Acórdão nº 4301/2005-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 19 de Outubro de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelFERREIRA MARQUES
Data da Resolução19 de Outubro de 2005
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO (A), casado, residente ..., em Leiria, instaurou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra Crédito Predial Português, S.A., com sede na Rua Augusta, n.º 237, em Lisboa, pedindo: a) que se declare inconstitucional a interpretação que determina que, sendo a mesma entidade jurídica a tutelar o contrato de trabalho e a reforma, o trabalhador ainda assim possa renunciar, na pendência da relação laboral, a créditos salariais no momento em que negoceia as condições da sua reforma por violação dos artigos 59º n.º 3º, 63º, n.ºs 1 e 4 da CRP; b) que se declare nula por simulada a cláusula terceira do "acordo" remetendo-se, consequentemente, para execução de sentença a quantificação e liquidação de todos os créditos salariais não pagos; c) que seja anulado o negócio por usura, mormente as suas cláusulas terceira e quarta ou pelo menos a sua modificação, nos termos do art. 283º do Código Civil, segundo juízos de equidade e tendo em conta a fórmula de cálculo prevista no art. 13º, n.º 3º da LCCT, por forma a ser a compensação pecuniária atribuída correctamente calculada, a fixar em execução de sentença; d) que o n.º 3º da cláusula terceira seja anulado por erro sobre a base do negócio ou, pelo menos, modificado segundo juízos de equidade, no sentido de se considerar a quitação como apenas respeitante aos créditos efectivamente incluídos no cálculo da compensação pecuniária e não os que ora se peticionam, por destes não ter conhecimento aquando da emissão da declaração negocial em causa.

e) que o Banco Réu seja condenado no pagamento de uma indemnização, por culpa in contrahendo, geradora de responsabilidade civil, em montante não inferior a € 9.975,96 e na quantia de € 85.106,34, a título de recálculo do subsídio de isenção de horário de trabalho, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, à taxa legal, contados desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.

Alegou para tanto e em síntese o seguinte: Prestou trabalho subordinado à Ré desde Fevereiro de 1972, reformou-se em 31/12/2001, com a categoria profissional de subdirector e com o vencimento de nível 16 do ACTV; Teve direito a isenção de horário de trabalho desde 1 de Janeiro de 1984, mas o valor que lhe foi liquidado ao longo dos anos estava errado; A sua remuneração mensal efectiva era constituída por oito componentes: vencimento, diuturnidades, prémio de produtividade e mérito, senhas de gasolina, cartão de crédito para utilização pessoal com plafond anual, uso pessoal do carro de serviço, sem limites, incluindo gasolina e todos os custos, bem como a atribuição da viatura ao fim de 4 anos a custo zero; Todos estes montantes assumiam o cariz de prestações regulares e periódicas e faziam parte integrante da sua retribuição; Da conjugação das cláusulas 54ª, 92ª e 98ª do ACTV dos Bancários resulta que o cálculo da isenção de horário de trabalho para duas horas diárias tem o factor de multiplicação 0,4642 e para uma hora de 0,2142, sendo certo que multiplicando o total da remuneração efectiva mensal por esse factor se encontra o valor da retribuição mensal devida a título de isenção de horário de trabalho; Todavia o Banco Réu para efeitos desse cálculo apenas considerou a remuneração e diuturnidades sem ter em conta os restantes valores que compunham a sua remuneração em dinheiro ou em espécie de forma regular e periódica; Nesse sentido apontou parecer da Inspecção Geral do Trabalho.

Em consequência da maneira errónea como calculou os montantes que lhe foi pagando a título de isenção de horário de trabalho, o Banco entre 1 de Janeiro de 1985 e 31 de Dezembro de 2001 (data da sua reforma) ficou a dever-lhe um montante global de € 85.106,34; Em 30/11/2001, outorgou um acordo com o Banco Réu, na sequência do qual se veio a reformar antecipadamente; Porém, as verbas que nele foram estipuladas apenas visaram em última ratio uma compensação pelo prejuízo que sofreu dada a situação de reforma antecipada a que foi submetido; Ao ver-se pressionado para aceitar a passagem à situação de reforma antes da idade legalmente estipulada viu diminuídos os seus rendimentos mensais; Daí a atribuição de uma verba global pecuniária destinada a compensar tal perda; Não se verificou qualquer remissão abdicativa, sendo certo que se está perante um verdadeiro contrato de adesão mediante o qual a Ré impôs a sua vontade.

O acordo foi igual para todos os trabalhadores que se reformaram, verificando-se os elementos que caracterizam este tipo de contratos, nomeadamente: generalidade, rigidez, natureza de formulário e desigualdade entre as partes; A Ré sempre negociou de má fé violando o disposto no art. 227º do Código Civil, bem sabendo que se encontrava num estado de inferioridade pela óbvia dependência que existia; Tal situação é geradora de responsabilidade civil pela denominada "culpa in contrahendo"; No acordo é feita referência a um atestado médico que apresentou, o qual contudo lhe foi solicitado pela própria Ré, sendo certo que o mesmo devia incluir os motivos que o pudessem levar à situação de reforma; Foi a Ré quem lhe ligou a propor o acordo e não o contrário; Existiu conluio entre ambos no sentido de contornar a lei e permitir a reforma por invalidez a um funcionário que não estava inválido, sendo o terceiro enganado o Fundo de Pensões; Encontram-se preenchidos todos os requisitos necessários à existência de simulação: divergência entre a vontade real e a declarada, acordo ou conluio e intenção de enganar terceiros; A referida simulação determina a nulidade do negócio jurídico celebrado entre ambos; O acordo faz referência a uma compensação pecuniária de montante global, estabelecendo uma presunção nos termos do n.º 4º do art. 8º da LCCT; Todavia estamos no âmbito de um contrato atípico que não se pode enquadrar nessa previsão legal; Todo o acordo é virado para a reforma e não para uma rescisão; Seja como for o referido preceito estabelece uma presunção ilidível, pois de outra forma tal disposição seria absolutamente inconstitucional; Como trabalhador não tinha liberdade para reclamar todos os seus créditos porque continuava ao serviço da entidade empregadora, sendo certo que em face do circunstancialismo concreto foi-lhe coarctada a possibilidade de negociar com a consequente violação à tutela do direito ao salário prevista no art. 59º da CRP; Esse negócio também se encontra afectado de usura uma vez que estava em situação de inferioridade e o Réu obteve benefícios excessivos do negócio, sendo certo que tinha consciência disso quando o celebrou; O Banco Réu conseguiu fazer cessar uma relação laboral, sem justa causa, sem que existisse uma verdadeira situação de invalidez e sem para tal desembolsar a indemnização prevista no n.º 3º do art. 13º da LCCT que seria no mínimo no dobro do valor que efectivamente pagou a título de compensação; Desta forma, o negócio é anulável ou no mínimo modificável segundo juízos de equidade tendo em conta o disposto no n.º 3 do art. 13º da LCCT, uma vez que desconhecia os direitos que lhe assistiam à data em que celebrou o acordo, dos quais só tomou conhecimento após o parecer da IGT, não podia renunciar a direitos que desconhecia, havendo, pois, que excluir a verificação de uma remissão abdicativa na cláusula quarta do acordo; O Banco Réu agiu de má fé, sendo certo que tal conduta gera obrigação de indemnizar por responsabilidade pré contratual; Verifica-se também uma situação de erro sobre a base do negócio, visto que à data em que o celebrou desconhecia a existência dos créditos relativos à isenção de horário de trabalho que ora peticiona; É patente que só aceitaria admitir a declaração de remissão constante do n.º 3º da cláusula 4ª do acordo se achasse que não tinha direito a outros créditos salariais; Não podia dar quitação dum crédito cuja existência desconhecia; As circunstâncias erradas eram comuns ao Réu, (visto que outro entendimento implicaria a sua má fé), sendo certo que o erro em apreço é relevante; Esta situação gera a anulabilidade do negócio ou a sua modificação segundo juízos de equidade no que concerne ao n.º 3º da cláusula quarta.

O Banco Réu contestou a acção, alegando em síntese o seguinte: Em 30/11/2001, celebrou com o A. um acordo no qual reconheceram a sua situação de invalidez e em virtude dela fizeram cessar o contrato de trabalho que os vinculava; Para cálculo da pensão de reforma do Autor atribuiu-lhe o nível remuneratório 16 e reconheceu-lhe 37 anos de antiguidade; Foi igualmente acordado que após a cessação do contrato de trabalho o Autor continuaria a beneficiar de todos os créditos concedidos nas condições preferenciais para os trabalhadores da Ré; No supra citado acordo declarou pagar ao Autor um montante a título de compensação pecuniária de natureza global líquido de impostos e de quaisquer taxas; Naquela compensação pecuniária foram incluídos e liquidados todos os créditos do Autor emergentes do contrato de trabalho, já vencidos à data da sua cessação ou exigíveis em virtude da mesma; Em 31/12/2001, pagou ao A. o valor daquela compensação, sendo certo que o mesmo "se declarou integralmente pago de todos os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação" pelo que lhe deu "no que respeita a tais créditos, quitação total e plena"; A negociação desse acordo foi feita de forma livre e não determinada nem tão pouco caracterizada por qualquer pressão, ameaça ou constrangimento; Abordou a negociação de boa fé e no respectivo âmbito foram abordadas as suas condições de reforma, designadamente o valor da pensão de reforma que lhe seria atribuído; A negociação foi levada a cabo na perspectiva de que com a celebração do acordo seriam extintos os créditos emergentes do contrato de trabalho; Apenas após ter cessado o contrato que o vinculava ao Autor é que lhe pagou a prestação acordada; O A. nunca lhe exigiu a...

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