Acórdão nº 5119/2004-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 08 de Junho de 2004
Magistrado Responsável | PULIDO GARCIA |
Data da Resolução | 08 de Junho de 2004 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam, em conferência, na secção criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa: Nos autos de Processo Comum-Colectivo nº.181/02 (NUIPC 15/98. 7 ACLSB), da 1ª Secção da 6ª VARA CRIMINAL de Lisboa, por acórdão de 27-6-2003 (de fls. 540-553), no que agora interessa, foi decidido (transcreve-se): «[...] - julgar procedente nos termos sobreditos a acusação deduzida nos autos e, consequentemente, -- condenar ambos os arguidos pela prática, em concurso real, de 2 (dois) crimes de fraude na obtenção de subsídio, na forma tentada, p. e p. pelo art.36º, nºs.1, alíneas a) e c), e 8, alíneas a) e b), do Dec.Lei.nº.28/84, de 20 de Janeiro, com referência aos arts.2º, nº.1, 3º, 4º e 21º do mesmo diploma e aos arts.22º, 23º, nºs.1 e 2, e 73º, nº.1, alíneas a), b) e c), do Cod.Penal, nas seguintes penas: - o arguido (A)- de 1 (um) ano de prisão e 30 (trinta) dias de multa à razão de Eur.7,50 (sete euros e cinquenta cêntimos) por dia, por cada um dos crimes e, em cúmulo, na pena única de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão e 45 (quarenta e cinco) dias de multa à razão de Eur.7,50 (sete euros e cinquenta cêntimos) por dia, sendo a prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos; - a arguida "Cruzeiro Agrícola, Lda." - de 35 (trinta e cinco) dias de multa à razão de Eur.10,00 (dez) euros por dia, por cada um dos crimes e, em cúmulo, na pena única de 55 (cinquenta e cinco) dias de multa à razão de Eur.10,00 (dez euros) diários; [...]» Por não se conformar com o decidido interpôs recurso apenas o arguido (A), sendo a respectiva motivação rematada com as seguintes, e muito longas, conclusões (cfr. fls.556-568; transcrevem-se): «1ª O arguido foi condenado pela prática de 2 crimes, punidos nos termos do art. 36º, nºs 1 a) e c) e 8 do DL 28/84, de 20/1.
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O arguido não preenche o tipo legal do art. 36º do DL28/84.
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O tipo legal de fraude na obtenção de subsídio não se mostra preenchido pelo arguido, uma vez que os montantes que estão em causa nos autos, não assumem a forma de subsídio ou subvenção.
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O termo técnico que designa as quantias em causa nos autos é a de restituições à exportação, instituídas pela Comunidade Europeia e que se destinam a estimular a exportação para países externos à Comunidade, pelos produtores comunitários de produtos nos quais a Comunidade se mostra largamente excedentária, como é o caso do vinho.
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A decisão imputa ao arguido a prática de crimes contra a economia nacional, por fraude na obtenção de subsídios. Os montantes em causa nos autos, são restituições à exportação e são provenientes de fundos comunitários, não sendo originários de cofres do Estado português.
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Assim, o arguido não preenche o tipo legal de crime contra a economia nacional, tal como é definido pelo DL 28/84, de 20/1 (veja-se o respectivo preâmbulo), pois os fundos recebidos são comunitários e as restituições são atribuídas em função das exportações realizadas para um país terceiro. Não envolvem o mercado nacional. Não há uma conduta do arguido que vise subverter as regras de funcionamento do mercado nacional, nem defraudar os cofres nacionais.
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Os interesses que o DL 28/84 visa defender, e em especial a norma contida no art 36ª do mesmo, não foram atingidos pelo arguido, uma vez que as exportações foram para o mercado guineense e cabo-verdiano e não influíram no mercado português E as aludas financeiras a receber pela arguida eram provenientes de recursos comunitários e não nacionais, 8ª Não se mostra por isso preenchido o conceito de subsídio ou subvenção, nem se mostra preenchido o tipo legal do art. 36º do DL28/84.
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A infracção imputada ao arguido ter-se-á preenchido através da entrega às autoridades em causa, (Alfândegas e Instituto da Vinha e do Vinho), de declarações onde constariam falsas declarações, visando a obtenção das restituições à exportação.
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As declarações (documentos) em causa são declarações aduaneiras, designadas como DU's, ou seja Documento Único Aduaneiro.
O DU é o documento necessário apresentar às autoridades aduaneiras, quando se pretende realizar uma exportação ou importação.
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São feitos constar nos DU's os códigos pautais das mercadorias a exportar, para efeitos de identificação da mercadoria na exportação ou importação e respectivo apuramento de valor de direitos aduaneiros (impostos) a pagar.
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Segundo o acórdão recorrido o código pautal que os arguidos fizeram constar nas ditas declarações aduaneiras não estavam correctos com a exacta identificação da mercadoria.
Ou seja, os arguidos declararam que estavam a exportar uma mercadoria com determinadas características, daí um determinado código pautal, mas os exames posteriores às amostras vieram a apurar que a mercadoria tinha características diferentes e que por isso estaria abrangida por outro código pautal.
