Acórdão nº 02B2592 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Outubro de 2003 (caso NULL)
Magistrado Responsável | SANTOS BERNARDINO |
Data da Resolução | 05 de Outubro de 2003 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. A - Companhia Portuguesa de Locação Financeira Mobiliária, SA intentou contra B - Comércio de Automóveis, SA e Companhia de Seguros C, SA a presente acção, ora a seguir sob a forma de processo ordinário, pedindo que a primeira ré fosse condenada a devolver-lhe o equipamento que ela, autora, lhe havia locado - um veículo automóvel, marca Fiat, modelo Uno 45 S, de matrícula AI - e que ambas as demandadas fossem condenadas, solidariamente, a pagar-lhe a quantia de Esc. 964.236$00, acrescida de juros à taxa de desconto do Banco de Portugal, vencidos e vincendos até integral pagamento, juros que, no que respeita aos vencidos e com referência a 20.02.97, liquidou em 178.646$00. Alegou, para tanto, em síntese, ter celebrado um contrato de locação financeira com a ré B, tendo por objecto o aludido veículo automóvel, e que esta não cumpriu as obrigações decorrentes desse contrato, nomeadamente as respeitantes ao pagamento das rendas, não lhe tendo pago as seis rendas trimestralmente vencidas e facturadas de 16.04.94 a 16.07.95, no montante total de 964.236$00, sendo as três primeiras no valor unitário de 160.016$00, e cada uma das três restantes no valor de 161.396$00; e também não lhe devolveu o equipamento locado. Por outro lado, a ré C, através de contrato de seguro que celebrou com a B, segurou o risco de esta ré não pagar as suas dívidas para com a autora, provenientes do dito contrato de locação financeira, sendo acordado entre ambas as rés que tal garantia seria paga à primeira solicitação da autora, sem qualquer formalidade, e no prazo de 45 dias após a interpelação; mas, tendo a autora dado conhecimento à primeira do incumprimento da segunda, não efectuou o pagamento das rendas em dívida. A ré B, em contestação, alegou, em súmula, que não é ela a responsável pelo pagamento das rendas em dívida, já que, por força do contrato de seguro-caução que celebrou com a C, impende tal responsabilidade sobre esta seguradora. O objecto do aludido contrato consiste unicamente no pagamento da totalidade das rendas pela C em caso de incumprimento por parte dela, B. Por seu turno a C, na contestação apresentada, arguiu a nulidade do contrato de locação financeira celebrado entre a autora e a primeira ré, e alegou que o contrato de seguro-caução que celebrou com a B se destinou a garantir, não as obrigações desta ré para com a autora, mas antes o pagamento das prestações a pagar à B pelos locatários dos contratos de aluguer de longa duração (ALD) celebrados entre esta empresa e os seus clientes. Deduziu ainda a C reconvenção, pedindo que, a reconhecer-se que o seguro-caução abrange as obrigações assumidas pela B para com a autora, fosse esta condenada a pagar-lhe a indemnização - a liquidar em execução de sentença - correspondente aos prejuízos causados pelo incumprimento das obrigações decorrentes dos artigos 10º e 14º das Condições Gerais da Apólice, e equivalente, no mínimo, ao montante pelo qual viesse a responder por força da apólice. Replicou a autora, sustentando a improcedência da excepção de nulidade do contrato, arguida pela C, e a inadmissibilidade e improcedência do pedido reconvencional. Seguindo os autos a sua normal tramitação, veio a ser realizado o julgamento, com sequente prolação da sentença, na qual foi a acção julgada totalmente procedente e improcedente a reconvenção, sendo as rés condenadas nos pedidos acima indicados. Da sentença apelaram ambas as rés. A Relação de Lisboa, porém, julgou improcedentes ambas as apelações, com o esclarecimento de que "as taxas de juro são as taxas de desconto do Banco de Portugal, como foi pedido pela autora." Recorrem agora de revista - sendo que o recurso da B foi interposto e admitido como recurso subordinado. Subidos os autos a este Supremo Tribunal, proferiu o relator despacho questionando a admissibilidade deste recurso subordinado. Foram, por isso, notificadas as partes sobre esta questão, sendo certo que todas elas se mantiveram silentes. Corridos os vistos legais, cumpre agora decidir. 