Acórdão nº 2584/03-3 de Tribunal da Relação de Évora, 16 de Dezembro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelCHAMBEL MOURISCO
Data da Resolução16 de Dezembro de 2003
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo nº 2584/03-3 Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: A. ...., intentou acção declarativa de condenação com processo comum contra B. ..., pretendendo na sequência do seu despedimento que considera ilícito, obter a reintegração no seu posto de trabalho e a condenação da Ré no pagamento de todas as prestações pecuniárias vencidas e vincendas até ao trânsito em julgado da sentença e na quantia de esc. 2.500.000$00 por danos não patrimoniais.

A Ré contestou afirmando que o comportamento do autor, apurado em processo disciplinar, configura gravíssimas infracções que geraram um clima de desconfiança e de insegurança que tornam insustentável o vínculo laboral, razão pela qual deverão improceder os pedidos formulados pelo autor.

Procedeu-se a julgamento tendo sido proferida sentença que decidiu julgar a acção improcedente e em consequência absolveu a Ré dos pedidos formulados pelo Autor.

Inconformado com a sentença, o Autor apresentou recurso de apelação tendo concluído: 1. O douto tribunal a quo interpretou e julgou criteriosamente e bem praticamente toda a matéria de facto submetida a julgamento; 2. No entanto, inverteu o ónus da prova relativamente ao único facto que serviu de base à decisão que julgou improcedente a acção e absolveu a R. do pedido - depósitos fictícios; 3. E, julgou mal quando entendeu que esses depósitos fictícios seriam uma forma do recorrente "esconder" os saques a descoberto; 4. Da matéria dada como provada, resulta que a então Ré permitia e usava de uma política de saques a descoberto, o que fazia como forma de angariação e fidelização de clientes; 5. Assim, quando clientes que merecessem a confiança do Banco não dispusessem da liquidez necessária nas suas contas de D.O., era-lhes facilitado o levantamento de dinheiro ou o pagamento de cheques ou despesas; 6. Tal operação, na sua génese mais não é do que um processo de crédito ( facto incorrectamente apreciado pelo tribunal), onde a vantagem para o cliente reside na rapidez e facilidade, ao passo que o Banco angaria novos clientes e fideliza os antigos; 7. Como não pode deixar de ser, o Banco com esta sua política assume o risco da confiança e o prejuízo do não recebimento de juros; 8. Andou mal o douto Tribunal de 1ª Instância quando entendeu que os depósitos fictícios tinham como objectivo da parte do recorrente "esconder" a existência de saques a descoberto, quando é evidente que este não tiraria daí qualquer vantagem, até porque os saques a descoberto eram permitidos - vide matéria provada; 9. E andou mal o tribunal a quo quando, invertendo o ónus da prova estabelecido no n.° 4 do art. 12° do Dec. Lei n.° 64-A/89, de 27/02, refere na sentença - pág. 21 in fine - que "em nenhum momento o autor alegou que tinha autorização para efectuar os depósitos fictícios"; 10. Se é verdade que o A. não alegou a sua legitimidade para efectuar os depósitos fictícios, também não deixa de ser verdade o facto de não constar da matéria de facto provada que o A. a não tivesse; 11. Por outro lado, não poderiam nunca os depósitos fictícios ser dissociados dos saques a descoberto - esses sim provados como admitidos e consentidos pela então R.; 12. Na verdade os depósitos fictícios destinavam-se a servir de suporte material aos ditos e consentidos saques a descoberto; 13. A forma encontrada pelo recorrente, e demais funcionários da recorrida com competência para tanto, de possibilitarem a saída de dinheiro quando a conta o não permitia era efectuando um depósito em numerário (fictício), o que levava a que a conta ficasse em termos contabilísticos com saldo suficiente, e posteriormente era levantado o dinheiro; 14. Para controlar esses montantes que eram levantados (saques a descoberto) eram colocados no "caixa" os talões de depósito efectuados pelo próprio funcionário da instituição; 15. Aliás é bem de ver que se o objectivo era esconder alguma operação não consentida nunca seriam os talões colocados no local que por excelência é vistoriado periodicamente. É evidente! 16. Assim, os vícios na decisão são de 3 ordens: a. má interpretação das normas de direito, onde o ónus da prova foi invertido quando o tribunal entendeu que deveria ter sido o A. a alegar e provar que tinha autorização para proceder a depósitos fictícios - n.° 4 do art. 12° do Dec. Lei n.° 64-A/89, de 27/02; b. má interpretação da matéria de facto, quando não enquadrou os depósitos fictícios como o meio de conseguir os levantamentos a descoberto consentidos pela política comercial da R.; c. contradição entre a matéria de facto provada e a decisão, pois que se está provado que os saques a descoberto eram consentidos e do conhecimento da Direcção da R., se aquilo que foi efectuado pelo A. era aceite como bom, a decisão teria de lhe ser sempre favorável, julgando-se o despedimento como ilícito; 17. Mais, verificando aquilo que era imputado ao recorrente em sede de nota de culpa, e contrapondo com a matéria provada, facilmente se afere em como tudo aquilo em que a recorrida assenta a perda de confiança não procedeu, pelo contrário, nomeadamente ficou provado: a. que os saques a descoberto eram permitidos e faziam parte de uma política comercial da empresa; b. que, relativamente ao empréstimo à ..., Lda, os factos passaram-se tal como o referiu o recorrente e contrariamente à versão da recorrida; c. que factos anteriores ao ano de 2000 estariam prescritos, não sendo assim analisados; d. que eram efectuadas periodicamente contagens de "caixa", pelo que não faria sentido o A. colocar a "prova do crime" - talões de depósito - exactamente no local que era seguramente mais tarde ou mais cedo inspeccionado.

18. Assim, a conclusão lógica seria sempre a de considerar o despedimento como ilícito por não verificação da justa causa.

Termina pedindo a substituição da decisão proferia pelo Tribunal de 1ª Instância por uma outra que dê provimento à impugnação do despedimento, sendo em consequência o recorrente reintegrado no seu posto de trabalho, com todas as devidas e legais consequências.

A Ré contra-alegou, tendo concluído: 1. O recorrente não estava autorizado a permitir saques a descoberto, muito menos saques sucessivos a descoberto por períodos de um ano, como fez.

2. A Direcção da recorrida "fechava os olhos" aos responsáveis de balcão que permitissem saques a descoberto, mas por curto prazo, situação na qual não se enquadrava a actuação do recorrente, que para tal foi chamado à atenção.

3. O recorrente criou talões de depósitos, depósitos que eram fictícios por não lhes corresponder a efectiva entrega de dinheiro pelos clientes, forjando os saldos da instituição recorrida.

4. O recorrente fez em algumas contas de clientes da recorrida depósitos fictícios.

5. Os saques a descoberto não implicam que o sistema informático tenha que ser "contornado" com a criação dos talões e com os depósitos fictícios.

6. Os depósitos fictícios não existem, nem na lei, nem nos usos bancários, nem na prática da recorrida.

7. Tal imputação como prática da recorrida, sem qualquer fundamento de facto, é grave e surrealista, já que a recorrida, que é fiscalizada por entidades de supervisão, para manter e fidelizar clientes, promoveria uma actividade ilícita e ruinosa.

8. O Tribunal a quo não inverteu qualquer ónus de prova, o recorrente nunca poderia estar autorizado por práticas inexistentes na recorrida.

...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT