Acórdão nº 1007/03-2 de Tribunal da Relação de Évora, 27 de Novembro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelBERNARDO DOMINGOS
Data da Resolução27 de Novembro de 2003
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam em Conferência os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:Tribunal Judicial da Comarca de Santarém- proc. n.º 363/00- 2º Juízo Cível A.... , recorrido nestes autos, intentou na comarca de S... a presente acção declarativa com processo ordinário contra R....

pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 3.122.184$00, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.

Como fundamento alegou que acordaram entre si comprar uma fracção imobiliária sita em S.... e pagar em comum e partes iguais o preço respectivo, à sociedade vendedora, tendo a escritura pública de compra e venda sido celebrada em 27.11.1990. Ao outorgar o contrato-promessa pagou, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 1.000.000$00 e no acto da escritura pagou ainda a quantia de 500.000$00. O remanescente do preço (5.000.000$00) foi pago com recurso a um contrato de mútuo que ambas as partes outorgaram com entidade bancária, ficando ambos, solidariamente, responsáveis pelo pagamento das respectivas prestações mensais. Porém a R. nunca pagou metade do valor de 1.500.000$00 e só em janeiro do ano 2000 é que a mesma pagou, pela primeira vez, a metade que lhe compete (16.500$00) da prestação devida pelo referido mútuo, tendo ele suportado até então o pagamento das referidas prestações no valor global de 4.744.368$00.

Citada, a R. contestou, alegando que desde 1989 até Agosto/Setembro de 1999 manteve com o A. uma relação marital, tendo até nascido dessa união de facto um filho. Após a aquisição do imóvel referido pelo A. foram para aí viver com os respectivos filhos e suportavam juntos os inerentes encargos e despesas da família que constituíam. Não acordaram pagar em comum e partes iguais o preço da citada fracção e os 1.500.000$00 referidos pelo A. eram fruto das poupanças realizadas por ambos e da venda de um veículo de sua propriedade, tendo ainda comprado, com dinheiro seu, grande parte do recheio da casa, para além de que o A. nunca pagou qualquer renda da casa onde anteriormente viveram nem contribuiu para as despesa correntes. Durante o período em que viveram juntos sempre houve uma compensação recíproca e imediata dos gastos por ambos efectuados, tendo o A. beneficiado dos seus serviços domésticos, para além de ter ela suportado muitas das despesas da casa.

Saneado o processo e seleccionada a matéria de facto assente e controvertida, procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença na qual se julgou a acção parcialmente procedente e a R. condenada a pagar ao A. a quantia de a quantia de € 10.474,76 (dez mil, quatrocentos e setenta e quatro euros e setenta e seis cêntimos), acrescida de juros à taxa de 7% ao ano desde a citação até integral pagamento.

Inconformados com esta decisão interpuseram a R. e o A., aquele subordinadamente, recursos de apelação, tendo apresentado as respectivas alegações.

Apenas o A. contra alegou, no recurso da Ré.

*Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Formulou a apelante, nas alegações do recurso principal, as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o seu objecto [1] e, consequentemente; o âmbito do conhecimento deste tribunal [2] : «1. O enriquecimento sem causa, a existir, é indubitavelmente do A., ora recorrido.

  1. Na situação em apreço, o que se verificou foi inequivocamente uma superior contribuição da R. para os encargos da vida familiar, isto quer em termos meramente económicos, quer em termos do trabalho doméstico por esta desenvolvido e de que o A. beneficiou.

  2. A sentença recorrida a ser aplicada conduziria à situação do A. ser ressarcido de praticamente todas as importâncias despendidas na amortização do crédito hipotecário, ficando a R., desembolsada de tal quantia e prejudicada na medida de toda a sua contribuição, quer em termos económicos, quer mesmo em termos de trabalho doméstico, para a economia familiar.

  3. Ainda segundo a sentença recorrida, todo o esforço desenvolvido pela R. ao longo de 10 anos em prol da referida economia familiar e do bem estar de todo o agregado, é valorizado em menos de 500.000$00.

  4. Esta posição é inaceitável à luz do instituto do enriquecimento sem causa.

  5. Pois sob o pretexto de não beneficiar a R., acaba por a prejudicar, valorizando a sua contribuição para a economia doméstica numa medida ridícula, por tão diminuta.

  6. Pelo exposto, resulta que o instituto do enriquecimento sem causa, nomeadamente o disposto no art.' 479° do Código Civil, foi indevidamente aplicado no caso em apreço.

  7. Pois conduz ao enriquecimento do A., à custa do empobrecimento da R.

  8. A douta sentença recorrida faz operar uma compensação, que a R nunca pretendeu, optando por condenar a R. em quantia inferior à peticionada.

  9. Quantia esta, no montante de 1.022.184$00, que não explica como encontrou.

  10. Ora, a verdade é que, a compensação entre as despesas suportadas por A. e R. ao longo dos dez anos de vivência em economia comum, foi indubitavelmente uma compensação reciproca e imediata dos gastos por ambos efectuados.

  11. Tratava-se assim, de uma compensação diária, assente num acordo tácito de pagamento das despesas globais do agregado familiar, como atesta o facto de só após ter terminado a relação de união de facto entre ambos, o A. ter vindo levantar esta questão.

  12. Ao longo dos 10 anos de vida em comum nunca o A. se sentiu credor da R., como esta nunca se sentiu credora dele.

  13. O contributo que ambos diariamente davam à família de que faziam parte era prestado livremente, sem reservas, no cumprimento daquilo que ambos achavam ser o seu dever, uma sua obrigação natural, na medida das necessidades que quer um quer outro, quer os filhos sentiam.

  14. Se n relação entre os dois perdurasse enquanto fossem vivos, nunca nenhum deles viria reclamar do outro o que quer que fosse.

  15. A sentença recorrida dá errada e injustificadamente cobertura à atitude do A., no entanto, porque a simples procedência integral do pedido é demasiado revoltante, inflecte a sua tendência e no fim, numa decisão salomónica, atribui à R. uma espécie de compensação.

  16. Não pode a R. ser prejudicada pelo facto de, no âmbito de todas as despesas mensais do agregado familiar, lhe ter cabido suportar as despesas de que normalmente não se conservam os comprovativos.

  17. Em síntese, não pode a sentença recorrida legitimar um comportamento que, ou é motivado pelo desejo de vingança após o fim da relação, ou mais grave ainda, resulta de uma atitude de reserva mental, de má fé que o A. manteve ao longo de 10 anos.

  18. Como resulta das regras da experiência e do que se deixou exposto, é hoje impossível à R. quantificar em termos meramente económicos o seu contributo para a vida quotidiana da economia conjunta em que ambos (A. e R.) viviam.

  19. Pelo que, nunca poderia vir opor ao A. qualquer tipo de compensação, para além daquela que diária, semanal, mensal e anualmente entre ambos operava.

  20. Assim, também não pode agora a sentença recorrida contabilizar de modo absolutamente arbitrário, os diferentes contributos, em quantidade e em espécie que os elementos de uma economia comum...

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