Acórdão nº 02P1073 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Abril de 2002

Magistrado ResponsávelSIMAS SANTOS
Data da Resolução11 de Abril de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça I 1.1

O Tribunal Colectivo de Marco de Canaveses condenou os arguidos A..., pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada dos art.ºs 143.º, n.º 1 e 146.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 15 (quinze) meses de prisão; B... e C..., pela prática de um crime de homicídio do art. 131.º, do Código Penal, na pena de 14 (catorze) anos de prisão, cada um

Mais foram os arguidos B... e C..., condenados solidariamente a pagar à assistente a quantia de 19500000 escudos (dezanove milhões e quinhentos mil escudos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida dos respectivos juros de mora

1.2

Inconformados, os arguidos A... Pinheiro, B... e C... e a assistente D... recorreram para a Relação do Porto

Este Tribunal Superior, por acórdão de 14.11.2001 (1), "negou provimento aos recursos, mantendo a decisão recorrida, com excepção do recurso da arguida A..., o qual merece parcial provimento, decidindo-se suspender-lhe a execução da pena de 15 (quinze) meses de prisão, pelo período de 3 (três) anos, art. 50.º, n.ºs 1 e 5, do Código Penal, mantendo-se em todo o restante." II 2.1

Ainda inconformados, vieram os arguidos B.... e C... recorrer para este Tribunal, concluindo na sua motivação: 1º - Em primeiro lugar, surge-nos uma questão prévia que se pretende com a existência de facto novo superveniente

Assim, 2º - Já após a prolação do acórdão do Tribunal Colectivo da Marco da Canavezes e da interposição de recurso para o Tribunal da relação do Porto, ao arguido B... foi retirada uma munição do tórax, no dia 15 de Janeiro de 2001, no Centro de Saúde nº1 de Vila Real (Cfr. doc. nº1)

  1. - Tal munição, no contexto conhecido dos factos relatados, terá sido disparada pela pistola semi-automática de calibre 6,35mm Browning do falecido E... e o conhecimento deste facto poderá introduzir elementos muito relevantes para a descoberta da verdade material e designadamente, para a actuação em estado de necessidade defensivo do próprio B...

  2. - Face à existência de facto novo superveniente entende-se ser imprescindível a renovação de prova ou a revisão da sentença, sendo certo que o recorrente não podendo conformar-se com a decisão recorrida também não pode prescindir da sua oportunidade processual de recorrer daquela decisão, nos presentes termos

    Deste modo, 5º - Face aos contornos processuais que esta questão nos coloca e à necessidade de averiguação do novo facto que não se compadece com os prazos processuais, dele se dá conhecimento a V. Exªs que com a vossa douta sabedoria saberão avaliar da importância da renovação de prova nos presentes autos

  3. - Não se conformam os recorrentes com a posição assumida pelo acórdão recorrido, designadamente, no que concerne com a questão relativa à qualificação e enquadramento jurídico dos factos e consequentemente com a questão da medida da pena

    Assim, 7º - Os factos imputados consubstanciam a prática do crime de participação em rixa, previsto e punido nos termos do art. 151º, n.º 1 do CP

    Uma vez que, 8º - Nada nos presentes autos nos permite concluir que os recorrentes tenham agido em conjugação de esforços e para mais com intenção daquele resultado

    Certo é, 9º - Não se conseguir discernir quem efectivamente provocou a morte do E...

    Embora, 10º - Seja inequívoco que todos os intervenientes estiveram envolvidos em confronto físico e com contornos de grande perigosidade

    Acontece porém que, 11º - Segundo a doutrina e jurisprudência dominantes a ratio inerente ao art. 151.º do CP é a tutela da vida e da integridade física (Stratenwerth I, Stree, Morillas Cueva; Maia Gonçalves)

  4. - O nosso Código Penal, ao contrário do Código italiano não optou por uma tutela antecipada dos bens jurídicos vida e integridade física, configurando a rixa não como um crime de perigo abstracto mas sim como um crime de perigo concreto

  5. - O conteúdo do ilícito de participação em rixa consubstancia-se no "intervir ou tomar parte em rixa de duas ou mais pessoas"

    Pelo que, 14º - A rixa há-de pressupor um pacto prévio, expresso ou tácito, ou seja, o espontâneo envolvimento físico de duas ou mais pessoas na sequência de uma azeda troca de palavras ou de injúrias

    Deste modo, 15º - Os factos imputados aos recorrentes como a própria factualidade dada como provada, integra o tipo objectivo de ilícito supra descrito

    Sendo que, 16º - O desvalor da acção prevista no artº 151º, nº1 do CP é o desvalor da intervenção numa rixa concretamente perigosa para a vida ou integridade física, não pressupondo o dolo do rixante relativamente à condição objectiva de punibilidade (c.o.p.), pressupõe sim, o dolo de perigosidade ou gravidade da própria rixa

  6. - Considerar o art. 151.º, n.º 1 do CP enquanto crime de perigo concreto para a vida ou integridade física grave foi a solução consagrada pelo legislador de 1982 e não alterada pelo legislador de 1995

  7. - No caso concreto parece-nos óbvio estar-se perante uma rixa, estando preenchidos todos os elementos do tipo legal vertido nos art. 151.º, n.º 1 do CP

    Mesmo porque, 19º - A própria rixa é no seu todo perigosa

    Deste modo: 20º - Entende-se que o dolo se projecta na própria actividade da rixa que é em si mesma perigosa, mas que não existe ab initio intenção de matar, é o decurso que toma a própria rixa que conduz a tal resultado

  8. - A condição objectiva de punibilidade (c.o.p.) é-o relativa ao facto, exigindo-se que entre o facto e a c.o.p. haja uma relação causal

    Isto é, 22º - Que a morte ou lesão corporal grave seja objectivamente imputada a actos praticados no decurso da rixa

  9. - Mais uma vez nos parece preencher o caso dos autos o tipo legal invocado

  10. - Quanto ao dolo previsto no art. 151.º, n.º 1 do CP é um dolo de perigo concreto

    Assim, 25º - Indispensável e suficiente é a representação e conformação com a perigosidade da rixa

    Face ao que, 26º - A forma como tudo começou, o número de pessoas envolvidas e os instrumentos utilizados, leva a crer que os intervenientes da rixa, todos eles, tinham consciência da perigosidade da mesma

  11. - Quanto às causas de justificação, em relação à participação em rixa, nunca se poderá falar em legítima defesa ou, direito de necessidade defensivo (Vide A legitima defesa, Américo A. Taipa de Carvalho, Coimbra Editora 1995, pág. 286 e segs.) 28º - Diferente é o caso de justificação de uma acção mortal praticado por um dos participantes sobre um outro que, no decurso da rixa constituída por ofensas corporais mesmo que graves, se decide e prepara para matar aquele

  12. - O que ocorre no caso dos autos, após o E.... ter empunhado a pistola e terem sido disparados tiros que provocaram a morte do F... e atingiram outros dois rixantes

  13. - Aqui, poderá considerar-se justificado o homicídio com base no direito de necessidade defensiva mas não a acção de participação em rixa

    Sendo que, 31º - Também responderá por este crime devendo afirmar-se uma atenuação modificativa da pena, dada a contribuição causal da vítima para a situação de perigo que nele veio a concretizar-se. (No mesmo sentido, Américo Taipa de Carvalho, ob. cit, pág. 453 e segs.)

  14. - Em caso de concurso de crimes e se se provar quem foi o autor da morte, verificar-se-á um concurso aparente entre o art. 131.º e o art. 151.º, n.º 1 do CP, por força da relação de consunção entre as respectivas normas, devendo aplicar-se o art. 131º

    Deste modo, 33º - Também aqui haverá lugar a uma atenuação especial nos termos do art. 72.º, n.º 1 do CP com fundamento na contribuição causal que a vítima (E...) deu à criação da situação de perigo (a rixa) de que resultou não só a sua morte mas também a morte de F...

  15. - Ao não ter decidido desta forma a decisão recorrida violou os arts, 71.º, 72.º, 131.º e 151.º, todos do CP

  16. - Face ao exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida

    2.2.1

    Respondeu a assistente D... que concluiu na sua resposta: Improcedem todas as conclusões do recurso, uma vez que estando determinados os autores da morte do E... não podem eles ser condenados pelo crime de participação em rixa

    E também não se mostra necessária a repetição da produção da prova, pois não tendo sido possível apurar-se quem disparou os tiros que vitimaram o F..., por maioria de razão se torna impossível apurar quem disparou um quarto tiro que atingiu o B... e cuja munição ele diz ter extraído, (extrairia?) do seu tórax longos meses após os infaustos acontecimentos, sem que, contudo, alguma vez se tenha queixado de ter sido atingido

    Nestes termos, e nos mais que os Venerandos Conselheiros doutamente suprirão, deve o recurso ser julgado totalmente improcedente com as legais consequências

    2.2.2

    Mas também a assistente D... recorreu subordinadamente, pretendendo (fls. 1036): 1) que se conclua que a actuação dos arguidos consubstancia a prática de um crime de homicídio qualificado, 2) que a arguida A... é co-autora na prática de tal crime, 3) que esta arguida seja condenada solidariamente com os demais arguidos no pagamento da indemnização atribuída à assistente

    E concluiu: 1 - As circunstâncias qualificativas do crime de homicídio que constam do nº 2 do artigo 132.º do CPenal são exemplificativas e não taxativas, como decorre da expressão "entre outras"

    Os arguidos agrediram o E... até lhe provocar a morte porque não aceitaram a decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Marco de Canaveses, depois confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto e pelo Supremo Tribunal de Justiça, que lhe reconheceu o direito de passar com água que lhe pertencia por determinado rego

    A prática de tal crime pelos arguidos só porque não se conformaram com as referidas decisões judiciais merecem especial censurabilidade, já que o respeito pelas decisões judiciais transitadas em julgado são o sustentáculo da nossa vida em sociedade e a garantia da subsistência de um Estado de direito democrático

    Por outro lado, o não acatamento de tais decisões e a consequente actuação dos arguidos é revelador das suas personalidades...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT