Acórdão nº 00S1673 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Setembro de 2000
Magistrado Responsável | ALMEIDA DEVEZA |
Data da Resolução | 27 de Setembro de 2000 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: I - A, com os sinais dos autos, intentou acção com processo ordinário contra «B, Lª», também nos autos identificada, pedindo que: 1) seja declarado nulo o despedimento com que foi sancionado; 2) a R seja condenada a: a) reintegrar o A ao seu serviço; - b) a pagar-lhe: as retribuições que teria auferido desde a data do despedimento até à da sentença; 8314 US Dollars; 4366315 escudos relativos a retribuição de férias e compensação monetária em substituição do gozo de férias; juros de mora desde o vencimento e até integral pagamento. Alegou, em resumo, que exerceu a sua actividade para a R desde 17/11/981, para o exercício das funções relativas à categoria de "pipefiter", através da celebração de contrato, na forma de prestação de 28/28 dias ( 4 semanas de trabalho efectivo em Malongo, seguidas de 4 semanas em Portugal ), o qual foi objecto de sucessivas renovações anuais, sendo a última pelo prazo de 6 meses e celebrado em 1/4/997; a R, por carta de 26/12/996, com efeitos a partir de 30/9/997, comunicou ao A a cessação da relação laboral, sem colocação prévia e em alternativa em qualquer outro posto de trabalho, tendo o seu lugar sido ocupado por outro trabalhador, entretanto admitido para o efeito; não lhe foi paga qualquer quantia a título de férias ou de compensação pela falta de gozo das mesmas; os Tribunais portugueses são internacionalmente competentes para conhecimento do litígio; o contrato rege-se pelo direito angolano - a LGT e o Decreto nº 16/84, de 24/8 --, não lhe sendo aplicável o Estatuto do Cooperante ( por não Ter sido recrutado pela Secretaria de Estado da Cooperação em colaboração com o Ministério da Tutela; falta de homologação do contrato por tal Secretaria de Estado; o salário ser auferido em parte na moeda angolana; não prestação de caução em moeda convertível ); que o contrato se converteu em contrato por tempo indeterminado por ter ultrapassado o limite de 3 anos previsto nos arts. 34º e 35º do citado Decreto - extinção do posto de trabalho e inexistência na empresa de outro posto para colocação do A; violação pela R do direito a férias do A, direito esse consagrado nos arts. 130º da LGT, 19º, nº2 do Dec. 30/87, de 25/9 e Despacho nº 65/91, de 5/7. A R contestou, pedindo a improcedência da acção no que se refere ao despedimento, por inexistência deste à data em que a acção foi proposta; a relação laboral cessou por caducidade, de acordo com o Estatuto do Cooperante. Invocou, ainda, a caducidade do eventual crédito por violação do direito a férias referente aos anos de 1982 a 1995, atento o disposto no art. 165º da LGT, que estabelece a caducidade do direito no prazo de 6 meses após a data do conhecimento dos factos que fundamentam a pretensão; procedeu ao pagamento de 12 salários durante o ano, daí que o mês de férias se encontre pago; o A gozou férias nos termos contratados pelas partes;não se encontra obrigada ao pagamento do subsídio de férias. No Saneador Sentença a acção foi julgada procedente apenas quanto ao pedido de compensação monetária pelo não gozo de férias após 1996, condenando-se a R a pagar ao A a quantia de 936700 escudos, com juros de mora desde os vencimentos ( 31/12/996 e 30/9/997 ). Mais se decidiu ter sido lícita, por caducidade, a cessação do contrato; e encontrar-se extinto por caducidade o direito do A à compensação monetária pelo não gozo de férias. Desta decisão apelaram A e R. A Relação decidiu da forma seguinte: Negou procedência à apelação do A; Concedeu parcial procedência à apelação da R condenando esta a pagar ao A a quantia de 819612 escudos pela compensação do não gozo de férias, por relativamente ao ano de 1997 serem devidos apenas 9/12 do salário de 468350 escudos. II - Do acórdão da Relação recorreram de Revista o A e a R. II - A - Revista do A O A concluiu as suas alegações da forma seguinte: 1) Admitido ao serviço da recorrida em 1981, jamais esteve o recorrente sujeito ás disposições da Lei ( angolana ) nº 7/86, de 29/3, ( Estatuto do Cooperante ) e respectivo diploma complementar, não tendo, por isso, a recorrida dado cumprimento a qualquer dos requisitos previstos naqueles diplomas legais; 2) A recorrida oportunamente requereu a não sujeição dos seus trabalhadores portugueses ao sobredito "Estatuto"; por outro lado 3) Tendo o recorrente celebrado o seu contrato de trabalho em Malongo, Angola, jamais poderia ser considerado como "contratado" em país estrangeiro, como exige que o seja a Lei 7/86, uma vez que deve o intérprete presumir que o legislador angolano soube exprimir correctamente o seu pensamento ( nº3 do art.9º do C. Civil vigente em Angola ); 4) Não se encontrando a relação laboral do recorrente sujeita a regime especial, é aplicável ao contrato existente entre o recorrente e a recorrida o regime da Lei Geral do Trabalho angolana ( art. 1º, nº3 da Lei 6/81, de 29/8); 5) A rescisão do contrato de trabalho, operada pela comunicação da recorrida, é, de acordo com o disposto no art. 35º da Lei 6/81, conjugado com o art. 15º do Dec.-Lei 16/84, de 24/8, nula, uma vez que o posto de trabalho do recorrente não foi extinto nem àquele foi proposto qualquer novo posto de trabalho na recorrida; 6) Sendo nula a rescisão, tem o recorrente direito à reintegração na recorrida e ao pagamento de todas as retribuições vencidas após a data da rescisão; 7) Mesmo admitindo por mera hipótese de raciocínio que o recorrente se encontrava sujeito ao "Estatuto do Cooperante", mesmo então se teria de concluir pela aplicação ao seu caso dos indicados normativos da Lei Geral do Trabalho angolano e diploma complementar; 8) Com efeito a Lei 7/86 ( Estatuto do Cooperante ) e respectivo diploma complementar ( Dec. 12/86, de 14/6 ), não contém qualquer disposição própria relativamente ao limite máximo de renovação de contratos a termo; 9) Inexistindo normativo próprio no "regime especial" dos Cooperantes, tem a lacuna de ser suprida pelo recurso às disposições especiais da Lei Geral na matéria; 10) Porque renovado por período superior a três anos, converteu-se o contrato do recorrente em contrato sem prazo, insusceptível, por isso, de ser atingido pela caducidade relativa ao mero decurso do prazo; 11) Sendo o contrato do recorrente por duração indeterminada, é nula, pelos fundamentos acima expostos, a rescisão por iniciativa da recorrida; 12) Julgando validamente operada a caducidade pelo decurso do prazo do contrato do recorrente, viola o acórdão recorrido as mencionadas disposições legais; 13) Acresce que a tese perfilhada pelo acórdão recorrido consagra uma intolerável discriminação em função da nacionalidade; 14) De acordo com o mesmo princípio, o recorrente, porque nacional português, somente poderia trabalhar mediante contrato a prazo, estando a protecção da lei angolana inerente à contratação por duração indeterminada, reservada aos nacionais angolanos; 15) Semelhante discriminação, "colide grosseiramente com concepções básicas do direito nacional", justificando que, pelo recurso ao mecanismo da reserva de ordem pública internacional do Estado português ( nº2 do art.22º do C. Civil ), sejam aplicáveis ao caso dos autos as mencionadas disposições da Lei Geral do Trabalho e Dec. 16/84; 16) A rescisão do contrato de trabalho do recorrente, também por esta via, terá de ser julgada nula, com as consequências daí decorrentes; 17) Resulta do art. 2º do Decreto executivo 30/87 que é nulo e de nenhum efeito todo o acordo que contrarie o princípio da irrenunciabilidade do direito a férias consagrado no mesmo diploma; 18) O acordo, tácito, existente entre recorrente e recorrida até à propositura da presente acção é, ,pois, nulo e de nenhum efeito, podendo a nulidade ser invocada a todo o tempo; 19) Por outro lado, o facto de que emerge o direito à compensação é duradouro apenas cessando com a própria cessação do contrato, não estipulando o Despacho 65/91 qualquer momento para o vencimento do direito, pode o mesmo ser exercitado nos seis meses subsequentes à referida cessação; 20) Acresce, finalmente, que não era exigível ao recorrente que, para obter o pagamento da compensação de férias, pusesse definitivamente em causa a própria subsistência do contrato de trabalho. Termina com o pedido de que seja concedida a Revista, julgando-se nula a rescisão do contrato e declarando-se o seu direito às compensações monetárias em substituição do gozo efectivo de férias desde 1991. Contra alegou a R, concluindo: 1) O Estatuto do Trabalhador Estrangeiro Residente e o Estatuto do Trabalhador Cooperante, e respectivos regulamentos, vêm dispor sobre o regime jurídico laboral dos trabalhadores estrangeiros de uma forma absoluta. Ou seja, TODOS os trabalhadores estrangeiros que exercem a sua actividade em Angola estão sujeitos ou a um ou a outro diploma; 2) O critério que permite distinguir qual dos dois diplomas se aplica a cada caso é simples; trata-se do critério do LOCAL DE RESIDÊNCIA do trabalhador ao tempo da contratação; 3) Pelo que, se o trabalhador reside no estrangeiro, e aí é contratado para trabalhar em Angola, como é o caso do recorrente e provado está nos autos, qualificará como trabalhador estrangeiro cooperante sujeito portanto ao estatuto do Trabalhador Cooperante e respectivo Regulamento; 4) Mas mesmo que por absurdo se entendesse que o recorrente era residente em Angola, a sua qualidade de cidadão estrangeiro de nacionalidade portuguesa, sempre lhe seria aplicável o Estatuto do Trabalhador Estrangeiro Residente; 5) A expressão "contratado em País estrangeiro" para efeitos do Estatuto do Trabalhador Cooperante tem pois de ser entendida, como se referindo ao indivíduo que reside fora de Angola quando é chamado a prestar trabalho no País, e não ao indivíduo que assina o contrato de trabalho no estrangeiro, sendo este o entendimento igualmente partilhado pelo Ministério Angolano da Administração Pública, Emprego e Segurança Social e dos tribunais portugueses em matéria semelhante à dos...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO