Acórdão nº 8793/2002-2 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Junho de 2003 (caso None)

Magistrado ResponsávelGRAÇA AMARAL
Data da Resolução26 de Junho de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, 1.

EDA - ELECTRICIDADE DOS AÇORES, SA propôs acção declarativa com processo ordinário contra (A) e (B) pedindo que lhe seja reconhecido o direito de entrar nos prédio dos Réus, com aviso e da forma que menor prejuízo lhes cause, para realização das manutenções e beneficiações que se computarem necessárias ao cumprimento do serviço público que lhe está acometido relacionados com o transporte e distribuição de electricidade e com a segurança e bom estado de conservação das instalações. Faz assentar a acção no facto dos Réus se terem oposto à presença de duas linhas de transporte de energia de alta tensão (60 KV) - linha CT do Caldeirão - SE Lagoa e linha SE de Milhafres - SE de Lagoa, que se encontram implantadas no prédio propriedade dos mesmos, sendo certo que a implantação das referidas linhas (por si levada a cabo no âmbito da actividade de serviço público que lhe está cometida e onde se incluiu o dever de assegurar a manutenção periódica das instalações) foi efectuada com autorização daqueles (quanto à primeira linha) e sem a sua oposição (relativamente à segunda linha).

2. Após citação contestaram os Réus alegando, fundamentalmente, que implantação das duas linhas eléctricas no seu prédio foi efectuada pela Autora com a sua oposição e durante o período em que se encontravam ausentes de Ponta Delgada, a residir nos Estados Unidos.

Alegaram que com a presente acção a Autora tem em vista, não a manutenção da linha eléctrica, mas o aproveitamento das instalações para fazer passar cabos de fibra óptica para as comunicações telefónicas e outras a fim de serem comercialmente exploradas por empresa sua associada - Oniaçores, Lda.

Sustentam os Réus a inexistência de qualquer direito da Autora, designadamente o direito de passagem, sobre o terreno de que são proprietários, por lhe não ser aplicável a declaração de utilidade pública (inaplicabilidade do DL 99/91, de 02.03, uma vez que é uma empresa de capitais públicos e o diploma em causa visa apenas as entidades privadas que se associem ao Estado na actividade de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica) e, ainda que tivesse sido declarada a utilidade pública, por a empresa não se ter socorrido, no caso, dos institutos da expropriação ou da constituição de servidão.

Consideram pois os Réus que, não tendo a Autora obtido a sua prévia autorização para ocupação do prédio com vista ao licenciamento das linhas em causa, encontra-se a mesma a violar o seu direito de propriedade sobre o imóvel e, nessa medida, não só impede a procedência da acção, como legitima o pedido reconvencional para remoção das linhas em causa (bem como da torre que as apoiam) alterando o seu trajecto ou fazendo-as passar subterraneamente, e de condenação da Autora a pagar a importância mensal, não inferior a 60.000$00 (desde a implantação e até à remoção das linhas), pela ocupação ilícita que aquela vem fazendo do imóvel.

Ainda em reconvenção e, para além da remoção das linhas, alegando danos decorrentes da incerteza dos efeitos nefastos decorrentes de se encontrarem a habitar uma casa onde, por cima, passam, a uma distância de 4 metros, as linhas de alta tensão (morte, caso a linha possa cair em cima do imóvel, dado estar em causa zona altamente sísmica, com chuvas torrenciais e ventos fortes, ou mesmo o embate de uma ave provocando curto-circuito e a queda da linha; efeitos magnéticos na saúde e nos equipamentos de natureza electrónica; ruído audível no interior da habitação semelhante a curto-circuito quando chove e ocorram ventos fortes; impossibilidade dos filhos poderem brincar com objectos, nomeadamente papagaios que possam tocar nas linhas), pedem ainda os Réus a condenação da Autora no pagamento de indemnização, a título de danos morais, num total de 1.000.000$00 e juros de mora.

  1. Em resposta a Autora mantém o posicionamento assumido na petição inicial, suscitou incidente de valor relativamente à reconvenção deduzida e concluiu pela improcedência do pedido reconvencional.

  2. Realizada audiência preliminar foi decidido o incidente de valor fixando o valor da acção em 12.000.000$00 e o valor da reconvenção de 8.500.000$00.

    Tendo-se mostrado infrutífera a tentativa de conciliação das partes, foi proferido saneador, fixado o factualismo assente e seleccionados os factos controvertidos a constar da base instrutória.

  3. Realizadas as perícias requeridas foi efectuado julgamento com gravação da prova e após as partes apresentarem as respectivas alegações de direito, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo os Réus do pedido; parcialmente procedente a reconvenção, condenando a Autora a remover as duas linhas de alta tensão que atravessam a propriedade dos Réus, bem como a torre ou poste em que se apoiam, absolvendo-a dos restantes pedidos.

