Acórdão nº 51/05.9TBCBR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Novembro de 2010

Magistrado ResponsávelMOREIRA CAMILO
Data da Resolução02 de Novembro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA A REVISTA Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES Doutrina: - Pires de Lima e A. Varela (in “Código Civil Anotado, Vol. II, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 34”). Pires de Lima e A. Varela (in “Ob., cit., Vol. I, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 330”).

Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 257.º, N.º1, 289.º, N.º1, 352.º, 353.º, 355.º, NºS 1 E 4, 357.º, Nº 1, 358.º, Nº 2, 364.º, N.º 1, 373.º, N.º3, 376.º, Nº 1, 374.º, Nº 1 – FINÉ –, E 376.º, NºS 1 E 2, 410.º, N.º2, 513.º, 524.º, 787.º CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 661.º, Nº 1, 664.º DECRETO-LEI Nº 237/2001 DE 30/8: – ARTIGO 6.º Jurisprudência Nacional: ASSENTO Nº 4/95 DESTE STJ, DE 28.03.1995 (D.R., I-A, DE 17.05.1995, BMJ 445º-67 E CJ/STJ, 1995, 1º, PÁG. 17). Sumário : I - Celebrado um contrato-promessa de compra e venda entre mãe e filho, na qualidade de promitentes-vendedores, e uma sociedade comercial, na qualidade de promitente-compradora, que tem por objecto um imóvel de que aqueles são comproprietários, foi o mesmo declarado inválido por incapacidade acidental da promitente-vendedora, nos termos do artigo 257º, nº 1, do CC.

II - Em consequência da sua declaração de anulabilidade, e atento o disposto no artigo 289º do CC, deverão ambos os promitentes-vendedores ser condenados solidariamente a restituir à promitente-compradora a quantia recebida, aquando da outorga do contrato, a título de sinal e princípio de pagamento, independentemente de a entrega desse montante ter sido feita a ambos ou apenas a um deles.

III - Não afasta a sua responsabilidade o facto de, atenta a sua incapacidade, a quitação dada no contrato não produzir, relativamente a ela, quaisquer efeitos jurídicos, face ao disposto no artigo 373º, nº 3, do CC.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – Na Vara Mista de Coimbra, AA-“L... – Imobiliários, Lda”, em acção com processo ordinário, intentada contra BB e CC, pediu que, com a procedência da acção: a) – seja proferida sentença que, nos termos do artigo 830º do Código Civil, produza os efeitos da declaração negocial em falta pelos Réus; b) – ou, em alternativa, seja determinada a restituição à Autora do sinal em dobro, com as legais consequências.

Para o efeito, alegou, em síntese, o seguinte: Os Réus são donos e legítimos possuidores do prédio urbano constituído por casa de habitação, rés-do-chão, 1º andar e sótão com logradouro, sito na Rua A... de M..., freguesia de S... C..., concelho de Coimbra, inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob a ficha nº .../....

Por contrato escrito (por todos assinado) celebrado, em 12.04.2004, os Réus prometerem vender à Autora, e esta prometeu comprar-lhes, aquele prédio, pelo preço de € 175.000,00 (por manifesto lapso, a Autora escreveu “175.000,000€”).

Nessa altura, ficou acordado que, logo ali, a Autora entregaria aos Réus, a título de sinal e princípio de pagamento, o montante de € 150.000,00 (como veio a suceder), e que a parte restante do preço acordado seria paga aquando da outorga da escritura de compra e venda do contrato prometido, assim como a entrega das chaves, a realizar, sem dilações, até ao dia 31.05.2004, e a marcar pela Autora.

Tendo esta marcado, para o efeito, o dia 28.05.2004, veio, contudo, a receber, uma semana antes (a 21.05.2004), uma carta (cuja cópia juntou a fls. 11) remetida pelos Réus, invocando a impossibilidade de presença física da Ré CC, devido a doença súbita desta, e a solicitar uma prorrogação do prazo acordado, para a celebração da escritura, por mais de dois meses, ao que a Autora acedeu.

Porém, decorrido tal prazo, nunca mais os Réus se predispuseram a realizar a aludida escritura pública do contrato prometido, apesar das diversas insistências feitas para o efeito junto dos mesmos pela Autora, e não obstante continuarem na posse daquela importância que esta última lhes entregou a título de sinal.

Procedeu-se à citação dos Réus, acabando a Ré CC por sê-lo na pessoa de um curador especial – DD –, que lhe foi nomeado, com o fundamento de a mesma ser portadora de anomalia psíquica que a impedia de receber tal citação, e que a passou a representar para os termos da acção.

Só a referida Ré apresentou contestação, defendendo-se por excepção e por impugnação, alegando, resumidamente, o seguinte: Ocorre falta de autenticidade de documentos e falsidade da assinatura da Ré no contrato-promessa, tendo sido junta mera cópia do mesmo, não sendo da Ré a assinatura aposta no contrato-promessa, tal como também é falsa a aposta com o seu nome na carta junta a fls. 11.

A Ré não consegue ler e sofre de doença, devendo a sua assinatura ser reconhecida perante notário, o que não ocorreu, tendo sido preteridas as formalidades exigidas pelo artigo 410º, nº 3, do Código Civil.

A Ré, pessoa há vários anos doente do foro psiquiátrico, não tinha, nem tem, capacidade de discernimento e entendimento para compreender o alcance dos seus actos e dos actos de quem interage consigo, sendo que, nas fases agudas da sua doença, fica incapaz de governar a sua vida, o que é notório.

O imóvel em causa constitui a sua casa de habitação, não tendo a Ré outra onde morar, estando o r/c arrendado há mais de vinte anos, sendo que é com a respectiva renda que a Ré provê ao seu sustento.

A ter sido celebrado e por si assinado o tal contrato, ocorre, assim, incapacidade acidental da Ré, com a consequente anulação do negócio ou, ao menos, erro sobre o objecto do negócio e falta de consciência da declaração ou erro na declaração.

Não deve ocorrer condenação da Ré na devolução da quantia aludida de sinal, pois que nunca lhe foi prestada.

Foram omitidas as formalidades legais a que alude o artigo 410º, n.º 3, do Código Civil, ao ser preterido o reconhecimento presencial das assinaturas apostas no contrato-promessa e ao não se atestar a existência de licença de utilização.

Foram também omitidas formalidades essenciais para a eficácia real da promessa (artigo 413º do Código Civil), pois que se está perante documento particular, não tendo sido efectuado o respectivo registo, pelo que ao contrato-promessa em causa mais não poderá ser reconhecido do que eficácia obrigacional.

Continuando a pressupor que o negócio aludido pela Autora foi realmente celebrado, a Ré foi vítima de usura, mediante plano gizado pelo sócio gerente da Autora e pelo filho da Ré, o aqui co-Réu, no intuito de enriquecerem à sua custa, sendo que o valor do prédio tem um valor real que, no mínimo, é o dobro daquele pelo qual alegadamente foi prometido vender.

Por outro lado, seu filho é viciado no jogo desde os 17 anos de idade, com dívidas que não conseguia liquidar, tendo, também ele, sido vítima do escopo lucrativo da Autora, que se aproveitou da sua fragilidade, situação de necessidade, dependência e fraqueza de carácter devido ao vício, de jogo compulsivo, de que sofre.

Também por aí o negócio deve ser anulado, ao abrigo do disposto no artigo 282º do citado Código.

A entender-se ser válido, o incumprimento do contrato-promessa é imputável à própria Autora, que não comunicou dia, hora e cartório para a outorga da escritura pública de compra e venda, nem sequer marcando a mesma.

A sobredita carta junta a fls. 11 foi objecto de reconhecimento de assinaturas por semelhança, reconhecimento esse que, por ser efectuado por advogada-estagiária, é nulo.

O prazo para a realização do contrato prometido é um prazo absoluto, não tendo sido alterado por escrito, pelo que a sua inobservância determina incumprimento contratual pela Autora.

Por fim, e para a eventualidade de o contrato-promessa vir a ser considerado válido, deduziu ainda a Ré reconvenção, alegando, no essencial, que o negócio, a ter sido celebrado, foi incumprido pela Autora, ao não ter procedido, como estava obrigada, à marcação da escritura pública no prazo que impreterivelmente foi estipulado no contrato, pelo que, nessa medida, e para o caso de se provar que a Ré recebeu a respectiva quantia, deverá, por incumprimento da Autora, esta perder o sinal que entregou.

Pelo que, por tudo o exposto, terminou a Ré pedindo: - A improcedência da acção, mediante a procedência da matéria de excepção deduzida; - Para o caso do contrato-promessa vir a ser declarado válido e eficaz, a procedência da reconvenção, declarando-se então resolvido o referido contrato por facto imputável à Autora, condenando-se esta na perda do sinal, caso se prove que entregou qualquer quantia à Ré a esse título; - Em qualquer dos casos, a condenação da Autora como litigante da má fé, em multa e indemnização, esta a favor da Ré, pelos danos causados, que deverá consistir no reembolso das despesas com o presente processo, incluindo os honorários da advogada e do patrono nomeado, relegando-se para execução de sentença a determinação do seu montante; - Caso venha a proceder a presente acção, sendo ordenada a execução específica do contrato-promessa, ser condenada a Autora a depositar o valor real atribuído ao imóvel, sob pena de locupletamento à custa da Ré; - Se, em alternativa, for ordenada a resolução do contrato, não ser a Ré condenada a restituir o dobro do sinal, em virtude de nenhuma quantia lhe ter sido entregue a esse título.

Houve réplica. A final, foi proferida sentença, nos termos da qual, julgando-se a acção apenas parcialmente procedente, por só em parte provada, se decidiu: “a) – se declara a excepcionada anulabilidade do contrato promessa de compra e venda sub judice, celebrado entre a A., AA-“L…, Ld.ª”, e os RR., BB e CC, em 12/04/2004, por via de incapacidade acidental daquela R. CC; b) – condenando-se os RR., por força do efeito retroactivo da anulação desse contrato, a restituir à A. a quantia entregue, e inferior ao peticionado, de 150.000,00 euros (cento e cinquenta mil euros), referente ao sinal prestado; No mais, julgando-se improcedente a acção, por não provada, vão os RR. absolvidos do contra si peticionado.

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