Acórdão nº 01S3363 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Novembro de 2002 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelMÁRIO TORRES
Data da Resolução13 de Novembro de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório "A" intentou, em 30 de Novembro de 1999, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção emergente de contrato de trabalho, com processo ordinário, contra B, pedindo: (i) que seja declarada legítima a rescisão com invocação de justa causa, por sua iniciativa, do contrato de trabalho que a ligava à ré; (ii) que a ré seja condenada a pagar-lhe as seguintes quantias, acrescidas de juros de mora legais vencidos e vincendos desde as respectivas datas de vencimento e até integral pagamento: (1) 4199428$10 de remunerações em dívida relativas aos meses de Novembro de 1998 a Outubro de 1999; (2) 381766$26 correspondentes ao subsídio de férias do ano de 1998; (3) 318138$55 de proporcionais do subsídio de férias do ano de 1999; (4) 318766$26 correspondentes ao subsídio de Natal do ano de 1998; e (5) 318138$55 de proporcionais do subsídio de Natal do ano de 1999; (iii) que a ré seja condenada a pagar-lhe 4962961$30 de indemnização de antiguidade, acrescida dos juros de mora vincendos desde a data da citação da ré e até integral pagamento; e (iv) que a ré seja condenada a pagar-lhe 3000000$00 por danos consubstanciados em sentimentos de desespero, perda e frustração, e desvalorização laboral com perda de capacidade produtiva, decorrentes da inactividade a que a ré a remeteu durante cerca de um ano

Aduziu, para tanto, em suma, que: (i) foi admitida ao serviço da ré no início do ano lectivo de 1986/1987 para exercer a sua actividade profissional por conta e sob a autoridade e direcção da ré, detendo a categoria de assistente da cadeira de Estatística no Departamento de Gestão e Economia; (ii) no início de cada ano lectivo, a ré atribuía-lhe um determinado horário; (iii) a autora auferia uma remuneração mensal, calculada através da multiplicação do número de horas de trabalho prestado, correspondente ao número de aulas por ela dadas, por um valor determinado expresso em dinheiro; (iv) atendendo à carga horária distribuída nos anos lectivos de 1986/1987 a 1997/1998, a autora trabalhou um número médio de 16,9 horas por semana, o que perfaz a média de 67,6 horas por mês; (v) durante o ano de 1998, a autora recebia mensalmente 90359$00, trabalhando 16 horas por mês, de onde se extrai que o valor horário praticado pela ré nesse ano seria de 5647$43, pelo que, multiplicando esse valor horário pela média mensal de 67,6 horas, verifica-se ser de 381766$26 a sua remuneração média mensal; (vi) no ano lectivo de 1997/1998, a ré diminuiu consideravelmente a carga horária da autora, diminuindo-lhe consequentemente a retribuição; (vii) em Outubro de 1998, início do ano lectivo de 1998/1999, a ré não atribuiu à autora qualquer horário, deixando desde então de lhe pagar qualquer retribuição; (viii) a autora reclamou contra esta situação, tendo-lhe sido dito que a mesma era provisória, e que no segundo semestre desse ano lectivo seria chamada de novo a leccionar, com atribuição de horário; (ix) no segundo semestre, a ré propôs à autora atribuir-lhe um determinado horário, tendo a autora posto uma objecção a uma das horas atribuídas, porquanto em virtude de não lhe ter sido atribuída carga horária no semestre anterior tinha sido forçada a procurar uma ocupação que a preenchesse, tendo a ré ficado de responder à autora, mas nada mais disse; (x) a autora voltou a apresentar reclamações, junto da direcção da ré, tendo-lhe sido prometida a atribuição de carga horária no início do ano lectivo de 1999/2000, mas tal promessa não foi cumprida, pelo que, por carta datada de 15 de Outubro de 1999, a autora rescindiu o contrato de trabalho, invocando justa causa

Citada, a ré contestou (fls. 28 a 55), por excepção e impugnação, e deduziu pedido reconvencional: por excepção, a ré arguiu a incompetência material do tribunal, por entender que entre as partes não vigorou um contrato de trabalho, mas sim contratos de docência, que não estabeleciam relação de subordinação jurídica própria dos contratos de trabalho, invocou a caducidade do eventual direito de rescisão do contrato com invocação de justa causa e alegou ter pago à autora o subsídio de férias do ano de 1998; por impugnação, negou a existência de justa causa para a rescisão, a remuneração invocada pela autora e o direito a qualquer indemnização, incluindo por danos morais; e, por reconvenção, para o caso de o tribunal entender que entre as partes vigorava um contrato de trabalho, formulou pedido de condenação da autora no pagamento da quantia de 180718$00, por falta de pré-aviso da cessação do contrato

A autora respondeu às excepções e contestou a reconvenção (fls. 67 a 78), pugnando pela sua improcedência

