Acórdão nº 01S1066 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Novembro de 2001

Magistrado ResponsávelMANUEL PEREIRA
Data da Resolução07 de Novembro de 2001
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: "AA", casada, demandou no Tribunal do Trabalho de Gondomar, em acção com processo ordinário, a Ré Empresa - A, com sede no lugar de Zebreiros, Foz do Sousa, Gondomar, pedindo que seja condenada: a) ver declarada válida e com justa causa a rescisão do contrato de trabalho operada pela A. e a pagar-lhe a indemnização de antiguidade no valor de 5.123.578$00; b) pagar-lhe, de diferenças salariais as quantias de 430.212$00 (meses de Maio a Julho e Setembro e Outubro de 1994), de 480.000$00 (férias e subsídio de férias vencidas em Janeiro de 1994), de 57.748$00 (diferencial não pago do subsídio de Natal de 1994), de 480.000$00 (férias e subsídio de férias referentes a 1994) e 134.000$00 (dias de trabalho prestado no ano da cessação do contrato - 1997, proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal); c) pagar à Autora as diferenças de remuneração não recebidas da Segurança Social durante o período de baixa médica (de 17/11/94 a 21/5/97), incluindo subsídio de Natal, pois o salário mensal ilíquido da A. era de 269.662$00 e não o declarado à Segurança Social, 240.000$00, diferenças que perfazem 254.800$00, acrescendo 39.460$00 de juros de mora; d) a pagar à Segurança Social a diferença entre as quantias que mensalmente entregou como contribuição da Autora, 26.400$00, e aquelas que deveria ter entregue e reteve mensalmente à A., 29.663$00 desde Fevereiro de 1991 a 4/6/97, excluindo o período da baixa médica, comunicando-se àquela Instituição o real salário da A. - 269.662$00, 240.000$00 líquidos; e) pagar à A. quantia não inferior a 500.000$00, correspondente ao prejuízo sofrido pela A. com a retirada pela Ré do uso do veículo automóvel seu em condições normais de circulação; f) pagar à A. a quantia de 80.082$00 por ela despendida na reparação do automóvel da Ré, Fiat Uno de matrícula EQ, cuja utilização integrava direito laboral da Autora; g) pagar a A indemnização por danos morais, em montante não inferior a 4.000.000$00.

  1. pagar juros de mora sobre tais quantias a contar da citação.

    Alegou, no essencial, que entrou ao serviço da Ré em 1/9/78, praticando diversos actos de tesouraria, auferindo a partir de Fevereiro de 1991 a remuneração mensal líquida de 240.000$00.

    A A., que é sócia da Ré, foi nomeada gerente em 9/4/90, tendo renunciado à gerência em 31/7/93, gerência que, de facto, nunca exerceu, antes se mantendo a relação laboral com a Ré.

    Para além da retribuição em numerário, a A. tinha direito a utilizar, inclusive em férias, veículo automóvel da Ré, que suportava todos os encargos.

    A A. esteve de baixa médica de 17/11/94 a 21/5/97.

    Regressada ao trabalho em 22/5/97, a A. viu-se privada da utilização exclusiva do gabinete onde trabalhava, passando a partilhar esse espaço com outro funcionário, e sem qualquer tarefa a desempenhar, certo que a Ré não lhe atribuiu funções para além da execução de um serviço que não ocupou mais de duas ou três horas.

    A A. reagiu contra a situação que a Ré lhe criou, sem êxito, sentiu-se humilhada, tendo rescindido o contrato de trabalho com efeitos a partir de 4/6/97.

    Ainda a A. é credora da Ré, por diferenças salariais, que discrimina, e bem assim pelos montantes que gastou na reparação de veículo da Ré, além de lhe ser devida indemnização por danos não patrimoniais.

    Contestou a Ré concluindo pela improcedência da acção excepto no que respeita ao pagamento da remuneração relativa aos dias que a A. trabalhou após a baixa médica e até à rescisão do contrato, efectuada sem justa causa; por isso, e em reconvenção, pede a condenação da A. ao pagamento da indemnização por falta de aviso prévio, concretamente na quantia de 384.000$00, já compensado aquele crédito da Autora.

    Houve resposta da Autora.

    No despacho saneador julgou-se o Tribunal do Trabalho incompetente em razão da matéria para conhecer dos pedidos da A. constantes das alíneas c) e d), sendo a Ré absolvida da instância quanto aos mesmos.

    A acção prosseguiu com especificação e questionário, de que reclamaram as partes, com parcial êxito a Ré.

    Instruída e julgada a causa, proferiu-se sentença, que declarou válida e com justa causa a rescisão do contrato de trabalho operada pela A. e condenou a Ré a pagar-lhe as seguintes quantias: a) 723.857$00, a título de diferenças salariais, remuneração e proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal pelo trabalho prestado no ano da cessação do contrato, acrescida da quantia de 80.082$00 a título de despesas com a reparação da viatura, acrescendo juros desde o vencimento de tais quantias; b) 4.560.000$00, a título de indemnização por rescisão com justa causa; c) 300.000$00 pela retirada do veículo; d) 1.000.000$00, a título de danos não patrimoniais.

