Acórdão nº 8725/2004-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 15 de Dezembro de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelMANUELA GOMES
Data da Resolução15 de Dezembro de 2005
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa Relatório.

  1. P, intentou, no Tribunal Cível de Lisboa (8ª Vara), acção declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma ordinária, contra a T, SA, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 112.804.098$00 acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

    Alegou o autor, muito em síntese, que fora destituído do cargo de vogal do Conselho de Administração, para o qual havia sido previamente eleito, sem que tal destituição procedesse de justa causa, pelo que tinha direito a ser indemnizado pelo valor correspondente às retribuições mensais que deveria ter auferido até final do período para que foi eleito, ou seja, desde Dezembro de 1999, inclusive, até 31 de Março de 2003, computando-se essas retribuições no montante pedido.

    Citada, a R. contestou para impugnar, na essência, os factos articulados pelo A. E invocou que, tendo em conta a conduta do A. - que, em Novembro de 1999, tinha acordado com a ré a cessação imediata do mandato que anteriormente lhe havia sido concedido como vogal do Conselho de Administração da R. e em Maio de 2000 manifestara a vontade de ocupar novamente o cargo - em reunião da Assembleia Geral da R. ocorrida em 5.06.2000, a accionista majoritária da R.- Kimberley Trading SA, - propôs a destituição, com justa causa, do A. do seu cargo de administrador, cargo que era apenas formal, pois o vínculo entre A. e R. tinha cessado desde Novembro de 1999.

    Terminou, pedindo a improcedência da acção e invocando que o autor alterara a verdade dos factos, pediu a condenação do mesmo, como litigante de má fé, em multa e indemnização a seu favor.

    O autor respondeu, alegando o que consta de fls. 99.

    Elaborado o despacho saneador e enunciada a matéria de facto tida por assente e a controvertida (fls. 111 a 118), realizou-se o julgamento com gravação da prova oral produzida.

    Em 4.02.2004, foi proferida sentença a julgar a acção improcedente e a absolver a ré do pedido, com fundamento em que tendo o autor sido destituído do cargo de administrador, com justa causa, por deliberação tomada em assembleia-geral, deveria ter "atacado" essa deliberação e, como não o fizera tinha a mesma que ser tida por válida e ainda que face aos preceitos do C. das Sociedades Comerciais, um membro de um Conselho de Administração, como era o autor, podia ser destituído por deliberação da assembleia geral, em qualquer momento, e independentemente de justa causa.

    Inconformado com essa decisão, apelou o autor.

    Alegou e, no final, formulou as seguintes conclusões: A)A decisão que a 1ª instância proferiu sobre a matéria de facto deverá ser alterada, ao abrigo do disposto no art. 712º nº1 a) do C.P.C., concretamente no que toca às respostas aos quesitos 4º, 5º e 6º, tendo em conta a reapreciação dos depoimentos das testemunhas indicadas supra em 3.1.1., passando a ter a seguinte redacção:

    1. Quesito 4º: Provado que, na sequência da aquisição do "Grupo Médiacapital", ainda em Nov. 99, o autor ficou ciente de este "Grupo" querer que ele se afastasse do exercício das suas funções, como vogal do conselho de administração, tendo-lhe o Eng. P, Presidente do Conselho de Administração da R. e detentor do controlo accionista daquele "Grupo", comunicado que a R. prescindia imediatamente dos serviços do A. e exigido que se afastasse também imediatamente do exercício das suas funções (o sublinhado representa a alteração à matéria de facto defendida pelo Apelante); b) Quesitos 5º e 6º: Provado que, na sequência dessa transmissão, em Nov. 99, o autor afastou-se do exercício das suas funções junto da ré, deixando a partir dessa data de ir correntemente à empresa, e anuíu em renunciar ao cargo de administrador da T desde que lhe fosse paga uma contrapartida ou indemnização pela cessação antecipada e amigável das suas funções (o sublinhado representa a alteração à matéria de facto que o Apelante sustenta).

    1. O princípio da livre revogabilidade da relação de administração de sociedade anónima não prejudica o direito à indemnização por parte do administrador destituído sem justa causa no decurso do mandato.

    2. A alteração do domínio accionista em sociedade anónima pode justificar a dispensa de administradores por retirada de confiança.

    3. O administrador dispensado em tais circunstâncias vê o seu mandato interrompido sem justa causa e tem, por isso, direito a ser indemnizado.

    4. O A. recorrente foi dispensado - o Grupo Mediacapital não queria no Conselho pessoas indicadas pelo Grupo Bavaria; o A. ficou ciente de que o Grupo adquirente queria que ele se afastasse do exercício das funções de vogal do Conselho de Administração - em Novembro de 1999, data a partir da qual deixou de perceber a retribuição mensal.

