Acórdão nº 02P157 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Maio de 2002

Magistrado ResponsávelCARMONA DA MOTA
Data da Resolução02 de Maio de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. OS FACTOS O arguido A é motorista de táxi e, nessa sua profissão, utiliza o veículo automóvel (táxi) NU, registado em nome da sociedade "X", de que é gerente a esposa, .... . O arguido B trabalhava para A, como motorista desse táxi. A arguida C utilizava regularmente os serviços do táxi NU, - sendo conduzida quer por A quer por B. Em consequência deste contacto habitual, C e B envolveram--se emocionalmente, assumindo uma relação de mancebia. Ainda no seguimento dessa convivência, os arguidos combinaram entre si adquirir produto estupefaciente, mais concretamente haxixe, em Espanha, para, posteriormente, o distribuírem em Portugal a revendedores desse tipo de substância. Acordaram ainda que, para o efeito, se fariam deslocar no táxi NU e que C far-se-ia passar por passageira transportada e os arguidos por motoristas desse veículo, como se de um verdadeiro serviço de táxi se tratasse. No dia 18Mai00, durante a manhã, C e o arguido A deslocaram-se a Vigo, Espanha, no mesmo táxi, conduzido por este último. Naquela cidade compraram uma quantidade de haxixe não inferior a 10 kg. No mesmo dia, C e o arguido A regressaram a Portugal, no táxi, com o haxixe adquirido. No dia 29Mai00, durante a tarde, C e o arguido B deslocaram-se a Vigo, Espanha, no táxi NU, conduzido por este último, e naquela cidade compraram uma quantidade de haxixe não inferior a 15 kg, que, no mesmo táxi e no mesmo dia, introduziram no país. No dia 1Jun00, durante a tarde, C e o arguido B deslocaram-se de novo a Vigo, no táxi NU, conduzido por este último e naquela cidade compraram uma quantidade de haxixe não inferior a 20 kg, que, nesse mesmo dia e no mesmo táxi, trouxeram para Portugal. No dia 2Jun00, durante a tarde, C e o arguido A deslocaram-se outra vez a Vigo, no mesmo táxi, e aí compraram uma quantidade de haxixe não inferior a 20 kg, que, nesse mesmo dia e no mesmo táxi, importaram. No dia 5Jun00, durante a tarde, C e o arguido A deslocaram-se de novo a Vigo, no mesmo táxi e aí compraram uma quantidade de haxixe não inferior a 20 kg, que no mesmo dia e no mesmo carro trouxeram para Portugal. No dia 9Jun00, durante a tarde, C e o arguido B deslocaram-se outra vez a Vigo, no mesmo táxi, onde compraram 20,056 kg de haxixe, peso líquido, divididos em embalagens vulgarmente designadas por "sabonetes", com cerca de 250 g cada, num total de 80 "sabonetes", que colocaram na bagageira do táxi, regressando a Portugal. Foram, porém, detidos em Vila Nova de Cerveira, pela Polícia Judiciária, que lhes apreendeu o haxixe. O haxixe importado nos dias 18 e 29Mai e 1, 2, e 5Jun00 foi distribuído pelos arguidos, no norte e centro de Portugal, a revendedores e por estes posteriormente revendidos a um grande número de consumidores. Por cada 10 kg de haxixe revendido, os arguidos arrecadaram mais de 2000000 escudos. Os arguidos ficavam com parte do dinheiro assim obtido e o restante destinavam-no ao pagamento do produto adquirido aos fornecedores que contactavam em Vigo. À quantidade de haxixe adquirido em 9Jun00, os arguidos dariam, como era seu propósito, o mesmo destino que haviam dado à droga anteriormente adquirida. A arguida tinha em seu poder, aquando da detenção, dois telemóveis da marca Nokia utilizados no tráfico de estupefacientes. O arguido B tinha em seu poder, quando da detenção, um telemóvel da marca Nokia, também utilizado no tráfico de estupefacientes. Destes telemóveis, dois deles pertenciam ao arguido A, sendo um de seu uso pessoal e o outro o que normalmente se destinava a ser usado no táxi. D tinha conhecimento da utilização do táxi para a actividade de tráfico e consentia nessa utilização. Os arguidos agiram sempre de comum acordo e em comunhão de esforços. Tinham o propósito de obter avultados lucros com a actividade de tráfico de estupefacientes. Conheciam bem as características estupefacientes do haxixe que adquiriram, transportaram, introduziram em Portugal e distribuíram, bem sabendo que as suas condutas eram e são proibidas por lei. C, foi entretanto condenada, no processo comum colectivo 63/00 de Vila Nova de Gaia, por acórdão de 18Out00, transitado em julgado, por um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.1 do DL 15/93, por factos praticados durante cerca de 2 meses até 22Abr99, na pena de 6,5 anos de prisão. Os arguidos C e A vendiam a droga a vários revendedores de estupefaciente, nomeadamente E, do Bairro ...., "F", e G, de Oliveira do Douro, bem como um outro indivíduo de etnia cigana, residente na área de Famalicão, e que se fazia deslocar numa carrinha Mercedes, de cor amarela, que lhes compravam o haxixe que traziam de Vigo. Os arguidos utilizavam os telemóveis, de marca Nokia, supra referidos, para estabelecer os contactos entre eles e com os vendedores de Vigo. C é solteira e tem três filhos menores. Vivia numa barraca, beneficiava do rendimento mínimo garantido e vendia roupa de porta em porta. Dedicava-se ainda à prostituição. Completou o 2.