Foi proferido despacho saneador (fls. 79), no qual se decidiu pela improcedência da excepção de incompetência do tribunal em razão da matéria e se relegou para final a apreciação das excepções da caducidade e do pagamento, a que se seguiu a elaboração de especificação e de questionário (fls. 80 a 82), que foram alvo de reclamações pela ré (fls. 83 e 84) e pela autora (fls. 85 a 88), as quais não foram atendidas, com ressalva da rectificação de um erro material (despacho de fls. 103 e 104)

Frustrada tentativa de conciliação (fls. 116), realizou-se audiência de julgamento, após o que foram dadas aos quesitos as respostas constantes de fls. 123 a 125, que não suscitaram reclamações

Por sentença de 15 de Setembro de 2000 (fls. 127 a 136), foi a acção julgada improcedente, por a autora não haver logrado provar a existência de um contrato de trabalho subordinado, e não se conheceu do pedido reconvencional, por este ter sido deduzido, a título subsidiário, apenas para a hipótese de se vir a considerar provada a existência daquele tipo de contrato

Contra esta sentença, apelou a autora para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 14 de Março de 2001 (fls. 171 a 187), lhe concedeu parcial provimento: (i) declarando como de contrato de trabalho a relação jurídica estabelecida entre a autora e a ré; (ii) condenando esta a pagar à autora as seguintes quantias, acrescidas de juros de mora desde as datas dos respectivos vencimentos e até integral pagamento: (1) 451845$00 de remunerações dos meses de Novembro de 1998 a Março de 1999; (2) 90369$00 de subsídio de Natal de 1998; (3) 180738$00 de férias e subsídio de férias vencidos em 1 de Janeiro de 1999; (4) 67777$00 de proporcionais de férias e de subsídios de férias e de Natal correspondentes ao ano da cessação do contrato (1999) - tudo no total de 790729$00; (iii) absolvendo a ré do demais pedido, tendo em conta a caducidade do direito da autora a rescindir o contrato com justa causa, caducidade operada a partir do final de Março de 1999; e (iv) julgando improcedente o pedido reconvencional, por entender só haver lugar a indemnização a favor da entidade patronal, por falta de aviso prévio, nos casos em que não exista justa causa para a rescisão por iniciativa do trabalhador e não também nos casos, como o presente, em que existia justa causa, que, porém, não foi invocada dentro do prazo legal

Contra este acórdão interpuseram recursos de revista, para este Supremo Tribunal de Justiça, a autora (requerimento de fls. 190) e a ré (requerimento de fls. 191)

A ré apresentou as alegações de fls. 192 a 220, no termo das quais formulou as seguintes conclusões: "I - Salvo o devido respeito, jamais poderá resultar da matéria de facto dada por provada que estamos perante a existência de um contrato de trabalho subordinado

II - Sendo embora incontestável que a subordinação jurídica é hoje considerada o critério fundamental para a distinção destes dois tipos contratuais, isto não significa que seja fácil de apurar a existência de tal elemento caracterizador do contrato de trabalho

III - Com efeito, tal critério consente, nos seus próprios termos, graduações subtis e que nem sempre levam a resultados esclarecedores. Na verdade, o trabalho autónomo é muitas vezes compatível com a orientação e fiscalização alheias, é muitas vezes inserido numa organização e organizado no espaço e temporalmente (como ocorre no caso do médico pago por avença) e é inidentificável como obrigação de resultado (acompanhamento de litígio por advogado avençado)

IV - Por isso, o apuramento da subordinação não pode ser encontrado através do método subsuntivo, devendo sê-lo através do método tipológico, que consisto na procura de indícios que permite uma aproximação ao modelo típico

V - Assim, impõe-se, antes de mais, proceder à identificação do objecto principal do contrato - a docência universitária -, ou seja, determinar se se trata de uma obrigação de facere ou de uma obrigação de resultado

VI - À primeira vista, a obrigação assumida pela autora, inerente à docência universitária stricto sensu, poderia aproximar-nos mais de uma obrigação de facere do que uma obrigação de resultado o docente obriga-se a ensinar e a avaliar os alunos, e não a que estes obtenham aproveitamento

VII - Todavia, a obrigação de leccionar deve ser encarada como obrigação de resultado, não no sentido do resultado final (a aprovação dos alunos), mas antes no de resultado intermédio. O objecto do contrato é constituído pela prelecção de uma determinada disciplina num determinado número de aulas

VIII - Ainda que assim se não entenda, é preciso ter em conta que, apesar de ter de dar aulas num estabelecimento universitário e num horário pré-fixado, o trabalho de docente não se esgota nessa parte visível, tendo subjacente uma outra constituída pelo estudo e preparação das aulas, correcção de trabalhos e, mais importante do que isso, a própria investigação (conforme dispõe o artigo 63.°, alínea d), do Estatuto da Carreira Docente Universitária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 448/79, de 13 de Novembro, conjugado com o artigo 25.°, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 16/94, de 22 de Janeiro, que aprovou o Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo), que de forma alguma está sujeita àqueles condicionalismos de tempo e lugar e cuja gestão cabe...

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