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[sic] Conforme se descreve no acórdão recorrido, as diferenças constataram-se no teor alcoólico que era inferior ao declarado e no valor de anidrido sulfuroso e acidez do vinho que eram ligeiramente diferentes do código pautal declarado.
Essas diferenças no vinho, entre os códigos pautais declarados e aqueles apurados pelos exames, influíam ligeiramente no valor de restituições à exportação a atribuir aos arguidos. Num caso era ligeiramente inferior e noutro caso não haveria lugar à restituição.
Em todo o caso, o valor em causa era de 593.000$00 (quinhentos e noventa e três mil escudos) 13ª Ora, o que aqui está em causa é o errado preenchimento de declarações aduaneiras (os DU's), através de código pautal não exacto. O código pautal que deveria ter sido inscrito era um, cuja mercadoria possuía determinadas características e o que foi inscrito foi outro, com características ligeiramente diferentes que influíam no valor de restituição à exportação no valor referido.
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Esta tarefa de preenchimento dos documentos aduaneiros, não era executada pelo arguido, mas por um ajudante de despachante que trabalhava para a arguida, o (P), que possuía os conhecimentos necessários para o fazer.
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Aquilo que se passou no caso dos autos foi esse errado preenchimento de declarações aduaneiras que influiriam nas restituições a receber.
Ora, o que esta em causa é uma infracção aduaneira de natureza contra-ordenacional ou eventualmente criminal, punida nos termos dos arts. 35º e 38º do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Aduaneiras (DL 376-A/89, de 25/10).
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O preenchimento destas infracções ocorre quando o operador económico, declarante na documentação aduaneira, que é um exportador ou importador, preenche a documentação aduaneira, fazendo nela constar elementos que não são exactos, de forma dolosa ou negligente.
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Preenche dessa forma as imputações dos arts 35º e 38º do citado RJIFA, que em razão de especialidade seria aplicável aos autos. Em razão de especialidade porque o que esta em causa é o errado preenchimento de declarações aduaneiras: Dado que não foi proferido despacho de alteração da qualificação jurídica dos factos por que os arguidos vieram acusados e tendo a acusação sido proferida na forma consumada, deveria ter sido julgada como não provada, ocorrendo por isso nulidade do acórdão.
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[sic] O arguido recorrente foi condenado na forma dolosa.
Ora, o dolo não se presume. Tem de ser provado.
Não se fez prova da existência do dolo de praticar a infracção.
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Os elementos que serviram de base ao preenchimento dos documentos aduaneiros foram o resultado de análises feitas a colheitas de vinho, anteriores ao preenchimento de tais declarações.
Não se fez prova de que o resultado das análises foi forjado ou que os boletim das mesmas eram falsos.
Apenas se concluiu que o vinho que foi analisado após a exportação tinha características diferentes das descritas pelas análises feitas antes da exportação.
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Estes elementos poderiam indiciar a prática das infracções a título de negligência: ou por engano ou troca na entrega dos boletins ou por mau manuseamento do vinho ou por deficiência das análises feitas pelo arguido antes da exportação.
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Não poderia a decisão recorrida julgar que os factos descritos na acusação ocorreram porque o arguido a tal concorreu, de forma dolosa.
Não há elementos nos factos provados que permitam julgar pela prática dos factos na forma dolosa.
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Quando muito a título negligente, por preterição de um dever de rigor e cuidado no preenchimento das declarações aduaneiras e demais necessárias à exportação e processamento das restituições a exportação. Ou uma violação do dever de cuidado no rigor das análises feitas ao vinho.
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Ocorreu erro notório na apreciação da prova, art. 410º. 2 c), pelo Tribunal a quo, quando julgou pela condenação dos arguidos na forma dolosa, quando os elementos constantes dos autos levariam no limite à condenação na forma negligente, por ter havido pelo arguido a preterição de um dever de cuidado no referente às declarações aduaneiras e às análises realizadas ao vinho.
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O arguido defendeu-se nos autos argumentando que as diferenças constatadas quanto às características do vinho em relação ao código pautal declarado pelos arguidos nos DU's e em relação ao resultado das análises posteriores às exportações derivaram de mau acondicionamento do vinho armazenado durante período entre 3 a 4 meses para análise, em jerricans de plástico de 5 litros, com rolha de rosca plástica.
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As alterações verificadas no vinho tinto (arts. 10º a 18º da matéria provada do acórdão), deveram-se às deficiências de armazenamento e embalagem do vinho, verificado num período de 3 ou 4 meses, pelo que o vinho sofreu alterações (diminuições) nas suas características relativas ao teor alcoólico e acidez total em 29ª Há prova documental nos autos em como o vinho em causa esteve embalado em depósitos/jerricans de 5 litros, de plástico, com rolha de rosca plástica, o que propicia a perda dos níveis de teor alcoólico e acidez total.
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A armazenagem em condições não próprias para a manutenção das condições do vinho, verificada durante aquele período, justifica plenamente a diminuição do teor alcoólico e da acidez...
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