    A Ré foi absolvida do pedido quanto ao mais, como a A. foi absolvida do pedido reconvencional.

    Sob apelação da Ré, o Tribunal da Relação do Porto, pelo acórdão de fls. 1422-1444, negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

    De novo inconformada, a ré recorreu de revista, rematando a sua alegação com conclusões que assim se sintetizam:

  2. Considerando que a recorrida, admitida ao serviço da recorrente em 15/11/78, evoluiu para o estatuto de gerente de direito e de facto a partir de 9/4/90 tendo renunciado à gerência em 31/7/93 - já era sócia da Ré em 9/4/90 -, há que concluir que o contrato de trabalho se extinguiu, e não se suspendeu, dado tratar-se de uma sociedade por quotas, a que não se pode aplicar o disposto no art. 398º do CSC.

  3. Conforme ensina a doutrina, e jurisprudência, há incompatibilidade do exercício da gerência com a existência ou subsistência do contrato de trabalho, maxime quando o gerente é também sócio.

  4. Contrariamente ao decidido, não fiou o contrato do trabalho da A. suspenso por impedimento prolongado, desde logo porque o regime de suspensão do contrato de trabalho, regulado no Dec-Lei 398/83, de 2 de Novembro, não tem aplicação ao caso, já que o diploma contempla motivos diversos, não abarcando situações de gerência.

  5. Admitem ainda a doutrina e a jurisprudência que a suspensão do contrato no período da gerência só poderá ocorrer se houver acordo, que "in casu" se verificou, e que a ocorrer teria que ser invocado, o que não foi, o que sempre seria essencial e pressuposto da suspensão e mesmo da sua apreciação.

  6. A partir de 9/4/90, com a formalização da investidura da recorrida nas funções de gerente, cessaram todos os direitos, deveres e garantias que pressupunham a manutenção ou suspensão do contrato de trabalho, maxime para efeitos de antiguidade, com reflexo no montante da indemnização, pelo que, ao não se entender assim, violou o acórdão recorrido - escreveu-se sentença, por repetição da conclusão VIII da alegação produzida na apelação - o disposto nos art.s 1º da LCT e 1º, 2º, 3º e 5º do Dec-Lei nº398/83, e 398º do CSC, pelo que deve ser revogado.

  7. Quanto à rescisão do contrato for alegada justa causa, operada por carta de 3 de Junho de 1997, assentou a decisão na privação do uso exclusivo do gabinete e no esvaziamento de funções, com violação do dever de ocupação efectiva, há que ter presente que a A. esteve de baixa médica durante dois anos e meio e que, tendo retomado o trabalho em 22/5/97, logo em 4/6/97 lhe pôs termo, nesse curto período tendo dirigido três missivas à Ré, tudo com vista a alicerçar a invocada justa causa, o que parece ter escapado aos julgadores, mesmo ao sr. Desembargador que votou vencido.

  8. Não se demonstra que a alegada privação do uso do gabinete fosse intencional e culposa, além de que sempre interessaria ser quesitada a matéria articulada no art. 55º da contestação, como a recorrente vem defendendo, pelo que se justificava a requerida anulação do julgamento com apoio no nº 4 do art. 712º do CPC.

  9. O ter de partilhar o gabinete com outro trabalhador não constitui violação de qualquer direito da Autora, tanto mais que a Ré não era obrigada a dar um gabinete de trabalho a cada trabalhador - ao decidido opõe-se o princípio da livre conformação da prestação de trabalho pela entidade patronal (art.s 20º nº1 al. c) e 39º nº 1 da LCT).

  10. Não se configura no sistema juslaboral português um dever geral de ocupação efectiva, que antes se considera ser um elemento usual dos contratos de trabalho, nos casos em que o interesse na ocupação efectiva assume particular acuidade para o trabalhador - em apoio, cita Monteiro Fernandes, "Noções Fundamentais de Direito do Trabalho", 4ª ed., pág.s 143 e 144 -, pelo que não pode ter-se por verificada a violação de um dever que nem decorre da lei nem do contrato e dela fazer decorrer a alegada justa causa.

  11. Ainda que se entenda existir um legal direito de ocupação efectiva, o que ficou provado não é demonstrativo da violação de um tal dever. E também neste particular, que embora a reclamação oportuna da Ré, não foi levada ao questionário a matéria alegada nos art.s 59º, 66º, 68º a 73º, 75º e 79º, que interessa à decisão da causa, impondo-se a anulação do julgamento para ampliação da matéria de facto.

  12. A devida ponderação de todas as circunstâncias na apreciação da justa causa mostra que esta não ocorreu, como bem se salienta na declaração do Sr. Desembargador que votou vencido, sendo de relevância salientar que não se provou o pressuposto essencial da culpa (respostas negativas aos quesitos 58º a 60º).

  13. Impõe-se, consequentemente, a absolvição da recorrente (escreveu-se recorrida por lapso) do pagamento da indemnização por antiguidade e a procedência do pedido reconvencional.

  14. Caso se entenda verificada a justa causa, sempre a indemnização por antiguidade deverá ser fixada em 1.200.000$00 (5 anos), por ser de considerar que o novo contrato de trabalho teve o seu início...

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