Acórdão nº 2969/2002-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 02 de Março de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelPIMENTEL MARCOS
Data da Resolução02 de Março de 2004
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

D.... intentou a presente acção declarativa com processo sumário contra "Banco...R alegando, em síntese, que: em 09.08.93 era devedor da quantia de 1.000.000$00 à sociedade "C... Ldª", para cujo pagamento emitiu o cheque nº 1745330429 sobre o "Banco X, naquele valor, e a favor daquela sociedade, esse cheque foi cruzado pelo sacador, por meio de duas linhas paralelas traçadas na face do cheque; enviado por correio à "C Ldª", o mesmo não chegou ao seu destino, por dele se ter apropriado F..., que com ele se dirigiu a uma agência da R., em Lisboa, onde tinha conta bancária, tendo obtido o pagamento do referido cheque, mediante depósito na sua conta, após ter assinado, como endossante, na falsa qualidade de gerente da beneficiaria do cheque.

um mínimo de diligência por parte dos funcionários do Banco intervenientes na operação sempre obrigaria estes a exigirem ao subscritor do endosso a prova da qualidade de gerente da "endossante"; mas porque o não fizeram agiram com manifesta culpa; por outro lado, o réu, tal como todos os Bancos, assume um "risco" no desenvolvimento da sua actividade.

a autora teve que pagar o valor do cheque à aludida sociedade.

Conclui pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de 1.000.000$00, acrescida de juros de mora desde a citação, até efectivo e integral pagamento, à taxa de 15% ao ano, os termos dos artigos 483º e s.s. e 499º do CC.

**O R. contestou, defendendo, em síntese: Que não foi a endossante que se apresentou como portadora do cheque; Que não tinha de verificar a regularidade dos endossos, conferindo as assinaturas dos endossantes, os quais foram feito em branco, nem a teoria do risco tem aplicação na circulação e cobrança de cheques.

Por outro lado, entende que não houve da sua parte qualquer falta de diligência na cobrança do cheque.

Concluiu pela improcedência da acção.

Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento,.

Seguidamente foi proferida a competente sentença nos seguintes termos decisórios: o Tribunal decide julgar a presente acção procedente, por provada e, em consequência, condenar o Banco R. a pagar ao A. a quantia de ESC. 1.000.000$00, acrescida de juros a contar da citação à taxa anual de 15% até 31.09.95, à taxa de 10%, de 01.10.95 a 17.04.99 e à taxa de 7% desde então até efectivo e integral pagamento, sem prejuízo de eventuais alterações às taxas de juro.

Dela apelou o réu, formulando as seguintes conclusões:***** 1.

Não foi o Banco Recorrente quem pagou o cheque em causa, tendo sido mero intermediário na sua cobrança, uma vez que se limitou a apresentá-lo a pagamento junto do Banco sacado (o Banco X).

  1. O cheque estava endossado em branco e o ora apelante desconhecia se o seu cliente era o primeiro, ou o segundo, ou o décimo endossado em branco, 3 . O cliente do Banco recorrente era, formalmente, o legítimo portador do cheque.

  2. O portador do cheque com endosso em branco pode nem sequer conhecer a sociedade endossante, podendo ser ele do Algarve e a sociedade de Bragança, ou até do estrangeiro.

    5 . O banco que paga o cheque não é obrigado a verificar a assinatura dos endossantes, mas apenas a regularidade formal dos endossos, isto é, não está obrigado a verificar se as assinaturas dos endossos pertencem aos endossantes, nem se quem assinou o endosso por uma sociedade tinha os necessários poderes.

  3. O cheque em causa tinha um cruzamento "geral" e o portador era cliente do Banco recorrente, no qual o depositou para cobrança.

  4. O depósito do cheque constituiu, assim, um simples depósito de valores e, como lhe competia, o Banco apelante identificou o portador como seu cliente.

  5. O depósito de valores (de cheques ou de outros títulos de crédito) é sempre efectuado sob reserva de efectiva cobrança; e foi precisamente o que aconteceu no caso vertente.

  6. O mandato para cobrança do cheque foi conferido ao Banco recorrente pelo seu cliente e não pelo sacador, o ora recorrido.

  7. O recorrente cumpriu o mandato e observou as pertinentes disposições da LUC, não tendo assumido para com o recorrido qualquer obrigação cambiaria ou outra.

  8. Ficou provado, no que se prende com a "garantia do cruzamento geral" que um cheque com esse tipo de cruzamento não oferece especiais garantias de segurança, permitindo unicamente identificar o portador que o recebeu.

  9. O cruzamento não proíbe o endosso, nem sequer "em branco"; o cheque em questão era um cheque à ordem e não nominativo; era, portanto, endossável e estava endossado.

  10. Como se provou, é o proprietário do livro ou módulo de cheques quem se encontra em melhor posição para, em primeira linha e em relação a todas as restantes partes, evitar a falsificação, o extravio ou furto de qualquer cheque.

  11. Os deveres de vigilância, custódia e cautela que, em virtude do contrato ou convenção de cheque, recaem sobre o proprietário do livro ou módulo de cheques impõem-se, de modo particular, no caso de cheques já emitidos, ainda que à ordem, pois para estes bastará falsificar o endosso e pô-los a circular, podendo até dar-se o caso de o portador nem sequer ter tido relações com o falsificador.

  12. É incontroverso nos autos que foi o recorrido quem não cumpriu os seus deveres de diligência guarda e custódia, ao remeter o cheque, por correio normal, para "C Lda", como, aliás confessou (artigos 6 da p. i. e 9 da contestação).

  13. O Banco recorrente, ao receber o cheque com cruzamento geral, para cobrança, estava apenas obrigado a verificar a regularidade formal do endosso a favor do portador e a apresentá-lo a pagamento por mandato deste, sendo o endosso em branco, tinha apenas que verificar se estava assinado, não tendo que curar de saber se quem assinara o endosso era ou não gerente da endossante.

  14. Os riscos (nomeadamente, os de falsificação, perda ou extravio) que podem resultar da utilização de cheques e sua entrega para cobrança nascem de uma actividade realizada no interesse do sacador, do portador, do mandante, mas não do sacado ou do banco mandatário. Daí que seja no cheque - convenção e circulação - e na teoria da culpa que tenha de encontrar-se a solução do caso sub-judice.

  15. Só por força de disposição de lei expressa (que, de resto, não existe) se poderia afastar o princípio da responsabilidade subjectiva - que a lei portuguesa consagra, tanto para a contratual como para a extracontratual - e aderir à doutrina do risco ou da responsabilidade objectiva, que não tem aplicação à actividade bancária e, menos ainda, ao uso e circulação do cheque.

  16. O banqueiro só é responsável quando tenha havido culpa sua, o que não aconteceu no caso em apreço, em que o Banco apelante - perante um cheque com cruzamento geral, cujo portador era um seu cliente, que nele o depositou para cobrança - actuou com a diligência devida, cumprindo as disposições legais que ao caso correspondiam, nomeadamente as da LUC.

  17. Não pode, pois, ser assacada ao apelante nenhuma responsabilidade pelo risco ou outra; o verdadeiro responsável é, pelo contrário e bem vistas as coisas, o recorrido, que enviou um cheque, à ordem, por correio normal, quando as disposições legais e contratuais lhe impunham o dever de ser diligente na guarda, custódia e remessa do dito cheque.

  18. Ao decidir como decidiu, a douta sentença recorrida violou, entre outros, os artigos 5º, 14º, 16º, 17º, 19º, 35º e 38º da LUC; 346º do Código Comercial; e 483º, 543º, 545º, 796º, 798º e 799º do Código Civil.***** O apelado pede a confirmação da sentença.

    **Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.

    Da 1ª instância vêm provados os seguintes factos: 1.

    O A. emitiu o cheque nº 1745330429, passado sobre o Banco X, Agência de Algés, datado de 09AGO93, no montante de 1.000.000$00, a favor de "C.., Lda", cheque esse que foi cruzado pelo sacador, por meio de duas linhas paralelas traçadas na face do cheque.

  19. O A. enviou o cheque referido em A), pelo correio, em envelope endereçado a "C... Lda", para a sede desta na Rua .... Lisboa.

  20. Como o dito cheque se encontrava assinalado com o cruzamento geral de dois traços paralelos, o respectivo montante corporizado no mesmo, só podia ser pago pelo sacado a um banqueiro ou a um cliente do sacado.

  21. Apresentado ao Banco R., este poderia obter, como aconteceu, o seu pagamento.

  22. Dos carimbos apostos no verso do cheque verifica-se que este foi primeiramente depositado no Banco , no dia 12AGO93, efectuando-se novo...

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