Acórdão nº 305/04-1 de Tribunal da Relação de Évora, 04 de Maio de 2004

Magistrado ResponsávelF. RIBEIRO CARDOSO
Data da Resolução04 de Maio de 2004
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo nº 305/04-1 Acordam, precedendo audiência, os juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1.

- No âmbito do processo comum …do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de ..., sob acusação do Ministério Público foram submetidos a julgamento os arguidos A.

, F.

e M., com os sinais dos autos, sendo ao primeiro imputada a prática, em autoria material, de um crime de homicídio por negligência grosseira, p. e p. pelo art. 137 n.º1 e 2 do C. Penal e aos dois últimos a prática de um crime de favorecimento pessoal, na forma tentada, p. e p. pelo art. 367 n.º 1 e 4, com referência aos art. 22 e 23 do mesmo diploma legal.

2.- A demandante I., arrogando-se de única e universal herdeira do falecido deduziu pedido de indemnização cível contra a COMPANHIA DE SEGUROS…, pedindo a condenação desta no pagamento das seguintes quantias: - 18.000.000$00 a título de compensação pelos danos não patrimoniais - nomeadamente pela perda do direito à vida - sofridos pelo falecido J.; - 2.333.250$00, a título de danos patrimoniais emergentes do falecimento; - 14.600.000$00, que terá de despender com uma pessoa que trate dela diariamente e até à idade em que poderá previsivelmente evitar ser internada num lar, ou então, a condenação da Seguradora a suportar os custos com uma pessoa naquelas condições, se entender que pode arranjar alguém por um preço mais baixo; - 8.000.000$00 a título de compensação por danos não patrimoniais sofridos devido à morte do seu marido; - quantia a liquidar em execução de sentença relativa aos dispêndios que teve de fazer para fazer valer os seus direitos, nomeadamente honorários de advogado.

(…) 5.- Efectuado o julgamento, o tribunal, por sentença proferida em 15 de Julho de 2003, decidiu: a) julgar a acusação improcedente, por não provada, e consequentemente absolveu os arguidos da autoria do crime por que vinham acusados; b) julgar o pedido de indemnização cível improcedente e, em consequência, absolver a Companhia de Seguros Tranquilidade, SA do pedido.

6.

- Inconformada, recorreu a demandante I, no que respeita apenas ao pedido cível… 12.- Na primeira instância foram dados como provados os seguintes factos: 1) O arguido A. é motorista de profissão, dispondo de habilitação legal para conduzir viaturas pesadas de mercadorias.

2) No decurso do ano de 1998, a sociedade…, realizava trabalhos nas obras de construção da Marina de ..., onde dispunha de um estaleiro, e desses trabalhos constava o transporte e colocação de pedras de grande porte no aterro em construção.

3) 0 arguido A. trabalhava na altura para a sociedade…, e o seu trabalho consistia em, como motorista, transportar as pedras em veículos pesados.

4) Na execução do seu trabalho, o arguido A. iniciava a condução, com a viatura ainda descarregada, através de caminhos em terra, com piso irregular situados nas imediações da Marina, entrando depois na Avenida V 3, por onde continuava o seu percurso até ao local de carregamento e, depois efectuava o percurso inverso, agora já carregado.

5) A viatura pesada de mercadorias habitualmente conduzida pelo arguido A. (de matrícula…), havia sido adquirida pela sociedade … num concessionário ..., mas a carroçaria foi construída posteriormente pela C..

6) A sociedade …, substituiu o sistema de fecho do taipal da retaguarda bem como o taipal que era constituído por duas folhas de iguais dimensões com abertura ao meio, de baixo para cima.

7) Assim foi colocado um taipal traseiro composto de uma única folha, com abertura lateral da esquerda para a direita.

8) A sua abertura passou a ser feita através de três dobradiças metálicas soldadas ao taipal do lado direito.

9) No taipal do lado esquerdo, junto ao ângulo com o taipal da retaguarda, foram soldadas duas pontas, tipo pitões, com um furo em cada uma.

10) No taipal traseiro, do lado esquerdo, foram colocadas e soldadas duas dobradiças, em ângulo, dispondo cada uma das dobradiças, de uma das articulações alongada e livre, cada uma com um orifício na extremidade, que encaixam nos referidos pitões colocados no taipal do lado esquerdo, servindo de trinco ao taipal da retaguarda.

11) Para segurança do sistema de fecho, é colocada uma vareta de ferro, a qual é introduzida nos orifícios existentes nos pitões, travando o trinco e evitando a abertura das dobradiças.

12) Este sistema não é menos seguro do que o primitivo.

13) Competia aos motoristas das viaturas pesadas da sociedade…, zelar pela conservação da viatura que lhes era atribuída e detectar algum defeito ou avaria.

14) Esta sociedade dispunha de uma oficina no estaleiro para proceder à reparação de avarias nas suas viaturas, inclusive as pesadas.

15) Competia aos motoristas das viaturas pesadas zelar pelo bom estado das varetas que travavam o trinco dos taipais traseiros.

16) Estas varetas sofriam grandes desgastes e eram periodicamente substituídas e sofriam empenos que eram reparados quer pelos motoristas quer pelo serralheiro do estaleiro.

17) Em 1 de Dezembro de 1998, entre as 08,00 e as 10,00 horas, a viatura conduzida pelo arguido A. foi sujeita a reparação de avaria no seu sistema eléctrico.

18) Neste mesmo dia entre as 16h20m e as 16h25m, o arguido A. procedeu ao desempeno da vareta referida em (15) e foi a mesma colocada no seu sítio com a ajuda do serralheiro M., co-arguido nestes autos.

19) Seguidamente, e antes das 17h o arguido saiu do estaleiro com a sua viatura em direcção ao local de carga das pedras destinadas ao aterro da Marina 20) Terminado o caminho de terra, a viatura conduzida pelo arguido A. entrou na Av. V3 pela Rotunda situada junto ao Club P. R., tomando o sentido Nascente/Poente.

21) Nesta mesma Avenida, alguns metros à frente, e naquele momento, seguiam, pelo seu pé e de braço dado, J. e, à sua direita a esposa I, caminhando no mesmo sentido e pelo passeio situado no lado direito da via, atento sentido Nascente/Poente.

22) 0 taipal traseiro da viatura conduzida pelo arguido A., quando a mesma passava no local por onde caminhava J. e sua esposa, abriu-se para o lado direito em toda a sua extensão.

23) Foi então que o referido taipal embateu na vítima J. atingindo-o na cabeça derrubando-o.

24) 0 arguido A. na altura não se apercebeu da abertura do taipal nem do acidente e, só mais à frente é que, quando aquele bateu num sinal de trânsito dobrando-o, e ao ouvir o impacto se apercebeu da situação imobilizando a viatura.

25) Como causa directa da pancada sofrida J. sofreu laceração arqueada ocupando toda a metade posterior direita da calote craniana, com exposição da calote e fracturas, infiltração do couro cabeludo parito-occipital direito com fracturas da calote e base cranianas, lesões estas que determinaram a sua morte.

26) 0 arguido F. é funcionário da sociedade.., e era o responsável técnico das oficinas de manutenção desta sociedade no estaleiro instalado na Marina de ... .

27) 0 arguido M. é funcionário da sociedade…, desempenhando as funções de serralheiro no estaleiro da sociedade na Marina de ... .

28) 0 arguido M. preencheu a folha de mão-de-obra de fls. 143 ), que refere a colocação da vareta (berguinha).

29) 0 arguido F., pese embora o pouco tempo despendido na colocação da vareta ( 5 min.) mandou elaborar a folha de mão-de-obra.

30) Normalmente preenchiam mais tarde uma folha de mão-de-obra nela fazendo constar o total de minutos gastos em vários trabalhos de curta duração.

31) Os arguidos, à excepção de M., não registam antecedentes criminais.

32) 0 arguido A. tem 2 filhos menores e recebe um subsídio de desemprego no valor de 147€.

33) 0 arguido F. tem um filho menor e aufere um vencimento mensal de 1300€.

34) 0 arguido M. tem um filho menor e aufere o vencimento mensal de 634€.

35) A vítima J. era reformada; era uma pessoa alegre.

36) A vítima J. tinha uma pensão de reforma de 43.552, FB.

37) A esposa da vítima é reformada e tem problemas da coluna.

38) I. era muito dependente da vítima seu marido que era muito dinâmico.

39) I. sofreu um profundo desgosto e sofrimento e continua a sofrer com a perda de seu marido.

40) I. teve de contratar uma senhora para a auxiliar pagando-lhe 800$00 à hora e que trabalhava 8 horas por dia de 2.ª a 6.ª feira.

41) Esta empregada desempenhou tais funções durante 4 anos.

42) Em flores e serviço religioso a demandante gastou 56.000$00.

43) Pelo funeral da vítima seu marido a demandante pagou esc. 205.000$00.

44) Pelo arranjo da sepultura da vítima seu marido a demandante pagou esc.42.000$00.

45) A demandante tinha, juntamente com a vítima seu marido, uma vida desafogada.

46) A responsabilidade civil, por danos causados a terceiros pela viatura (…),conduzida pelo arguido, estava à data transferido para a Seguradora … através da apólice n.º 47) 0 arguido A. conduzia a viatura envolvida no acidente, no interesse do seu proprietário….

(…) No nosso direito positivo, a questão da indemnização a fixar pela prática de um crime consiste no sistema da adesão obrigatória da acção civil à acção penal, com algumas excepções expressas na lei (artigos 71.º e 72.º do Código Penal).

Em face do artigo 377.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, verifica-se a autonomia entre a responsabilidade civil e a responsabilidade criminal, mas isso não impede que, mesmo no caso de absolvição da responsabilidade criminal, o tribunal conheça da responsabilidade civil, mas que tem necessariamente a mesma causa de pedir, ou seja, os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal.

Esta responsabilidade civil, que poderá exclusivamente ser apreciada em processo penal (se o pedido for aí deduzido), refere-se tão-somente àquela que emerge da violação do direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, com dolo ou mera culpa e da qual resultem danos, ficando, portanto, excluída a responsabilidade contratual (artigo 483.º do Código Civil).

Como se exarou no assento n.º 7/99 do STJ, de 17.6.99, «Se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo...

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