Acórdão nº 3947/2003-8 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Julho de 2003 (caso None)

Magistrado ResponsávelSALAZAR CASANOVA
Data da Resolução03 de Julho de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1. (P) intentou acção declarativa de simples apreciação com processo ordinário no dia 6-10-1994 contra (M) alegando que desde 1978 vive com o seu marido (G) e filhos menores no imóvel de que ele é arrendatário sito na (G) em Lisboa.

Sucede que a Ré propôs acção de despejo para habitação própria apenas contra o marido da A., que não foi por ele contestada, que veio a ser julgada procedente.

A Ré, porém, não foi citada para uma tal acção, e devia tê-lo sido pois a casa é a casa de morada de família, motivo por que pretende que seja declarada na sua titularidade a existência do direito a legitimamente fruir a casa de morada de família arrendada ao cônjuge nos mesmos termos deste.

A acção foi julgada improcedente por se ter considerado que, não obstante ser verdade o que a Ré alega, ela não é titular de nenhum direito subjectivo a ocupar a casa arrendada de conteúdo idêntico ao do marido designadamente o arrendamento que é incomunicável ao cônjuge; não pode também opor-se por embargos de terceiro contra mandado de despejo emanado da acção em que não foi demandada pois não é titular de qualquer direito que legitime a sua posse visto que não passa de uma mera detentora ou possuidora de facto e, portanto, se não pode deduzir embargos de terceiro para se opor à execução do despejo, não pode igualmente pretender que se declare ser titular do direito a fruir legitimamente da casa de morada de família arrendada pelo cônjuge marido nos mesmos termos deste último.

Sustenta a recorrente que ela tem direito a continuar a fruir a casa de morada de família, ainda que esta tenha sido objecto mediato de uma acção de despejo, uma vez que tal acção, com preterição de litisconsórcio necessário passivo, foi intentada única e exclusivamente contra o inquilino cônjuge marido e ela tem esse direito enquanto não for condenada em acção de despejo em que seja pessoalmente demandada; a existência do direito que a A. se arroga encontra-se corroborada no nosso sistema jurídico designadamente pelo facto de este mesmo sistema admitir que, face a um mandado de despejo emanado de um tribunal em que apenas foi demandado um dos cônjuges, o outro se oponha invocando embargos de terceiro; a Lei nº 35/81, ao impor litisconsórcio necessário, vai no sentido de integrar os meios de defesa postos pelo sistema à disposição do cônjuge do inquilino não ouvido nem convencido na acção de despejo, conduzindo à necessária verificação da ilegitimidade na dita acção, podendo assim aquele mesmo cônjuge opor-se à execução da sentença que ordena o despejo; a preterição de litisconsórcio necessário passivo obsta, assim, a que alcançada em acção de despejo em que só um dos cônjuges foi demandado " produza o seu efeito útil normal".

  1. Factos provados: 1- A A. é casada com (G).

    2- Tal casamento foi celebrado em 18 de Agosto de 1977.

    3- O marido da A. arrendatário do andar sito em Lisboa na Rua..., em Lisboa, foi condenado por sentença de 17-1-1994 que correu termos no 4º Juízo Cível de Lisboa (P. 9103/93) proferida em acção de despejo proposta pela Ré, uma vez declarado resolvido o contrato de arrendamento, a entregar à Ré o referido andar, livre de pessoas e bens, mediante o pagamento da quantia correspondente a dois anos e meio de renda.

    4- Por escrito particular de 7-1-1932 (B) deu de arrendamento a (L) pelo prazo de 6 meses com início no dia 1 de Janeiro de 1932 e com destino a habitação própria, o 1º andar do prédio sito em Lisboa com entrada pelo nº 78 da Rua do Salitre.

    5- (L) faleceu em 3 de Setembro de 1987.

    6- Por óbito do referido (L) a posição contratual de que este era titular transmitiu-se ao seu cônjuge sobrevivo, (D).

    7- (D) faleceu em 8 de Maio de 1989.

    8- Por morte da referida (D) a posição contratual da arrendatária, de que esta era titular, transmitiu-se ao seu filho (G).

    9- No referido processo a A. não foi demandada nem citada para nele intervir.

    10- A A. e seu marido habitam no imóvel identificado desde 1978.

    11- A A., seu marido e os dois filhos do casal vivem em comunhão de mesa e habitação no imóvel desde há pelo menos 20 anos, ai pernoitando, tomando as refeições e recebendo os amigos e a correspondência.

    Apreciando: 3. A questão que se suscita nestes autos é a de saber se o cônjuge de arrendatário da casa de morada de família, que não foi demandado nem interveio em acção de despejo julgada procedente proposta contra o arrendatário, dispõe ou não de algum direito que lhe permita continuar a fruir legitimamente a casa de morada de família.

  2. Considerou-se que não na decisão recorrida: o cônjuge não demandado, que não chegou a intervir por forma a obstar ao trânsito em julgado da acção de despejo, apenas dispõe do recurso extraordinário de oposição de terceiro que pressupõe um litígio assente sobre um acto simulado das partes (artigo 778º do C.P.C.).

    Pode, portanto, dar-se o caso, certamente mais frequente do que o presente, em que o arrendatário demandado não contesta por lhe ser indiferente a sorte da família e da casa de morada de família (marido que, incompatibilizado, deixou a casa de morada de família onde permaneceram os respectivos familiares) não existindo qualquer acordo entre o senhorio e arrendatário.

    Se assim se entender então a ordem jurídica portuguesa, apesar de reconhecer que devem ser propostas contra marido e mulher as acções que possam implicar a perda de direitos que só por ambos ou com o consentimento de ambos possam ser alienados, designadamente as acções que tenham por objecto directa ou indirectamente a casa de morada de família (ver artigo único da Lei nº 35/81, de 27 de Agosto a que corresponde o artigo 28º-A do Código de Processo Civil revisto em 1995/1996 conjugado com o artigo 1682º-A/2 do Código Civil), mostra-se indiferente à violação, desde que bem sucedida, desse dever processual que visa simetricamente garantir no plano do exercício da acção o que, no plano substantivo, por via do direito de anulação do negócio jurídico é reconhecido ao cônjuge que fique alheado de acto de alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre a casa de morada de família.

    A ser assim como se decidiu, se o cônjuge arrendatário denunciar o arrendamento respeitante à casa de morada de família (artigo 1682º-B do Código Civil) o outro cônjuge pode exercer o direito de anulação com o limite temporal de três anos sobre a realização do acto (artigo 1687º/2 do Código Civil); no entanto, se a denúncia do arrendamento resultar de acção proposta apenas contra o arrendatário, o outro cônjuge, transitada a decisão, nada poderá fazer, salvo o caso de recurso de oposição.

    Os limites impostos em ambas as situações, o temporal e o caso julgado, não parecem, no entanto, garantir exactamente o mesmo: o decurso do tempo tem em vista impedir que uma situação de incerteza se prolongue com todos os inconvenientes que resultam para a segurança jurídica; a inatacabilidade do caso julgado, fora dos casos de recurso extraordinário, traduz garantia de segurança jurídica, mas essa garantia mostra-se aqui afectada de um modo muito acentuado precisamente porque, ao privar-se definitivamente o cônjuge lesado de se poder opor às consequências de um procedimento ilegal do qual resultou uma decisão que o prejudica intensamente, está afinal a impor-se os efeitos do caso julgado em relação a terceiros fora dos casos em que a lei o consente (v.g artigo 674º do C.P.C.).

    O cônjuge que devia, por imposição da própria lei, ser demandado na acção que visava a resolução...

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