° ano do ensino básico. Confessou integralmente os factos. O arguido C é solteiro, vive com uma companheira, de quem tem uma filha menor, que era operária fabril, encontrando-se actualmente desempregada. Alimentava o agregado familiar com o rendimento auferido do trabalho de taxista no montante de 90000 escudos. Vivia em casa arrendada e pagava 70000 escudos de renda mensal. É tido por pessoa bem comportada e estimado pelos amigos e vizinhos. Não tem antecedentes criminais. Completou o 5° ano do ensino básico. O arguido A é casado, tem quatro filhos, sendo dois menores e dois maiores, estes do primeiro casamento. É estimado pelos amigos. Vive em casa própria. Completou a quarta classe. Respondeu em Gaia pelo crime de ofensas à integridade física, sendo condenada em pena de multa. 2. A CONDENAÇÃO Com base nestes factos, o júri de Vila Nova de Cerveira (1), em 15Out01, condenou, por tráfico agravado (art.s 21.1 e 24.b do DL 15/93), a arguida C na pena de 6 anos e meio de prisão (2), o arguido B na pena de 6 anos de prisão e o arguido A na pena de 7 anos de prisão: Os arguidos estão acusados da prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido no artigo 21° n.º 1 e 24° al. b) e f) do DL 15/93 de 22-1. Dispõe este artigo 21.1 que "quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40°, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos". Este ilícito é de considerar agravado quando se verifiquem as circunstâncias aludidas nas alíneas a) a I) do artigo 24° do mesmo diploma legal, passando a referida moldura penal abstracta a ver-se aumentada, nos seus limites mínimo e máximo, de um terço. Qualquer das actividades descritas acima praticada sem a autorização necessária, constitui um crime de tráfico de estupefacientes. Qualquer destes actos preenche o tipo de ilícito. É possível distinguir vários bens jurídicos protegidos pela incriminação do tráfico de estupefacientes, nomeadamente, a vida, a integridade física, a liberdade de determinação dos consumidores de estupefacientes e a saúde pública em geral. Constitui um crime de perigo pois a incriminação não requer que se verifique, em concreto, dano na saúde de alguém, o legislador não exige, para a consumação, a efectiva lesão dos bens jurídicos tutelados, bastando que, com a conduta do agente se ponham em risco os bens jurídicos. Assim, na medida em que a norma protege uma multiplicidade de bens jurídicos, não dominando os seus agentes a expansão do perigo que causam, trata-se de um crime de perigo comum - no mesmo sentido João Luís Moraes Rocha, Droga - Regime Jurídico, Petrony, 1994, p. 61. No mesmo sentido, Relação de Lisboa, 13-4-00, CJ II 157. É ainda um crime de perigo abstracto dado que "não exige o dano nem o perigo de um dos concretos bens jurídicos protegidos com a incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para as espécies de bens jurídicos protegidos" (Moraes Rocha, op. cit.). Nos acórdãos do Tribunal Constitucional de 6-11-91, BMJ 411-56/73, e de 7-6-94, DR II 2Out94, também este tribunal entendeu qualificar-se o crime de tráfico de estupefacientes como um crime de perigo comum e abstracto. O crime de tráfico de estupefacientes é um crime exaurido pois a incriminação da conduta do agente esgota-se nos primeiros actos de execução, independentemente de os mesmos corresponderem a uma execução completa, e em que a repetição dos actos, com produção de sucessivos resultados, é imputada a uma única realização. O resultado típico obtém-se logo pela realização inicial da conduta ilícita, de modo que a condenação de alguém pela prática de crimes de tráfico de estupefacientes, referida a um determinado período, corresponde a uma apreciação global da sua actividade delitual durante esse período ainda que alguns actos parcelares praticados não tenham sido considerados. O crime considera-se, assim, exaurido, esgotado, apenas quanto aos factos ocorridos dentro do período a que a condenação pela sua prática se refere. Também STJ 7Mar01, CJ I 237, considerou o crime de tráfico exaurido: "O primeiro passo dado pelo agente na senda do iter criminis já constitui o preenchimento do tipo, valendo os passos seguintes apenas para efeitos de estabelecimento da medida concreta da pena a impor". Resultou provado que a conduta dos arguidos preenche o elemento objectivo do tipo de ilícito, dado que compraram, transportaram, importaram, fizeram transitar entre Espanha e Portugal e posteriormente puseram à venda, venderam efectivamente e distribuíram a substância conhecida por haxixe e incluída na tabela I-C anexa ao DL 15/93. Os arguidos agiram em co-autoria uma vez que qualquer deles tomou parte directa na execução dos...

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