    5. A deliberação da assembleia geral de Junho de 2000 visa apenas dar a aparência formal de uma destituição com justa causa, invocando-se para o efeito factos posteriores a Novembro de 99, a que só a conduta da Apelada deu causa e que são consequência evidente da verdadeira destituição então ocorrida, o que também configura um manifesto abuso de direito na modalidade do "venire contra factum proprium" (C. Civil, artº 334).

    6. O A. alegou e provou os prejuízos concretos que para si decorreram da destituição de que foi objecto.

    7. A decisão recorrida fez ainda errada interpretação do disposto nos artigos 191º/4 a 7, 257º, 403º e 430º, todos do Código das Sociedades Comerciais Terminou pedindo que a sentença recorrida fosse revogada e que, julgada a acção parcialmente provada e procedente, fosse a Apelada condenada a pagar ao Apelante a quantia de € 558.953,96, a título de indemnização, acrescida dos respectivos juros, à taxa legal, contados desde a citação até efectivo pagamento.

    A recorrida contra alegou, pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção do decidido.

    Entretanto, a TVI, ao apresentar o seu rol de testemunhas, requereu que o Eng. P, que disse ser Administrador da sociedade ré, fosse "ouvido" à matéria dos artigos 4, 5, 6, 8, 13, 38 e 39 da Base Instrutória, fundando esse requerimento "atento o conhecimento privilegiado que o mesmo tem da matéria em discussão (….), afigurando-se o seu depoimento relevante para o melhor esclarecimento da verdade dos factos e boa decisão da causa, o que se faz tendo em conta o disposto no art. 266º, nomeadamente o nº 2, do CPC" (fls. 125).

    Este segmento do requerimento da ré veio a ser indeferido por despacho constante de fls. 128 e 129, com o fundamento em que tal configurava um depoimento de parte e que este, atentos os seus fins, só é admissível quando requerido pela parte contrária ou, em certos casos, pelos compartes.

    Dizendo-se inconformada com esse despacho, agravou a ré, agravo que foi admitido com subida diferida.

    Relativamente a este recurso, a ré alegou e, no final, formulou as seguintes conclusões: - A ora agravante requereu o depoimento de parte do seu administrador Eng. Paes do Amaral, pôr este ter um conhecimento privilegiado (entenda-se directo) de alguns factos essenciais ao que se discute nos autos, os quais só ele poderá esclarecer; - O despacho recorrido veio entender que o depoimento de parte só é de admitir quando através dele se venha a obter uma confissão relativamente aos factos em discussão, pelo que indeferiu o mesmo, o que não é um entendimento conforme à lei e ao espírito do meio de prova designado por depoimento de parte; - O requerimento de depoimento de parte apresentado foi feito ao abrigo de uma faculdade que assiste às partes num processo, a qual se integra no princípio geral do processo civil que é o princípio da descoberta da verdade (art. 519º do CPC), para o qual está vocacionado o nosso processo civil; - Nada na lei impede o tribunal de admitir um depoimento de parte requerido pela própria parte ou sobre factos que não lhe sejam desfavoráveis; só os efeitos que daí se podem retirar é que devem ser valorados adequadamente pelo tribunal e encontram limites na lei; - O depoimento de parte assenta no pressuposto que as partes têm um conhecimento directo e privilegiado dos factos relevantes à decisão da causa, o que sucede na situação em apreciação, o qual pode conduzir à confissão de alguns desses factos, ou não, mas servindo também para o esclarecimento dos mesmos ou de outros; - O deferimento ou indeferimento da prestação de depoimento de parte deve ser apreciado tendo em conta os princípios da descoberta da verdade e da cooperação e não se através dele se virá ou não a obter uma confissão dos factos articulados; - O objectivo fundamental do depoimento de parte, como resulta do disposto no art. 552º, nº 1, do CPC, é esclarecer factos que interessam à decisão da causa; - O depoimento de parte nunca deveria ser indeferido, uma vez requerido atento o disposto no art. 266º nº 2 do CPC.

    E terminou pedindo a revogação do despacho e a substituição do mesmo por outro que admita o depoimento de parte requerido, "o qual se revela essencial à justa composição do litígio em apreciação".

    O agravado contra alegou, pedindo a manutenção do despacho recorrido, fundado essencialmente não só na circunstância da agravante não ter direito a requerer o seu próprio depoimento, como também na circunstância de, em concreto, o depoimento pedido nem sequer poder contribuir para a descoberta da verdade.

    Como o agravo ficou retido e, no momento de subir, a agravante não esclareceu se mantinha ou não interesse na sua apreciação, convidada, já por este Tribunal, a prestar esse esclarecimento, declarou só ter interesse na sua apreciação, caso o recurso de apelação interposto pelo autor, viesse a proceder.

    Colhidos os vistos legais, cumpriria começar por apreciar o recurso de apelação e, só no caso desta proceder, se apreciaria o recurso de agravo. Porém, antevendo-se que é de dar provimento ao recurso de apelação e porque, por outro lado, a procedência do agravo, poderia determinar a inutilização de todos os actos subsequentes, começaremos por conhecer do recurso de agravo.

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