  4. Inconformados, quer a Autora, quer os Réus apelaram da sentença.

  5. Os Réus concluíram nas suas alegações: a) Em datas não anteriores a 1987 (quanto à primeira linha) e não anterior a 1990 (quanto à segunda linha), a A, ora recorrida, entrou na propriedade dos RR e aí implantou duas linhas de transporte de energia eléctrica com 60 Kv cada (linhas de alta alta tensão); b) Fê-lo sem que previamente obtivesse autorização dos RR, ora recorrentes (factos provados n.ºs 9, 10, 11 e 36) c) E contra a vontade destes (factos provados n.ºs 12, 13) d) Fê-lo, ainda, sem que para o efeito obtivesse o prévio licenciamento dessas instalações. Além do mais; e) Nenhuma dessas instalações, até à data, foi objecto de uma declaração de utilidade pública (factos provados n.º 18). Acresce que; f) Desde então, quer funcionários da A quer outras pessoas com ele relacionadas têm entrado no prédio dos RR e aí permanecido, o que já aconteceu por mais de vinte vezes; g) Provado ficou ainda que "a passagem das linhas (...) importa uma desvalorização do prédio" dos RR (facto provado n.º 46); h) A A não tem qualquer direito a implantar as instalações em causa no prédio dos RR, ou de aí entrar ou permanecer; i) Ao fazê-lo, ofende o direito de propriedade dos RR, direito este consagrado no artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa e integrado nos direitos fundamentais, e com sede legal, ao nível do direito ordinário, no artigo 1305.º do Código Civil; j) A ocupação que a A faz do prédio dos RR traduz-se numa restrição, ao direito de propriedade dos RR que a lei não comporta, quer porque não autorizada pelos RR, quer porque não licenciada, quer ainda porque não declarada de utilidade pública pelas entidades competentes; k) A conduta ilícita e culposa da A faculta aos RR o direito a exigir, como exigiam, uma indemnização como ressarcimento dos danos que a ocupação que a A fez do seu prédio lhes causou, nos termos gerais da responsabilidade civil, ou, em alternativa, a título de enriquecimento sem causa da A.

    1. Entendeu-se em primeira instância não ser devida uma tal indemnização, "já que os reconvintes não demonstraram ter sofrido danos em consequência da actuação da A ". Acontece que, nos autos, ficaram provados diversos factos dos quais resulta que houve utilização, não consentida, da propriedade dos RR, por parte da A., que utilizou e utiliza os terrenos para fazer passar as linhas de alta tenção, bem como para aí instalar os postes das mesmas, sendo certo que essas linhas fornecem energia a quase metade da Ilha de S. Miguel.

    2. Ora, pelo fornecimento de energia a A. recebe contrapartidas, aliás que consubstancia o objecto da sua actividade comercial.

    3. Obteve, por isso, um enriquecimento na fruição e uso do prédio em causa.

    4. Ao ocupar uma propriedade deveria, em condições normais, liquidar uma renda por esse ocupação o que não aconteceu.

    5. Ora, a liquidação de uma indemnização que equivale ao pagamento e uma renda mensal de 60.000$00 por cada mês de ocupação é equitativa.

    6. Mesmo que se considere que não existem elementos em quantidade e objecto que permitam ao meritíssimo juiz fixar uma indemnização por danos patrimoniais, estando provado e assenta a existência dos mesmos teria a sentença que relegar o pagamento dos mesmos em sede de liquidação de execução de sentença.

    7. Conforme o disposto no Art.o 661 n.o 2 do C.P.Civil.

    8. Mesmo que se entenda não existir enriquecimento sem causa sempre haverá responsabilidade civil e dever por parte da A. de indemnizar os RR.

    9. Atendendo ao preceituado no artigo 483.º do Código Civil, são pressupostos dessa responsabilidade: a existência de um facto ilícito, imputável ao lesante a título de dolo ou negligência; a existência de um dano; u) No caso vertente, o facto ilícito traduz-se na ocupação indevida pela A do prédio dos RR.

    10. Sendo os danos os já referidos e apurados sob em 14, 20, 38, 39, 40, 42 e, sobretudo, 46 dos factos tidos como provados (desvalorização do prédio dos RR); w) Quanto a este último dano, cuja existência é inequívoca, é, de resto, unânime o entendimento de que a presença de tais linhas acarreta uma desvalorização do terreno onde as mesmas se encontram implantadas, desvalorização essa que é indemnizável e que no caso presente se deverá reportar ao período da ocupação indevida; x) Devendo, no caso presente, reflectir a perda de utilidade que deriva da impossibilidade de habitar a casa dos RR. enquanto durar a ocupação; y) Além disso, conforme dispõe o artigo 564.º do C.C. "o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão"; z) Têm, ainda, os RR o direito a serem indemnizados pelo valor do uso do prédio que a A fez; aa) Tendo esta beneficiado e enriquecido ilegitimamente com tal ocupação, atentos os factos provados sob os n.ºs 22, 23, 25, impossibilitando os RR de habitar na sua casa e diminuindo o valor do prédio destes; bb) Se se considerar que não foi possível apurar qual o exacto valor do enriquecimento obtido pela A com esta ocupação, pelo que deverá a indemnização correspondente ser arbitrada de acordo com a equidade...

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