Acórdão nº 0081332 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Junho de 1994

Magistrado ResponsávelNORONHA NASCIMENTO
Data da Resolução16 de Junho de 1994
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Tribunal de Relação de Lisboa: O MP propôs acção com processo sumário contra a Caixa Geral de Depósitos pedindo a declaração de nulidade das cláusulas 8 n. 1, 8 n. 2, 9, 10 n. 1, 19, 22 e 24 do contrato de adesão (documentado a fl. 14) relativo à emissão e utilização do cartão "Caixautomática / Multibanco". Tratam-se de verdadeiras cláusulas gerais que, no entender do MP violam disposições diversas do Decreto- -Lei n. 446/85 de 25/10. A final, e após oposição da Ré, foi proferida sentença (mais concretamente saneador - sentença) que declarou a nulidade das cláusulas n. 9, 10 n. 1, 19, 22 e 24. Inconformados, apelaram o MP e a CGD. O MP conclui as suas alegações de forma seguinte: 1) as cláusulas n. 8, 1 e 8, 2 são nulas porque invertem o ónus da prova, infringido destarte o art. 21 e) do DL n. 446/85 e o art. 342 n. 2 do CC; 2) na verdade, não é só o titular do cartão "Multibanco" que tem conhecimento do seu número secreto do Código Pessoal (P, IN) pois também alguns funcionários da Ré têm acesso a ele; 3) se se mostrar que certo levantamento por cartão foi realizado com a introdução concreta do PIN a Ré passa a gozar de uma fortíssima presunção judicial (artigos 349 e 351 do CC) que o titular do cartão tem que inverter ficando deste modo salvaguardada a posição negocial da própria Ré; 4) a contraprova (art. 346 do CC) a fazer dispensa, por isso, qualquer inversão legal ou negocial do ónus probatório; 5) caberá sempre à Ré - por força do art. 342 n. 2 do CC - a prova da autoria dos levantamentos e pagamentos, efectuados pelo cartão "Multibanco" e a prova de que os levantamentos ou pagamentos feitos por terceiro através daquele cartão foram-no com o consentimento ou a facilitação do seu titular; 6) de qualquer modo, as cláusulas em apreço sempre seriam nulas por inverterem o ónus probatório tornando extremamente dificil a prova a quem convencionalmente ficou onerado (art. 345 do CC). Pede a procedência da apelação, declarando-se nulas também as cláusulas 8 n. 1 e 8 n. 2 do contrato de adesão. A Caixa Geral de Depósitos por seu termo conclui as suas alegações da forma seguinte: 1) as cláusulas números 8, 1 e 8, 2 são válidas tal como se decidiu na sentença recorrida que, neste ponto, deve ser mantida; 2) de igual modo são válidas as cláusulas gerais n. 9, 10, e 19 que não violam qualquer preceito imperativo e se conformam com o teor do art. 405 do CC; declarando-se nulas, a decisão apelada deve ser revogada nesta parte; 3) a apelante deu nova redacção à cláusula 22 e eliminou a cláusula 24: tal como já havia referido; extinguiu-se assim a instância por inutilidade superveniente da lide devendo também, neste ponto, ser revogada a decisão recorrida. Pede, destante a modificação da decisão em questão nos termos expostos. Em contra-alegação apresentada, o MP mantem a posição inicial. Os factos provados que importa considerar são os seguintes: a) a Ré (Caixa Geral de Depósitos) celebra com os seus clientes, titulares de contas de depósito em qualquer das suas agências ou dependências, contratos de emissão e utilização do cartão "Caixautomática / Multibanco" cujas cláusulas foram por ela elaboradas de antemão, e constam preenchidas em impressos que são apresentados aos candidatos à obtenção do referido cartão, os quais se limitam a preencher, em espaços em branco a isso destinados, a sua identidade, residência e telefone, o número e agência da conta bancária a cuja movimentação o cartão se destina, o sexo e ano de nascimento, o nível máximo de estudos que concluiu ou frequentou e a sua situação profissional e a assinar, conjuntamente com outros eventuais titulares da conta, o mesmo contrato; b) a cláusula 8,1 do referido contrato - tipo é do seguinte teor: "Sempre que o cartão seja utilizado com correcta introdução do PIN, presume-se que o foi pelo titular". E a cláusula 8,2 do mesmo contrato diz: "Se se provar que o cartão foi utilizado por qualquer outra pessoa, presume-se que tal utilização foi consentida ou culposamente facilitada pelo titular"; c) a cláusula 9 do mesmo contrato - tipo é do teor seguinte: "Provando o titular o extravio, furto ou roubo do cartão e a inexistência de culpa da sua parte, quer na guarda do cartão, quer na inviolabilidade do PIN corrre, ainda assim, por sua conta o risco de utilização do cartão por terceiro, sendo de sua responsabilidade todas as operações realizadas até ao termo do prazo referido no número seguinte; d) a cláusula 10,1, por sua vez, dispõe: "Recebida a comunicação, a CGD impedirá a movimentação através do cartão extraviado ou furtado da conta a ele vinculada. No entanto, o risco de utilização indevida correrá por conta do titular nas 48 horas seguintes"; e) na cláusula 19 do mesmo contrato - tipo estabelece-se: "O titular e a CGD acordam em que o registo informático das operações realizadas susceptível de ser reproduzido em papel constitui prova bastante das ordens de transferência dadas e dos levantamentos efectuadas através da utilização do cartão"; f) na cláusula 22 estabelece-se: "A CGD reserva-se o direito de alterar as presentes condições gerais de utilização. O titular fica vinculado ao cumprimento das novas condições resultantes da alteração se, nos dez dias úteis seguintes à afixação destas nas dependências da CGD, não denunciar o contrato"; g) na cláusula 24 estabelece-se: "Para todas as questões importantes deste contrato, são exclusivamente competentes os tribunais da Comarca de Lisboa: h) a Ré modificou já o teor das cláusulas 22 e 24, coisa de que dera notícia aquando da apresentação da sua contestação. A modificação aperou-se nos termos documentados a fls. 81. i) Está em jogo, nesta acção, a validade ou nulidade de um conjunto de cláusulas gerais que integram o contrato de adesão documentado a fl. 14 dos autos. Reporta-se esse contrato à utilização, por um conjunto indiscriminado de consumidores, do cartão "Multibanco" atribuido a quem, sendo titular de contas de depósito em agências da Ré, se disponha a outorgar aquele contrato-tipo de adesão. Entende o MP que diversas cláusulas do contrato são nulas por violarem preceitos imperativos do DL n. 446/85 de 25/10 que regulou, pela primeira vez no nosso pais, a conformação normativa das cláusulas contratuais gerais. Há que dizer, antes de mais, que a apreciação global dessas cláusulas, ainda que não inseridas concretamente em contratos singulares, é possível; isso mesmo advém, em linha recta do artigo 24 daquele diploma. Daí que seja viável, processualmente a pretensão do MP. Não está em causa, aqui, a apreciação de contratos concretos que tenham sido negociados entre a CGD e clientes seus estão em causa - sim - cláusulas gerais inseridas em modelos - tipo que vão depois dar vida a contratos singulares outorgados futuramente. 2) Os contratos de adesão surgiram nas sociedades europeias em consequência da industrialização crescente aí corporizada. A massificação das relações industriais e negociais o desfazamento de poder entre os negociadores (com produtores em nítida superioridade económica sobre consumidores finais, débeis e atomizados e a própria necessidade de limitar a responsabilidade civil dos produtores em permanente concorrência entre si, usando tecnologias não suficientemente testadas, quando o seu uso implicava a eclosão de graves danos a consumidores isolados - tudo somado, provocou o lançamento das cláusulas de exclusão ou limitação de responsabilidade e, concomitantemente o florecimento das cláusulas de exclusão ou limitação de responsabilidade e concomitantemente o aparecimento das cláusulas gerais (cfr., neste sentido, Pinto Monteiro, "Cláusulas limitativas e de exclusão de responsabilidade civil" 1 ed., páginas 71-72 a 77). Sobre estas recai afinal uma dupla valência por um lado, são a expressão da regra geral consignada no artigo 405 CC (a liberdade contratual é a expressão jurídica de outro princípio mais vasto caracterizador das nossas sociedades: a liberdade de empresas; por outro, a ausência de uma face verdadeiramente negociatória por incidir sobre elas uma desconfiança justificada porquanto elas transportam em si, com frequência, uma situação de desfavor para a parte contratual mais débil (cfr art. cit. pags 335 e seguintes, nomeadamente, pág 343). Foi todo este conjunto de circunstâncias que ditou a necessidade de regularmente jur. Cláusulas gerais. Já não bastavam normas expressas que limitassem os efeitos danosos de cláusulas limitativas em contratos singulares de que o artigo 809 do CC é o mais perfeito exemplo (mau grado a excepção aberta no artigo 800 n. 2 para a responsabilidade por actos de auxiliares, incompreensível, hoje, à face dos novos conceitos de responsabilização). Não bastavam também os princípios básicos que presidem obrigatoriamente ao direito obrigacional e...

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