Acórdão nº 1107/2004-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 03 de Junho de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelFÁTIMA GALANTE
Data da Resolução03 de Junho de 2004
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I - RELATÓRIO A intentou, na 16ª Vara Cível de Lisboa, acção ordinária contra B e C, pedindo a condenação das Rés no pagamento de indemnização a título de reparação dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo A.

Juntou documentos, designadamente cassete áudio de conversa com M. e cassete video para prova dos factos alegados nos arts. 177º a 188 da petição.

A fls. 477 e segs., veio a Ré B opor-se, além do mais, à junção do documento constituído pela cassete de vídeo, contendo gravações efectuadas no interior da que foi casa de morada de família do autor e da R. B, alegando que não consentira nem consente na utilização de quaisquer gravações ou filmagens da sua pessoa.

Trata-se de gravação ilícita. A gravação foi manipulada pelo autor ou alguém a seu mando.

Notificado o Autor, pronunciou-se nos termos constantes de fls. 498 e segs., referindo que a cassete vídeo recolheu imagens obtidas através do sistema de segurança da casa do autor, de que a Ré tinha conhecimento e corresponde ao excerto das imagens necessárias para prova articulado nos artigos 177 a 188 da petição.

A fls. 525 veio também a Ré opor-se à junção da cassete áudio, contendo as gravações das declarações que fez a uma jornalista, cuja utilização também não consente. Trata-se de gravação ilícita.

A fls. 622 e segs. foi proferida decisão no sentido de admitir a junção aos autos dos documentos em causas, assim indeferindo o pedido de rejeição apresentado pela Ré.

Inconformada, a Ré agravou da decisão proferida, tendo formulado as seguintes conclusões: 1.

A manutenção nos autos dos documentos em causa como meios de prova nos termos em que foram admitidos é susceptível de prejudicar o direito à imagem e à reserva da vida privada de terceiros, e da própria 1ª R., e de enraizar junto do tribunal a ideia errada, e oportunamente impugnada, de que a cassete áudio contém gravação feita a pedido da R. com determinado objectivo, ideia essa que vem já reproduzida no despacho de que ora se recorre; uma e outra circunstâncias são susceptíveis de acarretar prejuízos irreparáveis a todos os envolvidos, atenta a natureza dos bens jurídicos em jogo e dos interesses postos em causa.

  1. Quanto à cassete de vídeo, a circunstância invocada no despacho recorrido de a Agravante ter conhecido e consentido na existência de um sistema de vídeo vigilância, por exclusivos motivos de segurança, como o próprio Autor confessa no artigo 188º da p.i., no interior da que foi a casa da família que formava com o Autor, não legitima a utilização e divulgação das imagens alegadamente assim colhidas da intimidade da sua vida privada e domiciliar contra a sua vontade expressa, e para fins diversos do único consentido, designadamente o fim confesso de ofender a sua integridade moral e de revelar a intimidade da sua vida privada e domiciliar, como expressamente resulta do alegado nos artigos 175 a 188 inclusive da petição inicial da acção.

  2. Tal utilização constitui infracção penal, por integrar o crime de gravações Ilícitas, previsto e punido no art. 199° n° 2 alínea b) do Código Penal.

  3. A lei processual civil - cfr. art. 519° n° 3 do CPC- e a Lei Fundamental, na norma do seu art. 32° n° 8, excluem a admissibilidade de meios de prova cuja produção envolva a violação de certos bens jurídicos, sendo unânimes em incluir entre tais bens e lesões a intromissão abusiva na vida privada e no domicílio, bem como a integridade moral das pessoas.

  4. Da conjugação do disposto nas normas dos arts. 511° n° 1 e 543° n° 1 do CPC, face à posição expressa pela 1ª R., cumpria ao Mmo Juiz recorrido apreciar da pertinência e da necessidade do meio de prova na perspectiva de se tratar, ou não, de matéria de facto controvertida com relevo para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.

    6.

    A sua admissão nos autos, contra vontade expressa oportunamente manifestada da Agravante, integra violação das normas dos arts. 511°, 519° e 543° do CPC, 32° n° 8 da Constituição da República Portuguesa e 199° n° 2 alínea b) do Código Penal.

  5. Quanto à cassete áudio, o Tribunal a quo alicerça a decisão de indeferir o pedido de rejeição desta prova em fundamentos de facto não verdadeiros ou amplamente deturpados.

  6. O Mmo Juiz a quo dá por assentes factos no mínimo controvertidos, e que a Agravante expressamente impugnou e apodou de falsos, sobre os quais não recaiu prova, e que invoca como fundamentos factuais da decisão de que se decorre.

  7. Factos esses, naturalmente não atendíveis nesses termos, o que torna a decisão tomada com base neles nula, por falta absoluta de fundamentação factual, nos termos do disposto nos arts. 668° n° 1 alínea b) e 666° n° 3 do CPC.

  8. A Agravante reitera a sua alegação expressa de que as palavras por si proferidas e dirigidas a Margarida constantes da gravação em causa não eram destinadas ao público, e que não consentiu na gravação com esse fim, nem consente que a mesma seja utilizada nos termos e para os efeitos em que o Autor dela pretende agora servir-se; mantém que se trata de utilização de uma gravação ilícita, criminalmente prevista e punida no art. 199º do Código Penal, com a intenção de violar a sua integridade moral.

  9. E, como tal, não deve também ser admitida como meio de prova legal, dando-se aqui por reproduzidas as considerações atrás expendidas nesta matéria a propósito da cassete de vídeo.

  10. Enquanto relativamente à cassete áudio o Mmo Juiz a quo teve a preocupação de afastar a ilicitude penal da sua utilização com os fundamentos - ainda que falsos - de a mesma ter sido gravada a pedido da R., para certo fim conhecido e consentido, destinado ao público, já no que toca à cassete vídeo não valorou a circunstância de a gravação ter sido efectuada para fim absolutamente privado, e totalmente diverso da sua utilização nos termos agora pretendidos.

  11. Pelo exposto, também a admissão nos autos da cassete áudio, contra vontade expressa oportunamente manifestada da Agravante, integra violação das normas dos arts. 519° e 543° do CPC, 32º n° 8 da Constituição da República Portuguesa e 199º n° 1 alínea b) CP, pelo que deverá ser revogado.

    Contra-alegou o A., tendo formulado as seguintes conclusões: 1.

    A manutenção nos autos da cassete vídeo e da cassete áudio não viola o direito à imagem da ora Agravante, porquanto o conteúdo deste direito se prende com o direito que cada pessoa tem de não ver o seu retracto exposto em público, sem o seu consentimento, com o direito que cada pessoa tem de não ver o seu retracto apresentado em forma gráfica ou montagem ofensiva e malevolamente distorcida ou infiel, com o direito que cada pessoa tem de determinar a própria aparência externa.

  12. A manutenção da cassete vídeo e da cassete áudio nos autos não viola o direito à reserva da vida privada da Agravante, quando a própria, em sede processual, ainda não fez prova do âmbito do seu consentimento para a utilização das imagens constantes do vídeo.

    3.

    A visualização da cassete vídeo, ou a audição da cassete áudio, por um Tribunal, sujeito a estritas regras de segredo, não pode consubstanciar uma violação de direito à vida privada, na medida em que os elementos informativos constantes destes meios de prova apenas serão do conhecimento do Tribunal, que não os pode...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT