Acórdão nº 33569/2005-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Junho de 2005

Magistrado ResponsávelPIMENTEL MARCOS
Data da Resolução14 de Junho de 2005
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

Vem o presente recurso de agravo interposto da douta decisão de 21/9/04 que julgou o tribunal cível competente em razão da matéria para o conhecimento de uma acção de responsabilidade civil proposta contra o Estado, nos termos do artigo 22º da CRP, por alegados actos ilícitos praticado no exercício da função jurisdicional por uma magistrada judicial e por uma magistrada do M. Público.

O Engº R... propôs uma acção contra o Estado para ser indemnizado pelos danos que terá sofrido em resultado da sua constituição como arguido em processo crime, da acusação que lhe foi imputada pelo MP pelos crimes de peculato e de violação de normas de execução orçamental e da pronúncia contra si proferida pelo crime de peculato, no processo nº 76/99 que correu termos na 3ª secção da 3ª Vara Criminal de Lisboa.

E pediu que o R fosse condenado a pagar-lhe a quantia de 982.500,00 euros, como indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais (que descrimina).

O Estado (representado pelo MP) deduziu a excepção de incompetência do tribunal cível, em razão da matéria, por, segundo ele, serem os tribunais administrativos os competentes para a apreciação e julgamento da matéria invocada e relativa ao pretenso erro judiciário na parte que diz respeito aos actos praticados por uma magistrada do Ministério Público no exercício das suas funções.

O MP alegou, em síntese, para o efeito: O A. vem demandar o Estado Português com o fundamento em prejuízos que lhe teriam sido provocados em consequência de erro grosseiro e manifesta ilegalidade na sua constituição como arguido e na dedução, contra o mesmo, de acusação penal pelos crimes de peculato e de violação de normas de execução orçamental por parte de uma magistrado do Ministério Público e erro grosseiro e manifesta ilegalidade no proferimento contra o mesmo de despacho de pronúncia por parte de uma magistrado judicial, relativamente ao referido crime de peculato.

Estabelece o art. 4º nº 1 al. g) do ETAF (na redacção dada pelas leis 13/2002, de 19.2, e 107-D/2003, de 31.12) que compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação dos litígios que tenham por objecto questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa.

Em matéria de responsabilidade civil resultante da função jurisdicional, apenas se exclui da competência dos tribunais administrativos e fiscais, nos termos do disposto no nº 3- al. a) do referido preceito, a apreciação das acções de responsabilidade por erro judiciário cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdições, bem corno das correspondentes acções de regresso.

O que está em causa é um pedido de indemnização por alegados prejuízos provocados por actos judiciários pretensamente praticados com suposta negligência grosseira, por parte de uma magistrada do Ministério Público e de uma magistrada judicial.

Ora, se o despacho de pronúncia proferido por um magistrado judicial se deve, sem dúvida, integrar no âmbito da previsão do art. 4º, nº 3 a) do ETAF, já o mesmo se não verifica relativamente aos prejuízos alegadamente provocados ao A. pela magistrada do Ministério Público que deduziu contra ele acusação e determinou a sua constituição como arguido, actos estes que o mesmo também qualifica de ilícitos e baseados em erro grosseiro.

Presentemente, é da competência dos tribunais administrativos e fiscais o conhecimento de quaisquer acções de indemnização propostas contra o Estado Português com base em pretensos actos ilícitos praticados por magistrados do Ministério Público em processo penal, seja com base em dolo ou negligência grosseira, seja com base em negligência simples.

O A., ao intentar a presente acção, embora formulando um pedido unitário de indemnização, baseia-o em duas causas de pedir diversas, ainda que conexionadas - dois pretensos actos ilícitos praticados por uma magistrada do Ministério Público e um pretenso acto ilícito praticado por uma magistrada judicial.

Embora seja compreensível que o A. tenha optado por formular um único pedido de indemnização, o certo é que não são coincidentes os danos que alegadamente para ele resultaram da acusação e da pronúncia, pois se tratou de factos perfeitamente distintos, processual e temporalmente, cada um deles em as suas consequências específicas na esfera jurídica patrimonial e pessoal do autor, segundo a sua óptica Recorreu o autor à figura jurídico-processual da cumulação de pedidos prevista no art. 470º, nº 1 do CPC, deduzindo, cumulativamente, contra o Estado Português, dois pedidos autónomos, embora somando, numa única verba global, o montante dos prejuízos por ele pretensamente sofridos, sem distinguir os que supostamente lhe foram provocados pela actuação do Ministério Público dos que supostamente lhe foram provocados pela magistrada judicial.

**O A. pugna pela improcedência dessa excepção, considerando que a actividade do Ministério Público neste âmbito se integra no quadro da função jurisdicional do Estado, exercida por órgãos que a Constituição integra sob a designação de tribunais.

E diz ainda que prevê o art.º 4.º/1/g do ETAF que compete aos tribunais de jurisdição administrativa e fiscal a apreciação dos litígios que tenham por objecto questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa.

Mas acrescenta que se exclui essa competência quanto à responsabilidade civil resultante da função jurisdicional por erro judiciário cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdições, bem como as competentes acções de regresso.

**Por despacho de 21.09.2004 foi julgada competente para o conhecimento da causa a 14ª Vara Cível da comarca de Lisboa (e, portanto, incompetentes os tribunais administrativos).

Dele recorreu o Estado, formulando as seguintes conclusões: 1 - Nos termos dos arts. 202º e 203º da Constituição da República Portuguesa, o exercício da função jurisdicional cabe a órgãos de soberania independentes, os tribunais, sendo os juizes os seus únicos titulares (principio da reserva do juiz).

2 - O Ministério Público é um órgão autónomo de administração da justiça; não é uma autoridade jurisdicional, nem pertence ao poder judicial; também não pertence ao tribunal embora funcione junto dele e com ele colabore.

3 - Há até quem entenda que o Ministério Publico é um serviço integrado no poder executivo que auxilia a administração da justiça; nesta concepção, o Ministério Público é apenas um auxiliar da justiça, a qual está reservada aos tribunais.

4- Não sendo as decisões do Ministério Público jurisdicionais, nem pertencendo o mesmo ao tribunal, não funciona a exclusão prevista no artº 4º, nº 3, al. a), do E.T.A.F. aprovado pela Lei n.º 13/2000, de 19/2.

5- Como também não funciona a exclusão prevista no art.º 4º, nº2, al. c), daquele Estatuto, visto "in casu" estar em causa uma acção de responsabilidade civil fundamentadora de um pedido de indemnização por um suposto erro judiciário e não a impugnação de uma decisão do Ministério Público.

6- Estando em causa nos presentes autos e neste recurso um pedido de indemnização por alegados prejuízos provocados por actos judiciários pretensamente ilícitos praticados com manifesta ilegalidade e/ou erro grosseiro - a constituição do ora Autor como arguido e o exercício da acção penal contra o mesmo - por uma magistrada do Ministério Público num processo-crime e, portanto, investida de um poder de autoridade e com vista à realização de um interesse publico definido no Cód. de Processo Penal, a competência em razão da matéria para conhecer de tal pretensão cabe aos tribunais administrativos - artº 4º, nº 1 e nº 3, al. a), este último "a contrario", do E.T.A.F., aprovado pela Lei nº 13/2000, de 19/2.

7- Neste ponto, o presente tribunal é absolutamente incompetente, em razão da matéria, pelo que o Réu deverá ser absolvido da instância - arts.101º, 105º, nº 1, 288º, nº 1, al. a), 494º e 493º, nº 2, todos do Cód. de Processo Civil.

8- A douta decisão recorrida infringiu, assim, o disposto no sobredito artº 4º, nº 1 e nº 3, al. a), este último "a contrário", do Estatuto dos...

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