Acórdão nº 1275/2004-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 18 de Março de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelFÁTIMA GALANTE
Data da Resolução18 de Março de 2004
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I - RELATÓRIO Silvina ... intentou, no 4º Juízo Cível da Comarca de Cascais, acção declarativa de condenação com processo sumário contra Miquelina ... e marido, alegando em suma que foi acordado um contrato de arrendamento entre a mãe da A., como inquilina, e Albino, como senhorio, relativo ao prédio sito na Rua C, n° ---, em Alcabideche. O direito ao arrendamento foi transmitido à A. com a morte da sua mãe. O imóvel arrendado foi herdado por Miquelina em 1999.

Sucede que o dito imóvel encontra-se em situação degradada, designadamente, o tecto caiu em vários compartimentos da casa, dentro dos quais chove, a cozinha tem dois barrotes podres, as paredes estão degradadas e necessitam de ser pintadas. A R. tem-se negado a visitar o imóvel, recusando-se a fazer obras, apesar de a Câmara Municipal de Cascais ter efectuado uma vistoria, em 1995, confirmando a degradação do imóvel e a necessidade de obras, as quais foram orçadas em 1.574.000$00, notificando o senhorio para que procedesse à sua realização. Em Setembro de 2001, José, acompanhado de um empregado, cortou as árvores do quintal da A. sem lhe pedir autorização, o que lhe causou desgosto. Daí para cá o imóvel tem-se degradado, e em 2001 foi pedida nova vistoria à Câmara, a qual constatou de novo a necessidade de obras, dado o estado avançado de ruína. Porém, quando a A. interpela a R., esta nega-se sempre a fazê-Ias.

Conclui, formulando um pedido de condenação dos RR na realização de obras no imóvel.

Os RR, regularmente citados, contestaram, impugnando e deduzindo a excepção de abuso de direito.

Alegam, em suma, que o imóvel sempre esteve em condições degradadas e que a A. à data da celebração do contrato de arrendamento, já conhecia os defeitos e deteriorações do locado. O imóvel nunca teve tecto, pois que se trata de uma construção em telha vã. A A. nunca interpelou os RR para realizarem quaisquer obras, sendo certo que aquando da vistoria em 1995, os RR ainda não eram senhorios do locado. Só uma parte do quintal faz parte do arrendamento, sendo que as árvores cortadas pertencem aos RR.

Consideram que a A. está impedida, em virtude do abuso de direito, de exigir dos senhorios a reparação das deteriorações, uma vez que se verifica uma manifesta desproporção entre o valor das rendas pagas pela A. e o valor do custo das obras.

Concluem, pugnando pela absolvição do pedido, considerando ilegítimo o direito que a A. se arroga de exigir a realização de obras.

A A. apresentou articulado de resposta a fls. 44 a 46, pronunciando-se pela improcedência da excepção de abuso de direito, porquanto concorrendo os princípios da livre fixação da renda e da actualização extraordinária e ordinária entende que, há razões relevantes para se não poder falar em abuso de direito.

Foi proferido despacho saneador, tendo sido relegado para final o conhecimento da excepção peremptória do abuso de direito, e procedeu-se à condensação do processo. Procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os RR do pedido.

Inconformada, a A. apelou, tendo formulado as seguintes conclusões: .....

Cumpre apreciar e decidir Como se sabe, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões do Recorrente (arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC), pelo que fundamentalmente importa decidir se, apesar de ser reconhecido à A. enquanto arrendatária o direito à realização de obras no locado, a pretensão configura um exercício abusivo do seu direito.

II - FACTOS PROVADOS 1. Encontra-se inscrita na 2ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, mediante a inscrição G-3, apresentação 7, de 27 de Outubro de 1999, a aquisição a favor de Miquelina e marido José do prédio urbano sito na Amoreira, composto de cave, rés-do-chão e anexo, com 52,80 m2 e logradouro com 179,20 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 07836, da freguesia de Alcabideche, e inscrito na respectiva matriz sob o art. 1207 (al. A) da matéria de facto assente).

  1. O prédio urbano referido em 1. foi adjudicado aos AA, por escritura de partilha, por óbito de Estefânia, lavrada a 8 de Outubro de 1999, no livro 386-L, de fls. 48 a 51, do 5º Cartório Notarial de Lisboa (al. B) da matéria de facto assente).

  2. Há cerca de 70 anos foi celebrado verbalmente entre Albino, na qualidade de senhorio, e Angélica, na qualidade de inquilina, contrato de arrendamento, para habitação do prédio urbano referido em 1. (al. C) da matéria de facto assente).

  3. A A. é filha de Angélica (al. O) da matéria de facto assente).

  4. Angélica faleceu a 26 de Julho de 1971 (al. E) da matéria de facto assente).

  5. Pela morte de Angélica a A. continuou a residir no locado referido em 3. como inquilina (al. F) da matéria de facto assente).

  6. A A. vive no imóvel há cerca de 70 anos (resposta ao quesito 19º da base instrutória).

  7. O imóvel referido em 1. tem cerca de duzentos anos e consiste numa cozinha, um quarto, o quintal e uma casinha com uma pia na parte de trás (al. Q) da matéria de facto assente).

  8. O imóvel não tinha tecto pois era uma construção em telha vã (resposta ao quesito 13º da base instrutória).

  9. À data referida em 5. o imóvel já era uma construção muito antiga, com deteriorações que eram do conhecimento da A. (resposta ao art. 15º das BI).

  10. A A. paga actualmente a renda mensal de € 4,99 (al. G) da matéria de facto assente).

  11. A R. nunca aumentou a renda (al. T matéria assente).

  12. A renda foi aumentada pelo menos uma vez por iniciativa da A. (al. U) matéria assente).

  13. Em 1995 o imóvel já estava em condições degradadas (resposta ao quesito 12º da base instrutória).

  14. Em 1995, a A. pediu à Câmara Municipal de Cascais uma vistoria ao imóvel referido em 1. (al. H) da matéria de facto assente).

  15. A vistoria confirmou que, "trata-se de uma casa de construção antiga e muito degradada, que necessita para corrigir más condições de solidez e salubridade das seguintes obras: a) substituição do vigamento de telhado que se encontra parte apodrecido e parte destruído e igualmente substituição de telhas partidas e porosas; b) reboco e pintura de paredes exteriores e interiores. Prazo para o início das obras trinta dias" (al. I) da matéria de facto assente).

  16. A Câmara Municipal de Cascais notificou o senhorio Albino para mandar proceder aos trabalhos referidos em 16. no prazo de trinta dias (al. J) da matéria de facto assente).

  17. Após a notificação referida em 17., Alice, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de Albino, enviou à Câmara Municipal de Cascais a carta cuja cópia consta de tis. 38, na qual se lê, designadamente, "herdeiros de Albino, vêm junto de V. Exa. contestar o auto de vistoria, elaborado por técnicos dessa Câmara, no dia 14 de Janeiro de 1995 à casa sita no n° 1028 na Rua C - Amoreira. 1. A queixosa de facto habita metade da referida casa (a outra metade não está ocupada), sendo esta antiga, alugada à sua mãe há cerca de 60 anos. Ambas as partes da casa, com mais de 150 anos, encontram-se em fase de ruína e muito degradadas. 2 - Por este motivo as paredes não têm a solidez necessária para aguentar um novo vigamento, bem como telhado, não existindo viabilidade económica para um arranjo total" (resposta ao quesito 16º da base instrutória).

  18. A Câmara Municipal de Cascais notificou a A. de que caso o senhorio não iniciasse as obras, a Câmara não as executaria por dificuldades orçamentais (al. L) da matéria de facto assente).

  19. Em 1997, as obras referidas em 16. foram orçadas pela Câmara Municipal de Cascais em...

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