Acórdão nº 10554/2004-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 02 de Junho de 2005

Magistrado ResponsávelFERREIRA MARQUES
Data da Resolução02 de Junho de 2005
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO Bragaparques-Estacionamento de Braga, Lda, impugnou judicialmente a decisão do Instituto do Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho [IDICT], que lhe aplicou uma coima no valor de € 6.000,00, pela prática do ilícito contra-ordenacional previsto e punido pelos arts. 4º, n.º 1 da Lei n.º 20/98, de 12/5, 144º, n.ºs 4 e 7 do DL 244/98, de 8/8, 7º, n.º 4 al. c) e 9º, n.º 1, al. c) do RGCOL.

O Tribunal do Trabalho de Lisboa [TTL], julgou parcialmente procedente o recurso interposto pela recorrente, mas manteve a coima de € 6.000,00 que lhe foi aplicada pelo IDICT.

Inconformado, o MºPº interpôs recurso da referida sentença, tendo sintetizado as suas alegações nas seguintes conclusões: 1ª) - Em primeira ratio suscita-se a questão da nulidade do procedimento adoptado pelo M.mo juiz de 1ª instância para tomar a decisão aqui em apreço, designadamente através de simples despacho; 2ª) - Pois, "os casos em que o juiz deverá decidir por despacho terão de ser casos em que a decisão final não dependa da realização de diligências de prova" - cfr. "Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 2ª Ed. Editora Vislis, pág. 376; 3ª) - Ora, no caso aqui em apreço, a arguida e recorrente só não se opôs a que a decisão fosse proferida nesses termos porque, de acordo com os princípios que norteiam a tomada de deliberação por simples despacho judicial, sempre considerou que Mmo juiz a quo iria fundamentar a sentença com base, apenas, na matéria de direito em discussão; 4ª) - No entanto, a verdade é que, o tribunal a quo, em clara violação dos princípios que norteiam a tomada de deliberação por simples despacho judicial, acabou por fundamentar parte da decisão ora em apreço com base na matéria de facto, acabando por dar apenas como provados os factos constantes da decisão administrativa, sem cuidar sequer de saber da veracidade dos factos alegados pela arguida e recorrente; 5ª) - De resto, se o Mmo juiz a quo pretendia atender à matéria de facto, para decidir alguma questão em apreço, não devia, nem podia ter decidido por simples despacho, pois precisava de dar oportunidade à aqui arguida para provar os factos por si alegados; 6ª) - Assim, coma não realização da audiência e discussão de julgamento, não se diligenciou pela inquirição das testemunhas arroladas pela arguida para fazer prova dos factos por si alegados, diligência essencial para a descoberta da verdade; 7ª) - Desta forma, descuraram-se, em absoluto, todos os factos alegados pela arguida em sua defesa para fundamentar quer o seu pedido de atenuação especial da punição, quer o seu pedido, subsidiário, de aplicação da coima pelos seus limites mínimos; 8ª) - Nesta conformidade, o tribunal a quo, preteriu formalidades essenciais à descoberta da verdade, o que consubstancia uma nulidade prevista 120º, n.º 2, al. d) do CPP e, por consequência, no art. 379º, n.º 1, al. c) do CPP, nulidade que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais; 9ª) - Salvo o devido respeito, a arguida e recorrente discorda também da decisão da matéria de facto, da mesma forma que não se conforma com a fundamentação e com a decisão da matéria de direito; 10ª) - Em relação à decisão da matéria de facto, é entendimento da aqui arguida que o Mmo juiz a quo, pelo menos, devia ter dado também como assentes os seguintes factos: a) Que a situação de ilícito verificada e dada como provada não resultou de qualquer conduta dolosa da arguida; b) Que a arguida não usou coacção, falsificação, simulação ou outro meio fradulento; c) Que a arguida não retirou qualquer benefício económico com a prática de semelhante irregularidade; d) Que a arguida, logo que tomou conhecimento da irregularidade, promoveu de pronto a respectiva sanação; e) Que não foi causado qualquer prejuízo ao trabalhador, à administração do trabalho ou à Segurança Social; f) Que foi a primeira vez que a arguida foi autuada por ter praticado a irregularidade em causa; 11ª) - Com efeito, todos estes factos são relevantes para a boa decisão da causa, designadamente para determinar as circunstâncias que rodearam a prática da infracção aqui em apreço e, resultam não só da proposta de decisão administrativa e da respectiva decisão administrativa ora em crise (que remete para a proposta), como também foram alegados pela arguida/recorrente na impugnação judicial que apresentou; 12ª) - Em relação à fundamentação e à decisão da matéria de direito, a arguida, em primeira ratio discorda da interpretação que o tribunal a quo dá ao art. 5º, n.º 2 do DL 100/2000, de 2/06; 13ª) - Na fundamentação da decisão ora em crise o Mmo juiz a quo começa por referir que a arguida não tem razão ao postular que perante a infracção contida, o inspector de trabalho apenas lhe deveria ter levantado um auto de advertência, nos termos do n.º 2, do art. 5º do DL 100/2000, de 2/6, sustentando, para o efeito que, o referido normativo apenas determina que o inspector do trabalho poderia levantar auto de advertência, mas tal não significa que assim tenha de ser; 14ª) - Mais, refere que, "se o legislador pretendesse que, perante uma irregularidade sanável, o inspector do trabalho levantasse auto de advertência tê-lo-ia dito, bastando, para o efeito, substituir o vocábulo "pode" constante de normativo legal, pelo vocábulo deve e, não o fez porque entendeu deixar nas mãos da inspecção do trabalho a faculdade de optar (ou não) por essa medida".

  1. ) - Ora, a seguir este entendimento, a utilização deste instituto poderia fazer-se de forma absolutamente arbitrária, indiscriminada, anárquica e injusta. Bem ao invés, a verdade é que, quando a lei atribui um poder discricionário, como acontece na situação sub judice, de imediato, afasta a arbitratriedade; 16ª) - De resto, nos termos do disposto no art. 5º, n.º 1 do DL 100/2000, de 2/6, sob o título "Acção de informação e orientação", que "a Inspecção Geral do Trabalho exerce a acção inspectiva com a finalidade de assegurar o cumprimento das disposições integradas no seu âmbito de competência e com vista a promover a melhoria das condições de trabalho, prestando a entidades patronais e a trabalhadores, ou ás respectivas associações representativas, nos locais de trabalho ou fora deles, informações, conselhos técnicos ou recomendações sobre o modo mais adequado de observar essas disposições".

  2. ) - E, o n.º 2 desse mesmo artigo do citado diploma estatui que "quando a contra-ordenação consistir em irregularidade sanável e da qual ainda não tenha resultado prejuízo irreparável para os trabalhadores, para a administração do trabalho ou para a Segurança Social, o inspector do trabalho pode levantar auto de advertência, com a indicação da infracção verificada, das medidas recomendadas ao infractor e do prazo para o seu cumprimento"; 18ª) - Tais disposições traduzem, assim, a consagração legislativa de um princípio orientador da actividade inspectiva do trabalho enunciado no preâmbulo do referido DL 100/2000, nos termos seguintes: "Em harmonia com as convenções da OIT e de acordo com uma tradição consolidada, o inspector do trabalho, uma vez verificada a infracção e em determinadas circunstâncias, pode levantar auto de advertência em lugar de prosseguir a acção sancionatória. A admissibilidade do auto de advertência, com o consequente afastamento da sanção, implica um critério legal...

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