Acórdão nº 02B4448 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Janeiro de 2003

Magistrado ResponsávelNEVES RIBEIRO
Data da Resolução30 de Janeiro de 2003
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:I Razão da revista1. A, solteira, professora, residente na Rua Dr. ......., n.º ..., Porto; B, engenheiro, casado, residente na Praça ......, n.º .. - , Faro; C , assessor da função pública, casado, residente na Av. ......., ...-..., Porto; D, médico, casado, residente na Av. ......., n.º ...., Aveiro; E, engenheiro civil, casado, residente na Rua ...., n.º..- ....., Miraflores, Algés, Oeiras; F, separado, residente no Largo ......... ......; G, agente técnico de engenharia, casado, residente na Rua ..... , n.º...., ...., Lisboa; e H, advogada, divorciada, residente na Rua ......, ....., Lisboa, pediram, em acção declarativa, com processo ordinário, proposta contra I, viúva, residente na Rua ......., n.º ... - ..., Porto, o seguinte: A condenação da ré, a reconhecer que os autores e os parentes, que identificam, são herdeiros testamentários de J; O cancelamento do eventual registo de transmissão a favor da ré de quaisquer bens pertencentes à herança do mesmo.

E requereram a intervenção principal dos restantes herdeiros, que também identificaram.

1.2. Alegaram, no essencial, que o testador faleceu no estado de casado com a ré, sem descendentes, nem ascendentes, deixando testamento cerrado, datado de 7 de Abril de 1959, que revogou um anterior, feito em 24 de Março de 1950, manifestando a vontade de que, por sua morte, sejam chamados à herança aqueles que a lei determinar em seguida ao cônjuge, que assim fica privado de concorrer nessa herança, que os autores interpretam como intenção de instituir herdeiros os irmãos, e, na ausência destes, os sobrinhos, que são os autores e os intervenientes.

  1. Em contestação, a ré impugnou os fundamentos da acção, negando que o testador quisesse contemplar no testamento em primeiro lugar os irmãos ou os sobrinhos, e concluiu pela improcedência do pedido. Os autores replicaram, mantendo a posição anterior.

  2. A acção foi julgada improcedente, e a ré absolvida do pedido, na sentença de primeira instância. 4. Os autores recorreram da decisão. E a Relação do Porto confirmou a decisão recorrida (fls.439).

    Daí surgir a revista, naturalmente proposta pelos autores.

    II Objecto da revistaO objecto da revista é traçado pelas conclusões dos recorrentes/autores: Dizem-nas (vamos transcrevê-las ipsis verbis apenas por uma regra de precaução processual, sabendo embora, como se demonstrará, da irrelevância e desinteresse de boa parte delas), assim: 1- Os Autores impugnaram a decisão da matéria de facto no tocante ao quesito 4°., apontando as razões por que o fazem: os passos do testamento, factos, inferências lógicas a partir desses factos, depoimentos de testemunhas e de parte da Ré e dos chamados a intervir, que, nos autos, assumiram a posição dela.

    2- Entendendo que os Autores não satisfizeram tal ónus, por isso, não conhecendo da impugnação da matéria de facto, o acórdão recorrido violou o artigo 690-A, n.ºs 1, alíneas a) e b), e 2, do C.P.C., deve ser revogado.

    3 - A resposta ao quesito 4.º em que se procura saber se o testador pretendeu instituir herdeiros os irmãos e (ou) filhos de irmãos falecidos, consistente em dar, apenas, como provado o texto do testamento, nada esclarece sobre a pergunta nele formulada, deixando o conhecimento da questão no mesmo estado anterior à resposta dada, já que, como é lógico e entendimento pacifico, a simples referência ao texto de um documento, nada esclarece sobre a interpretação que o mesmo merece.

    4 - Assim, tratando-se de matéria que poderá considerar--se indispensável à decisão da acção, deverá, se assim se entender, nos termos dos artigos 729º, n.º 3 e 730º, n.º1, do C.P.C., reenviar-se o processo à 2ª instância, devendo a Relação proceder à resposta ao quesito, tal como determina o n.º4, do artigo 712º, do C.P.C.

    5- Porém, o testamento em apreço, deve, segundo o critério definido no artigo 2187º C.C., a que correspondia o artigo 1761º do C.C. de 1867, ser interpretado no sentido de que a vontade do testador, que mais se harmoniza com o seu contexto, é a de que nele foram instituídos herdeiros os irmãos e (ou) descendentes destes.

    6 - Como decorre da sua fundamentação, o Assento de 19-10--54,( in BMJ. 45, pág. 152), apenas se refere à determinação da vontade real do testador, como fenómeno psicológico, mera questão de facto, e não à interpretação do testamento como questão de direito, em conformidade com a regra do artigo 2187º C.C., a que correspondia o artigo 1761º do C.C. de 1867 (Alberto dos Reis, Anotado, vol. VI, pág. 57; e Ac. S.T.J., de 3-12-97, B.M.J n.º 472, pág. 493) .

    7 - Aliás, é entendimento pacifico que a determinação da vontade real do declarante constitui matéria de facto, mas a interpretação normativa da declaração de vontade negocial, como sucede com a resultante do indicado preceito, e dos artigos 236º, n.º1, 237º e 238º, n.º1, do C.C., constitui matéria de direito.

    8 - Antes de mais, ao contrário do que a Ré teima em sustentar, o testamento em causa não se destinou, apenas, a revogar o anterior em que o cônjuge do testador era instituído herdeiro, já que sendo intenção do testador exclui-lo da herança, para impedir a sua sucessão legitima (artigos 2000º e 2003º, § único, do C.C. de 1867) tinha de instituir herdeiros testamentários.

    9 - Por isso, o testador nomeia testamenteiros e termina o testamento, dizendo que constitui a expressão da sua última vontade, e esperando que a cumpram.

    10- Aliás, a Ré considerou-o como tal, juntando-o ao processo de liquidação do imposto sucessório por óbito do de cujus, e não pode ignorar que a resposta ao quesito 5°, impede o acolhimento da sua pretensão.

    11- A favor da interpretação do testamento no sentido de que o testador pretendeu instituir herdeira a prima afastada, L, existem, sem dúvida, os n.ºs 4 e 5, do artigo 1969º, do C.C. de 1867, uma vez que no testamento se instituem herdeiros aqueles que "a lei determina em seguida ao cônjuge" 12- Mas, tendo-se dado como provado que o testador não estava ligado afectivamente a essa prima, com quem pouco convivia, e, diversamente, tendo-se dado como provado que tinha laços afectivos com os irmãos e sobrinhos, é absurdo ou, no mínimo estranho, que fosse intenção do testador pretender beneficiar aquela e não estes.

    13- Mas o absurdo ou a estranha desaparecem se se considerar que do disposto nos artigos 2000º e 2003º, § único, do C.C. de 1867 resulta que os irmãos e descendentes destes só entram na posse e fruição dos bens da herança depois da morte do cônjuge, pelo que, nesse aspecto, se situam "em seguida ao cônjuge" ( e note-se que o usufruto do cônjuge pode valer, em função da sua idade, mais do que a raiz dos irmãos) .

    14 - E que era essa a situação que o testador tinha em mente, prova-o a circunstância de, a seguir à expressão "aqueles que a lei determina em seguida ao cônjuge", acrescentar "que assim fica privado de concorrer nessa herança".

    15- Concorrer significa participar conjuntamente com outros, e a única situação em que o cônjuge concorre à herança (com os irmãos do falecido) é precisamente a prevista nos artigos 2000º e 2003º, § único, do C.C.

    16- A reforçar essa conclusão, o testador nomeou testamenteiros os irmãos D e G, o que, sendo tais cargos gratuitos não teria sentido que se pretendesse instituir herdeira a prima L.

    17- E reforçando-a mais, o testador esclarece que, nessa data, são seus irmãos "alem daqueles dois, C e M, ( aquele residente no Porto, e esta na cidade de Aveiro)».

    18 - Sendo de presumir que o encargo de testamenteiros fosse atribuído a herdeiros, interessados na conservação da herança, essa menção corrobora tal entendimento, na medida em que só...

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