Acórdão nº 1052/2002-6 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25 de Setembro de 2003 (caso None)

Magistrado ResponsávelMARIA MANUELA GOMES
Data da Resolução25 de Setembro de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

RELATÓRIO. 1.

L. REGO, residente em Lisboa, intentou em 24.06.1992, no Tribunal Cível de Lisboa (15º Juízo), a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra a SOCIÉTÉ ... PORTUGAL, instituição particular de solidariedade social, com sede em Lisboa, e F. P., médico, residente em Lisboa, na Av. Marquês de Tomar, n° 33-2°-Esq°, pedindo a condenação solidária de ambos os RR. a pagar-lhe: a) a quantia de Esc. 5.000.000$00, a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos; b) a quantia de Esc. 10.000.000$00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos; c) uma indemnização em dinheiro - a liquidar em execução de sentença - pelos outros danos sofridos cuja discriminação e liquidação não é ainda possível; d) uma indemnização - também a liquidar em execução de sentença - pelos danos futuros (sequelas físicas, dores, tratamentos e desvalorizações) que o A. viesse a sofrer em consequência dos mesmos factos; e) juros de mora, à taxa anual de 15 %, desde a data da citação até integral pagamento.

Para tal, e em síntese, o autor alegou ter sofrido danos patrimoniais (derivados de uma incapacidade física permanente de 40 %) e não patrimoniais (traduzidos em fortes dores e incómodos diversos) em consequência de ter sido vítima duma queimadura de terceiro grau provocada por uma lâmpada auxiliar utilizada durante uma intervenção cirúrgica (abdominoplastia) executada pelo R. F. P. numa clínica particular (o Hospital de ---) de que a Ré SOCIÉTÉ ... PORTUGAL é proprietária e administradora.

Citados, vieram os réus contestar. A primeira - SOCIÉTÉ ... PORTUGAL - contestou apenas por impugnação, pondo em causa que o A. tenha sofrido os danos patrimoniais e não patrimoniais por ele invocados, bem como a existência de nexo de causalidade entre tais danos e a lâmpada auxiliar solicitada pelo R. F. P. e disponibilizada pelo pessoal desta Ré durante a intervenção cirúrgica a que o A. foi submetido.

O Réu F. P. contestou alegando, em síntese, ter sido o A. quem escolheu a clínica particular onde este R., a pedido daquele, executou a intervenção cirúrgica em questão (por o A. ter nisso conveniência, dado ir ser, na mesma data e local, objecto doutra intervenção cirúrgica, esta do foro urológico, partilhando ambas as cirurgias a mesma via de acesso cutâneo) e não haver a queimadura sofrida pelo A. resultado de qualquer acto ou omissão deste R. (ambas as intervenções a que o A. foi submetido teriam sido muito bem sucedidas), mas do mero funcionamento do equipamento de utilização permanente existente na sala de operações, não cabendo ao cirurgião verificar o estado de funcionamento desses aparelhos - e formulou, em reconvenção, o pedido de condenação do A. a pagar-lhe os seus honorários pela prestação dos seus serviços profissionais como cirurgião na aludida intervenção cirúrgica (ajustados em Esc. 200.000$00), acrescidos dos honorários do seu ajudante (no valor de 20 % dos primeiros: Esc. 40.000$00) e dos da enfermeira instrumentista (no valor de 10 % dos primeiros: Esc. 20.000$00), no total de Esc. 260.000$00.

O Autor replicou, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional contra ele formulado pelo R. F. P., já que, como este R. não executara verdadeira e adequadamente os serviços estipulados, não teria direito à retribuição previamente ajustada.

Corridos os subsequentes termos processuais foi, em 15.07.98, proferida sentença que julgou a acção e a reconvenção parcialmente procedentes e condenou ambos os réus a pagarem solidariamente ao autor a quantia de 7.500.000$00 (sete milhões e quinhentos mil escudos), acrescida dos juros moratórios que sobre aquela se vencessem, à taxa legal (10 % ao ano), desde a data da sentença até integral pagamento, absolvendo os réus do demais peticionado pelo Autor. Condenou ainda o Autor a pagar ao 2° Réu a quantia de 200.000$00 (duzentos mil escudos) e absolveu-o do demais pedido contra ele pelo 2° Réu.

Inconformados com essa decisão, apelaram ambos os réus.

Alegaram e no final formularam as seguintes conclusões: A RÉ SOCIÉTÉ …PORTUGAL.

1. A ora recorrente nenhuma responsabilidade teve na produção dos pretensos danos que o A. terá sofrido.

2. O nexo de causalidade estabelecido pelo tribunal "a quo" para afirmar a responsabilidade da ora recorrente - a utilização de um candeeiro em deficientes condições de funcionamento - não foi verificada, nem comprovada.

3. De facto, apesar do A. e o 2° R. o terem alegado, nunca juntaram aos autos elementos ou alegaram factos, cuja prova comprovasse tal deficiência técnica, e que se traduziria no aquecimento do candeeiro.

4. Do ensaio realizado pelo Instituto de Soldadura e Qualidade no laboratório de ensaios eléctricos, com referência ao candeeiro utilizado no decorrer das intervenções cirúrgicas, resulta objectivamente, que, independentemente, de ter sido utilizada uma lâmpada incandescente ou uma lâmpada de halogéneo, com o respectivo filtro instalado, eram insusceptíveis de obter temperaturas que provocassem a queimadura de que padeceu o A..

5. Ensaio este realizado entre 2 e 4 de Novembro de 1998, na sequência da decisão recorrida que considerou o candeeiro em causa como o facto que determinou a produção da queimadura em causa.

6. De resto, as temperaturas obtidas no ensaio foram-no ao fim de 30 minutos, tempo superior aquele em que terá sido utilizado durante as intervenções cirúrgicas do A..

7. Quer isto dizer que a queimadura que o A. terá sofrido não pode ter sido causado pelo candeeiro utilizado na sala de operações. Apenas no caso do candeeiro não ter o filtro instalado, é que tais queimaduras poderiam ter acontecido.

8. Todavia, nesse caso as temperaturas seriam de tal modo elevadas que era absolutamente impossível ao 2° R, e à sua equipa não se terem apercebido, isto, para lá do facto de ser manifestamente impossível suportar no bloco operatório, temperaturas superiores a 50° e mais.

9. Acresce que, um médico cirurgião com a experiência do 2° R. não permitiria, por certo, e em nenhuma circunstância, a utilização de um candeeiro, sem filtro, sendo que este é bem visível, conforme consta das fotografias incluídas no ensaio junto sob o documento n° 1.

10. Conforme consta do parecer do Doutor F. G., junto sob o doc. n° 2, quando se usa electrocirurgia de corte, como foi o caso das intervenções a que se sujeitou o A., aquela é bipolar e no local do eléctrodo de saída desenvolve-se temperatura capaz de fazer queimadura.

11. Este facto é só por si relevante e põe também em crise o entendimento do tribunal "a quo" quanto à circunstância de ter sido o candeeiro o responsável pela queimadura no A.. 12. Da prova apurada nos autos, não existe um único facto que demonstre que foi o aquecimento do candeeiro a provocar a queimadura no A. tanto assim que, nem o A., nem o cirurgião 2° R., requereram alguma vez o exame do candeeiro.

13. Sendo que, face à determinação e à interpretação dos factos dados pelo tribunal "a quo" na sentença recorrida, a ora recorrente viu-se obrigada a solicitar o ensaio referido.

14. No âmbito das relações contratuais que se estabeleceram entre a ora recorrente e o A., aquela apenas é responsável pelos actos praticados pelo pessoal afecto e utilizados na execução do contrato de internamento, excluindo-se os actos médicos.

15. Estes (actos médicos) estão compreendidos no âmbito das relações contratuais directas e estabelecidas entre o A. e o 2° R.

16. Não existe, pois, obrigação de indemnização da ora recorrente, uma vez que o nexo causal só pode ser estabelecido relativamente a danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse o comportamento imputado ao...

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