Acórdão nº 2105/2003-2 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Julho de 2003

Magistrado ResponsávelTIBÉRIO SILVA
Data da Resolução09 de Julho de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:IO Ministério Público, veio, nos termos do art. 1132º e segs. do CPC, propor acção de liquidação de herança jacente, por óbito de (C), com último domicílio na Rua ..., em Lisboa, alegando que: O autor da sucessão faleceu em 8 de Janeiro de 1991, no estado de divorciado e não deixou descendentes, nem ascendentes, irmãos ou seus descendentes, nem outros colaterais até ao 4º grau.

Embora tenha feito aprovar testamento cerrado em 12 de Setembro de 1967, antes do seu divórcio, o certo é que tal testamento não foi localizado após o seu óbito, tudo levando a crer que foi destruído em vida pelo seu autor.

Terminou, dizendo que a herança deve ser declarada vaga para o Estado, procedendo-se subsequentemente à sua liquidação e requereu que se ordenasse o arrolamento dos bens descritos no doc. de fs. 9 e segs. e se ordenasse a citação, por éditos, de quaisquer interessados incertos para deduzirem a sua habilitação como sucessores.

(R), advogado, com domicílio profissional na R. ..., Seixal, veio, a fls. 78, requerer a sua habilitação como interessado na herança de (C), nos termos do disposto no art. 1132° do C.P.C., alegando, além do mais que aqui se dá por reproduzido, que: É interessado na herança por ser titular de procuração irrevogável conferida também no seu interesse, que lhe permite dispor da totalidade dos bens do falecido.

O dito (C) conferiu-lhe mandado, com o intuito de assegurar o pagamento dos seus honorários por vários anos de trabalho e ainda no interesse dos empregados do falido, das pessoas que tinham negócios com o falecido, de (M), que com ele vivia e ainda dos seus sobrinhos.

Terminou dizendo, entre outras conclusões, que deve ser reconhecido como interessado nos presentes autos e representante do falecido por virtude de mandato irrevogável.

O Ministério Público contestou, conforme se pode ver a fs. 122 e segs., defendendo, designadamente, que (R) não integra quaisquer das classes de sucessíveis previstas nos art.°s 2132° e 2133° do C. Civil, e, não sendo este herdeiro legítimo, testamentário, nem tão-pouco por direito de representação, carece de legitimidade para deduzir habilitação na qualidade de sucessor do "de cujus", motivo por que deve ser indeferida a requerida habilitação.

Foi, a fs. 283, com data de 06/06/2002, proferida decisão, na qual se julgou improcedente a habilitação deduzida e, inexistindo outros sucessíveis, nos termos do art. 2155º do Civil e art. 1133º, nº1 do CPC, declarou-se vaga para o Estado a herança de (C).

Inconformado com esta decisão, dela veio recorrer (R), concluindo as suas alegações pela seguinte forma (em síntese): 1ª - No caso dos presentes autos há que fazer a distinção entre mandato e procuração; 2ª - Enquanto que, regra geral, uma das causas de extinção do mandato é a morte do mandante, 3ª- No caso da procuração, a morte do dominus originário não é causa de extinção da procuração; 4ª- A regra geral relativa à morte enquanto causa extintiva de relações jurídicas é a do art. 2025º do Código Civil; 5ª- De acordo com a tese de Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, in "A procuração Irrevogável", a lei não considera a morte do dominus como causa de extinção da procuração; 6ª- A douta decisão recorrida, ao aplicar as normas dos arts. 1174º, al. a) e 1175º, ambos do Código Civil, violou o regime jurídico específico da procuração contido nos arts. 265º e segs. do Código Civil; 7ª- Para além disso, a douta sentença não esclareceu se, no caso em apreço, estaríamos perante uma situação de mandato com representação ou de representação sem mandato; 8ª- Ao caso em apreço apenas se aplicam as normas relativas à procuração; 9ª- Pelo que cumpre afastar as considerações vertidas na douta decisão sobre a morte do mandante ou sobre o mandato de interesse comum; 10ª- No caso dos presentes autos não foi afastada a irrevogabilidade da procuração outorgada ao recorrente; 11ª- Tal irrevogabilidade apenas poderá ser afastada nos termos da norma do art. 2025º do C. Civil e, em concreto, não se verifica nenhuma das situações aí previstas; 12ª- A procuração outorgada ao recorrente é uma " procuração naturalmente irrevogável"; 13ª- Existe um interesse concreto do procurador na relação subjacente à procuração; 14ª- Tal interesse deriva do facto do procurador, aqui recorrente, ter um direito de crédito sobre o dominus, derivado da remuneração por este último devida em função dos anos de trabalho efectuado pelo primeiro como seu advogado; 15ª- Porque naturalmente irrevogável e conferida no interesse do procurador, a procuração não caducou com a morte do dominus; 16ª- A relação subjacente à procuração não constituiu para o dominus uma situação puramente activa, tendo também elementos passivos; 17ª - Mesmo que se entenda que a situação dos autos configura uma situação de «procuração convencionalmente irrevogável» a sentença não demonstra que se verificam quaisquer causas de excepção à regra de que «a natureza jurídica da procuração não exige a sua extinção em virtude da morte do dominus originário.

Conclui o Apelante que a decisão recorrida violou o disposto nos arts. 265º e segs. e 2025º do C. Civil, pelo que deve ser revogada.

O Ministério Público contra-alegou, defendendo a manutenção da decisão.

*O objecto do recurso, definido pelas conclusões do Apelante (arts. 684º, nº3 e 690º, nº1 do CPC), para além daquilo que é de conhecimento oficioso, consiste em apreciar se, na sentença se decidiu mal, ao considerar-se que a procuração em causa caducou com a morte do dominus, julgando-se improcedente a habilitação deduzida pelo Apelante.

* II No nº1 do art. 1132º do CPC, preceitua-se o seguinte: « No...

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