2. Perfila-se, como questão prévia, a da admissibilidade do recurso interposto pela ré B. Recordemos a situação de facto a ter em conta, já aludida no despacho do relator. O acórdão da Relação foi notificado às partes por cartas registadas expedidas em 19.10.01. A ré C interpôs recurso de revista em 29.10.01, que foi admitido por despacho do Ex.mo Desembargador relator. O despacho de recebimento foi notificado por cartas registadas expedidas em 03.12.01. Em 13.02.02 a ré B apresentou o seu requerimento de fls. 576, do teor seguinte: B (...), devidamente notificada do douto despacho que admitiu o recurso de revista interposto pela ré C, do douto acórdão de 01.10.18, vem, ao abrigo do disposto nos n.os 1 e 2 do art. 682º do CPC, interpor recurso subordinado para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça. O recurso foi admitido por despacho do Ex.mo Desembargador relator. Temos, porém, por certo que - tal como foi evidenciado no despacho do relator neste Supremo Tribunal - não podia a B, no caso em apreço, interpor recurso subordinado do acórdão da Relação. Como assinala o Prof. Alberto dos Reis (1) , a decisão proferida pelo tribunal sobre um qualquer caso concreto pode ser desfavorável a mais do que um litigante. E pode sê-lo apenas em relação a um dos lados dos sujeitos da relação processual, falando-se então de decaimento paralelo (ficam vencidos vários autores ou vários réus), ou relativamente a ambos os lados, caso em que se fala de decaimento recíproco ou inverso (venceram e foram vencidos, em parte, o autor e o réu). Quer num caso quer noutro pode suceder que um dos vencidos reaja, pela via recursiva, contra a decisão. E coloca-se então a questão de saber qual o efeito do recurso em relação ao(s) não recorrente(s). A resposta encontra-se, para o primeiro caso, no art. 683º do CPC, e para o caso de decaimento recíproco, no art. 682º. De acordo com este normativo, o recurso circunscreve-se à parte da decisão que é desfavorável ao recorrente. Na verdade, cada uma das partes terá de recorrer, se quiser obter a reforma da decisão na parte que lhe é desfavorável, daí se seguindo que o recurso não pode implicar a reforma da decisão naquilo em que ficou vencida a parte não recorrente. Pode, porém suceder, ainda neste caso de decaimento recíproco, que um dos (parcialmente) vencidos esteja disposto a conformar-se com a decisão, caso a parte contrária não recorra. Poderá então, confrontado com o recurso do seu adversário, interpor recurso subordinado. A parte contra quem é dirigido o recurso principal, em vez de se limitar à defesa, contraditando a argumentação desenvolvida pelo recorrente, a fim de o recurso ser julgado improcedente, pode, por sua vez, interpor recurso quanto á parte da decisão que lhe foi desfavorável, para o tribunal superior reapreciar, na sua totalidade, a decisão impugnada (2) . Supõe, assim, o recurso subordinado a prévia interposição de recurso (independente) pela parte contrária do recorrente, não sendo de admitir no caso de o recurso independente ter sido interposto por um comparte. Como ficou dito, para os casos de sucumbência paralela rege o art. 683º, onde não está contemplada a hipótese de recurso subordinado. Assim, à B só ficaria aberta a via do recurso subordinado se a autora tivesse ficado parcialmente vencida e tivesse recorrido da parte desfavorável da decisão. Mas o certo é que não foi, pela demandante, interposto recurso do acórdão da decisão; e nem podia sê-lo, porquanto logrou, nas instâncias, inteiro ganho de causa. Daí que outra alternativa não restasse à B, se quisesse ver alterada a decisão na parte em que lhe foi desfavorável, senão interpor recurso independente. E devia, obviamente, fazê-lo no prazo previsto no art. 685º/1 do CPC. Não o tendo feito nesse prazo, precludida fica a possibilidade de este Tribunal convolar em recurso independente o (inadmissível) recurso subordinado pela ré interposto. E, por isso, não deve, hic et nunc, conhecer-se do objecto do recurso. 3. Decidida esta questão, fica de pé o conhecimento do objecto do recurso interposto pela ré C. A alegação de recurso desta ré finaliza com a enunciação do seguinte quadro conclusivo: 1º - São nulos os contratos de locação financeira celebrados entre a autora e B, por ofensa ao art. 2º do Dec-lei 171/79, pois, na verdade, tais contratos tiveram por objecto, não bens de equipamento, mas antes veículos que as partes bem sabiam destinar-se a uso pessoal dos seus adquirentes, com quem a B, com conhecimento e consentimento da autora, contratara previamente os contratos de locação financeira. 2º - Em casos como este, em que estamos perante um vício que afecta a própria validade e subsistência da obrigação garantida, deve ser dada primazia às normas imperativas que regulam o ordenamento jurídico em causa, ainda que de uma garantia autónoma se trate, sendo tal vício invocável pelo garante e oponível ao beneficiário da garantia. 3º - A decisão do processo não foi acompanhada da necessária análise crítica dos meios de prova oferecidos pelas partes, em flagrante violação da lei processual, no caso o art. 659º do CPC. 4º - A determinação da efectiva vontade das partes - C e B - ao contratarem entre si os seguros de caução, constitui requisito prévio essencial para a boa interpretação da apólice dos autos. 5º - A natureza formal do contrato de seguro não...
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