto de segurança (p. e p. no art. 82°, n° l do C.E.) na circulação automóvel tem como objectivo evitar a ocorrência de danos que, em último caso, podem ocasionar a morte: como foi o caso. Assim, se a vítima levasse o cinto de segurança ter-se-ia mantido no seu lugar e não teria a cabeça junto ao tejadilho, quando a viatura capotou e embateu na pedra (ou no solo).
-
- Neste caso, a conduta da vítima contribuiu para as lesões que provocaram a sua morte.
-
- Não é possível determinar com segurança um nexo de causalidade entre a conduta do arguido e a morte de N.
-
- Pelo que, deverá considerar-se que a Sentença recorrida violou o estatuído nos art. 410°, n° 2, al. a) e c) do C.P.P. e art. 137°. n° l do Código Penal, devendo o arguido ser absolvido do cometimento de um crime de homicídio negligente.
-
- Não se entendendo como aqui se conclui e - atendendo ao facto de ter sido dado como provado que o arguido "lamenta muito as consequências do acidente", "necessitou do apoio dos familiares e amigos para superar psicologicamente a morte da sua amiga N. C." e "ainda hoje sofre com o falecimento da amiga", que o arguido está socialmente inserido, é um condutor prudente e respeitador da regras, é trabalhador e - ainda - que a vítima seguia sem cinto de segurança e que, por isso, terá contribuído para o resultado morte, 13° - Deverão todas estas circunstâncias ser consideradas como atenuantes da pena a aplicar ao arguido e ser a Sentença ora recorrida ser substituída por outra na qual seja o arguido condenado em pena de prisão aplicada em limite substancialmente inferior e próximo de mínimo legal, sendo a sua aplicação suspensa por período nunca superior a um ano.
-
- Foi considerado na Sentença recorrida que o acidente não se deveu ao facto de o arguido conduzir sob o efeito de uma TAS de 0,54 g/l.
-
A coima prevista para este ilícito vai desde 240,00 € até 1200,00 €.
Assim, atendendo ao facto de o arguido conduzir sob o efeito de uma TAS não considerada crime e nos limites mínimos da previsão legal deverá a coima a aplicar situar-se nesses mesmos limites e não ser superior a 240,00 €.
-
- O arguido não praticou qualquer contra-ordenação (grave ou muito grave) nos últimos cinco anos, é um bom condutor e respeitador das regras de trânsito, é, ainda motorista de profissão, implicando para si o cumprimento da pena de inibição de conduzir a perda desse emprego.
-
- Assim, nos termos e para os efeitos do art. 142° do C.E. deverá a pena de inibição de conduzir em que foi condenado o arguido ser suspensa na sua execução.
Por outro lado e, a este propósito: 18° - Da acusação proferida nos autos constava: "Cometeu, assim, o arguido como autor material, na forma consumada, e em concurso real: - um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo art. 137°, n.º1 e 2 do Código Penal; - uma contra ordenação, prevista e punida pelo art. 81°, n°s 1 e 5. al. b." 19° - Ou seja, não é feita qualquer referência na acusação à punição prevista no art. 139° do Código da Estrada.
-
- Nos termos e para os efeitos do art. 50° do R.G.C.O.: "Não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre".
-
- Em igual sentido o Assento n.º1/2003, de 15 de Janeiro: "O art. 50° do regime geral das contra-ordenacões - sob pena de " ausência processual do arguido, constituindo a nulidade prevista no art. 119°. alínea c) do Código de Processo Penal" - que, antes da "decisão que aplica a coima" (art. 58º), a Administração assegure ao arguido - dando-lhe a conhecer os factos imputados, incluindo os que respeitam à verificação dos pressupostos da punição e a sua intensidade e ainda a qualquer circunstância relevante para a determinação da sanção aplicável".
-
- Ora, como se pode constatar pela Acusação e pela Sentença dos autos, não foi assegurado o direito de defesa do arguido, constitucionalmente garantido pelo art. 32º, nº 10 da Constituição da República, quanto à possibilidade de lhe ser aplicada a sanção constante do art.139° do Código da Estrada.
-
- Ou seja, foi o arguido surpreendido com o teor da Sentença proferida que excede os limites da Acusação proferida contra si, nos exactos termos do art.283°, n°3 do C.P.P..
-
- Segundo J. Canotilho e Vital Moreira in CRP Anotada, pág. 305: "a acusação (é) condição e limite do Julgamento" 25° - Como a acusação não previu a aplicação de sanção de inibição de conduzir p. e p. no art. 139° do C.E., não podia a sentença aplicar tal pena ao arguido, em violação do princípio do acusatório e do princípio do contraditório.
-
- Assim, violou a sentença recorrida o art. 32° da C.R.P. e o art. 379°, n.º1, al. c) do C.P.P., pois que o Tribunal se pronunciou sobre questões de que não podia tomar conhecimento, sendo a sentença nula nesta parte.
Em consequência, deverá o arguido ser absolvido da referida pena acessória de inibição de conduzir, com o que se fará JUSTIÇA.
-
-
O recurso foi admitido por despacho de 20 de Setembro de 2005 (v. fls.391).
-
Apenas o Ministério Público veio responder ao recurso e fê-lo pugnando pela improcedência do mesmo, com excepção do segmento que se reporta à condenação do arguido na sanção acessória de inibição de conduzir, pois, nessa parte, entende que a sentença é nula, nos termos e para o efeito do disposto no art. 379, alin. b) do CPP.
-
Subidos os autos a este Tribunal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto na vista que lhe foi dada emitiu o douto parecer de fls.400 a 404, entendendo que a sentença sofre do vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão, pois não consta da matéria de facto que a vítima do acidente que sofreu as lesões físicas descritas no ponto 9 dos "factos provados" faleceu por virtude desses ferimentos, afirmação que constava da acusação, vício que entende sanável uma vez que do processo consta o relatório de autópsia efectuado ao cadáver de N.C. que indubitavelmente demonstra que esta faleceu em consequência dos ferimentos sofridos no acidente. Entende também que o recurso não merece provimento, excepto quanto à medida da coima...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO