Acórdão nº 10092/2003-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 04 de Março de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSALAZAR CASANOVA
Data da Resolução04 de Março de 2004
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1. (A) propôs acção declarativa com processo ordinário contra a Fundação Eugénio de Almeida pedindo que seja reconhecido o seu direito de propriedade com base em aquisição por sucessão testamentária e usucapião sobre os seguintes bens: - Prédio denominado "Parque de Santa Gertrudes" descrito na 8ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa com o nº 4072 e a localização indicada na petição.

- Conjunto de móveis existentes no palácio do "Páteo de S.Miguel" em Évora e noutras instalações do mesmo Páteo; - Biblioteca, arquivo e equipamentos acessórios instalados numa das casas do "Páteo de S.Miguel".

Pede ainda que a Ré seja condenada a restituir imediatamente à A. esses bens.

  1. Fundamento do pedido.

    O marido da A. faleceu no dia 11-8-1975.

    A A., com ele casada em regime de separação de bens, foi instituída por testamento de 4-2-1962 única herdeira e legatária de determinados bens; também a Fundação Eugénio de Almeida foi instituída legatária de bens da herança.

    No que respeita ao Parque de Santa Gertrudes (antigo Jardim Zoológico de Lisboa) trata-se de um terreno descrito na Conservatória do Registo Predial autonomizadamente em relação à casa de Santa Gertrudes, essa sim, atribuída apenas em usufruto à A, desanexada do Parque; sempre a A. declarou ser proprietária do Parque e como tal foi reconhecida pela Ré.

    No que respeita aos móveis existentes no palácio do "Páteo de S.Miguel" em Évora e noutras instalações do mesmo Páteo são propriedade da A: não foi instituída a Ré legatária de bens móveis; viviam A. e marido no "Páteo de S.Miguel" à data da morte deste e ali continuou a A. a viver e por isso, desde logo, são sua propriedade, por disposição expressa testamentária, os móveis que fazem parte do recheio da residência em Évora, advindo-lhe a propriedade sobre os demais bens móveis (salvo daqueles que se encontram na sede da Fundação Eugénio de Almeida) dada a sua qualidade de herdeira.

    No que respeita à biblioteca e arquivo, espólio do Engº (V), não foram tais universalidades objecto de legado a favor da Fundação e tal entendimento não se pode extrair do facto de o instituidor ter imposto à Fundação o encargo de manter instalada numa das casas do Páteo de S.Miguel a biblioteca e o arquivo.

  2. A Ré alegou, por sua vez, que a A. vivia com o marido, à data da morte deste, em Évora, não no "Páteo de S. Miguel", mas na Quinta do Valbom e, por isso, a disposição testamentária que lhe atribui o recheio respeita ao recheio da Quinta do Valbom.

    O testamento atribui à Ré o legado dos imóveis existentes no "Páteo de S. Miguel" quando deixa à Fundação a propriedade plena das casas do Páteo de S.Miguel sitas no referido Páteo e mais pertenças.

    É que, segundo a ré, são pertenças de prédios urbanos a mobília, utensílios e objectos de decoração neles existentes.

    Quanto à propriedade do Parque de Santa Gertrudes, lembra a Ré que o Engº (V) era já proprietário de metade da Quinta quando, por óbito (13-4-1954) de seu irmão (J), falecido intestado, lhe adveio, por sucessão, a outra metade do Parque, assim como o terreno onde se procedia à construção do Palácio; parcelas do Parque de Santa Gertrudes foram vendidas subsequentemente pelo Engº (V) à Fundação Gulbenkian constituindo o que hoje se designa Parque Gulbenkian; o que ficou do Parque de Santa Gertrudes passou a constituir terreno anexo e contíguo ao Palácio, ou seja, de facto, o jardim do Palácio sem autonomia física em relação a ele e para o qual se pode aceder pela porta do nº2 da Rua Marquês da Fronteira e pelos nºs 4-A a 4-B da Rua Nicolau Bettencourt.

    Ou seja, o Engº (V) considerou o Palácio e jardins como um todo apesar da sua autonomia jurídica.

    Por isso, quando no testamento se fala em Casa de Santa Gertrudes, o testador considerava não apenas a Casa (o Palácio) mas o jardim que com ele formava um todo.

    Finalmente, quanto à biblioteca e arquivo, argumenta a ré que elas se encontram instaladas em casa do "Páteo de S.Miguel" que é sua propriedade e para a qual o instituidor em vida (1965) transferiu a biblioteca e o arquivo que, desde então, sempre estiveram à guarda e cuidados da Fundação o que bem revela ter sido vontade do instituidor a de legar tais universalidades à Fundação; o facto de o testador ter incumbido a Fundação de prosseguir o restauro das casas do Páteo de S.Miguel para ali instalar a sede da Fundação e o arquivo e biblioteca dele instituidor demonstram inequivocamente que a sua vontade era a de deixar à F.E.A. a biblioteca e o arquivo.

    A acção foi julgada parcialmente procedente condenando-se a Ré a reconhecer o direito de propriedade da A. sobre o conjunto de móveis existentes no "Páteo de S.Miguel" e outras instalações do mesmo Páteo e a restituí-los à A. absolvendo esta dos demais pedidos.

    Da decisão foi interposto recurso pela A. e pela Ré.

  3. A A. alega que foi instituída herdeira.

    Ora não pode ser-lhe negado reconhecimento da propriedade, atenta a sua qualidade de herdeira, respeitante ao Parque de Santa Gertrudes considerando (1º) ausência de prova sobre os factos (29.34.35.38) susceptíveis de formar a vontade presumida do testador, (2º) decurso de largo período de tempo (1975/1996) em que a Ré não pôs em causa que o parque era propriedade da A., (3º) reconhecimento pela ré face à escritura de 29-2-1980 de que a A. era a proprietária desse imóvel.

    De igual modo, no que respeita aos móveis, boblioteca e arquivo, está esclarecido (1º) que os testamenteiros consideraram tais bens, designadamente a biblioteca e arquivo, fora dos legados e (2º) que a A. vem utilizando a biblioteca e arquivo sem pedir autorização à Ré (3º) não se tendo provado que tais bens tivessem ficado incluídos no legado das casas do Pátio de S.Miguel (43, 47, 48, 49, 50, 51 e 52).

    A sentença omitiu pronúncia sobre a aquisição de tais bens por usucapião, questão que se lhe impunha tratar uma vez que entendeu que aqueles bens tinham sido atribuídos testamentariamente à Ré (artigo 668º/1, alínea d do C.P.C.).

    Invoca finalmente a recorrente que o direito de petição, de aceitação e de reclamação desses bens se deve considerar caduco (artigos 2059º e 2075º do Código Civil).

  4. Nas suas alegações de recurso sustenta a Ré que a A. deveria ter individualizado os bens móveis existentes no Páteo de S.Miguel, pois não constituem nenhuma universalidade; sustenta ainda que o Engº (V) ao instituir a sede da Fundação nas casas do "Páteo de S. Miguel" não tinha a intenção de que os bens móveis ali instalados fossem retirados à propriedade plena da Fundação designadamente aqueles que ele próprio instalou na sede; por outro lado, a partir do momento em que o Tribunal não deu como provado que "pertenças" significava apenas elementos do conjunto imobiliário, não podia o Tribunal interpretar o testamento de forma contrária à vontade presumida do testador pois este queria que tais bens ficassem a pertencer à F.E.A. e não à A., bens que à data do óbito do testador estavam afectos, por forma estável e duradoura ao serviço da Fundação Eugénio de Almeida. Foram, pois, violados os artigos 1761º do CC 1867, 201º/1 e 2187º do actual Código Civil.

  5. Factos provados: 1. A A. em escritura de habilitação notarial, além de "legatária" foi instituída única "herdeira" da herança aberta por óbito de seu marido Engº (V) ocorrido em 11-8-1975.

  6. Do testamento feito em Lisboa no dia 4-9-1962 por (V) consta: "Eu, (V) , residente em Lisboa ..... - Casa de Santa Gertrudes - faço o meu testamento e disposição de última vontade pela forma que se segue:....

    "Sou casado em regime de separação de bens com (A) e de cujo casamento não existem filhos. Não tendo outros descendentes, o que expressamente afirmo, nem ascendentes vivos, posso dispor livremente dos meus bens. Assim os seguintes bens: 1º Terreno para construção... onde em metade deste terreno se encontra presentemente em adiantado estado de construção um prédio que é valor incluído no dito terreno 2º Herdade denominada "Paço das Vinhas"...

    4º Quinta da Cartuxa...

    5º Herdade do Freixo, Herdade do Baldio e Herdade das Amoreiras...

    7º Herdade de Cabaços...

    9º- Herdade dos Alpendres...

    11º Casas do Pátio de S.Miguel sitas no referido pátio, e mais pertenças, freguesia da Sé, concelho de Évora, descritas na Conservatória do Registo Predial da comarca de Évora sob o nº 3296 a fls 46 do Livro B.

    12º Prédio urbano...

    13º Prédio urbano conhecido por Palácio da Inquisição...

    16º Metade do jazigo...

    designados de 1º a 16º serão afectados nos termos e ao abrigo dos artigos 444º e seguintes do Código Administrativo e da Base XXVI da Lei 2025 por meio de uma fundação a prossecução dos fins de promoção social da região de Évora.Essa Fundação será denominada Fundação Eugénio de Almeida e os seus objectivos definem-se do seguinte modo:...

    De harmonia com os objectivos gerais, a Fundação propõe-se para desde logo: Prosseguir o restauro, iniciado pelo instituidor, das casas do Pátio de S.Miguel para ali instalar a sede da Fundação e o arquivo e biblioteca do mesmo instituidor.

    Deixo a minha mulher (A)... em propriedade plena: A minha casa da Rua ... em Cascais denominada Casa Branca.

    As quotas que possuo na sociedade...

    Todas as minhas acções...

    Mais deixo a minha mulher em usufruto a minha casa de Santa Gertrudes, em Lisboa, na Rua ... - A Quinta de Valbom, em Évora, que se encontra já separada da Quinta da Cartuxa O Grupo de Herdades de Pinheiros, Casa Branca e Azinheiras, na freguesia da Sé, de Évora...sendo propriedade da Fundação Eugénio de Almeida, logo que termine o usofruto...

    Do remanescente dos bens que não foram até aqui mencionados, outros e quaisquer valores, direitos e acções não relacionados, instituo herdeira minha mulher (A)...ressalvando, bem entendido, o recheio da casa existente nas Casa Branca em Cascais, na Casa de Santa Gertrudes em Lisboa, e na minha residência em Évora, que são sua propriedade...

  7. Consta do Livro B-9 a fls 46 da Conservatória do Registo Predial de Évora, relativamente ao prédio nº...

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