Acórdão nº 02B2282 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Setembro de 2002

Magistrado ResponsávelNEVES RIBEIRO
Data da Resolução19 de Setembro de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:I Razão da revista 1. A, casado, residente na Av. ......., nº..., em Elvas; B, casada com o réu anterior, residente na Av. ....., nº...., em Elvas, e C, filho dos réus anteriores e por eles representado, instauram acção, com processo ordinário, contra Estado português, invocando, como causa de pedir a prisão preventiva do autor durante cinco meses e dois dias, num processo penal, onde veio a ser absolvido. E daí, pedindo a condenação do réu, a pagar ao autor A, a quantia de 15000000 escudos, sendo 5000000 escudos por danos morais e 10.000.000 escudos, por danos patrimoniais, com juros legais a contar da citação, até ao pagamento; e aos autores B e C, a quantia de 3000000 escudos, e juros legais, para cada um deles. 2. Foi proferido despacho saneador, no qual se decidiu pela improcedência dos pedidos dos autores B e C. Organizou-se a base instrutória que se consolidou, sem reclamações. Procedeu-se ao julgamento, tendo a acção sido julgada improcedente. O autor, A, apelou; e a Relação de Évora manteve o decidido. Daí a revista, proposta pelo autor A.II Objecto da revistaConsiste o objecto da revista em saber se, nas condições da prisão preventiva, que adiante serão explicitadas, o recorrente, com base nelas, é credor de uma obrigação de indemnizar, contra o réu - o Estado/juiz. Em síntese relevante, é este o quadro colocada pelas diferentes conclusões do recorrente. ( Fls. 299/300 - onde defende a tese da sua prisão manifestamente ilegal, ou sustentada por erro judiciário grosseiro - alíneas G) , H) e J). Vamos tratá-lo, começando por fazer um enquadramento normativo geral da matéria, passando depois ao enquadramento de facto e de direito, específicos do caso em apreciação.III Enquadramento normativo geral da matéria1. A prisão preventiva tem carácter excepcional e decorre do pressuposto constitucional, da presunção da inocência do arguido. Como determina a Constituição, « não se mantém, sempre que possa ser substituída por caução ou por outra medida mais favorável prevista na lei». (Artigo 28º-2). Constituição que previne ainda, que « a privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei constitui o Estado no dever de indemnizar o lesado nos termos que a lei estabelecer». (Artigo 27º-5). (1) O carácter subsidiário da prisão preventiva explica-se pelo ajustamento do Estado Português a exigências internacionais, (2) relativamente aos direitos humanos - o que levou à revogação do artigo 209º (aplicação da prisão preventiva em certos crimes) na versão originária do Código de Processo Penal, pela reforma de 1998. A subsidiariedade constitucional da prisão preventiva, em homenagem à qual, o Código do Processo Penal extinguiu a categoria de crimes incaucionáveis (revogação indicada). Só razões especiais, acrescidas aos demais requisitos previstos nos artigos 202º, 213º, 215º, 216º e 217º, do Código de Processo Penal, permitem que a prisão preventiva seja aplicada por decisão judicial devidamente fundamentada, com garantias formais de defesa - artigos 62º/64º; com recurso - artigo 219º; com reexame periódico dos seus pressupostos - artigo 213º; com possibilidade de suspensão e a revogação imediatas - artigos 211º e 212º; e, sendo caso, com a providência excepcional de habeas corpus - artigo 220º. Finalmente, podendo dar lugar a um crédito por indemnização ao lesado/preso - artigo 225º. 2. De modo que - já salientámos - é a Constituição que expressamente assegura o direito à indemnização « nos casos previstos por lei». O artigo 225º do Código de Processo Penal desenvolve o preceito constitucional, explicitando: «1. Quem tiver sofrido detenção ou prisão preventiva manifestamente ilegal pode requerer, perante o tribunal competente, indemnização dos danos sofridos, com a privação da liberdade. «2. O disposto no n.º anterior aplica-se a quem tiver sofrido prisão preventiva que, sendo ilegal, venha revelar-se injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia, {se a privação da liberdade lhe tiver causado prejuízos anómalos e de particular gravidade}. Ressalva-se o caso de o preso ter concorrido, por dolo ou negligência, para aquele erro». (Redacção em vigor ao tempo dos factos que geraram a causa de pedir da acção - ponto 1, Parte I). A redacção do n. 2 transcrito sofreu uma alteração significativa com a Lei n. 59/98, de 25 de Agosto, que procedeu à revisão do Código de Processo Penal. Neste aspecto, suprimiu o requisito, até aí exigido, de que a « se privação da liberdade tivesse causado prejuízos anómalos e de particular gravidade». (É a expressão acima colocada, entre chavetas). Eliminou-se assim a restrição do prejuízo causado pela prisão preventiva. (3) 3. Dito isto, importará assim concluir que, se alguém for sujeito a prisão preventiva, legal e judicialmente estabelecida, e vier depois a ser absolvido em julgamento, e nessa altura libertado, por não se considerarem provados os factos que lhe eram imputados e que basearam a prisão preventiva, só por si, não possibilita, automaticamente, o direito à indemnização de que falam os artigos, da Constituição e da Lei, há pouco transcritos (4), só porque se seguiu uma absolvição. (5) Apreciação que, obviamente - mas convém lembrar - terá sempre que ser reportada aos pressupostos de facto existentes ao tempo em que foi ordenada e validada judicialmente a prisão preventiva, e que se mantenham sendo caso, face ao reexame trimestral dos fundamentos a que obriga o artigo 213º, do Código de Processo Penal. 4. O que quer dizer que, actualmente, a lei em vigor (tal como a que vigorava ao tempo dos factos - mais restritiva na concessão do direito à indemnização) não vai ao ponto de aceitar, em nome de um direito fundamental à liberdade, que, a simples privação dela...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT