Acórdão nº 02P2789 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Outubro de 2002

Magistrado ResponsávelDINIS ALVES
Data da Resolução10 de Outubro de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:I1. Na comarca das Caldas da Rainha, o arguido - A , solteiro, empresário, nascido a 21/1/1972, filho de B e de C, natural de New Jersey, Estados Unidos da América e residente, antes de detido, na Rua ......, nº...., Palhais, Cadaval, foi pronunciado pela prática de factos típicos que objectivamente correspondem aos seguintes crimes: a) Dois de homicídio qualificado, previstos e puníveis pelos artigos 131° e 132°, nº 1 e 2, com referência ao artigo 275°, nº 1 e 3, todos do Código Penal, e artigo 3°, nº 1, al. b) do Decreto-Lei n° 207-A/75, de 17/4; b) - Um de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 275°, nos 1 e 3 do Código Penal, com referência ao artigo 3°;. Nº 1, d) do Decreto-Lei nº 207-A/75, de 17/4.

  1. - Por o arguido sofrer de anomalia psíquica, e por dever ser considerado inimputável perigoso, em virtude de existir risco de que venha a cometer novos factos tipicamente ilícitos, foi requerida a aplicação de uma medida de internamento, nos termos do artigo 91°, nº1 e 2 do Código Penal.

    IIRealizada a audiência de julgamento, o Tribunal Colectivo do correspondente Círculo Judicial, por acórdão de 8 de Março de 2002, julgando procedente, por provada, a pronúncia: a) Considerou ter o arguido A cometido factos típicos ilícitos, que correspondem a um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 275°, nº 3 do Código Penal, com referência ao artigo 3°, nº1, d) do Decreto-Lei n° 207-A/75, de 17/4, e dois crimes de homicídio qualificado, previstos e puníveis pelos artigos 131° e 132°, nºs 1 e 2, g), com referência ao artigo 275°, nºs 1 e 3, ambos do Código Penal, e artigo 3°, nº 1, b) do Decreto-Lei n° 207-N/75, de 17/4, e II. b) Declarando ser o arguido inimputável perigoso, decretou nos termos dos artigos 20°, nº 1, 91º, e 92º, nº 2 do Código Penal, a medida de internamento em estabelecimento de segurança, fixando em quinze (15) anos e em vinte e cinco (25) anos, respectivamente, o limite mínimo e o limite máximo de duração de tal medida sem prejuízo da possibilidade de prorrogação deste limite máximo de acordo com a faculdade prevista no nº 3 do artigo 92° do Código Penal.

    1. Nos termos do disposto no artigo 109°, nº1 e 2 do Código Penal, declaram-se perdidos a favor do Estado o revólver, a caçadeira, a navalha, o coldre, o bastão, os cartuchos e as munições apreendidos a fls. 165 e 169 -170.

      1. Mais se determina que a medida de internamento deverá ser cumprida no anexo psiquiátrico de Santa Cruz do Bispo onde o arguido já se encontra internado preventivamente, ou em estabelecimento de natureza similar determinado pela D.G.S.P .

    2. - Discordando do quantum do prazo mínimo de internamente fixado, o arguido interpôs recurso em que extraiu as seguintes conclusões: 1) o arguido é recuperável, como se reconhece no próprio douto acórdão recorrido.

      2) Justifica-se pois o seu internamento mas só como instrumento e condição para o seu tratamento e para a sua cura.

      3) Não devendo porém o limite mínimo desse internamento ir além dos 3 anos, fixados no artigo 91 e n° 2 do C. Penal.

      4) Devendo o internamento cessar, mesmo nesse período, se entretanto, o arguido se mostrar curado e extinta a sua perigosidade.

      5) O douto acórdão recorrido, violou, entre outros, salvo o devido respeito, o artigo 91 e n° 2 do C. Penal.

      Deve, por isso, ser revogado o douto acórdão recorrido, na parte em que fixou em 15 anos o prazo mínimo do internamento, fixando tal prazo em 3 anos, nos termos do artigo 91 e n° 2 do C. Penal.

    3. - Na sua douta resposta, o Exmº Procurador da República formulou as seguintes conclusões: 5.1. O artigo 91, n. 2, do Cód. Penal não estabelece um limite mínimo fixo da medida de segurança de internamento, 5.2. Nem há razões que levem a entendimento contrário, 5.3. Já que há situações, como a dos autos, em que se pode, «ab initio», afirmar que a perigosidade irá persistir, senão até ao limite máximo da referida medida, pelo menos, bem para além do prazo de 3 anos aí previsto, 5.4. Acresce que a medida em causa, para além do tratamento do inimputável, tem também em vista, igualmente a título primordial, a própria protecção da sociedade, 5.5. Protecção tanto mais importante quanto maior for a probabilidade de aquele, em consequência da doença de que é portador e da sua personalidade, vir a praticar mais , crimes de especial gravidade.

      5.6. Daí que, padecendo o arguido de esquizofrenia paranóide, aliada a uma personalidade de tipo psicótico que aumenta a referida probabilidade e dificulta o seu tratamento, o prazo fixado pelo Tribunal Colectivo como mínimo da medida de internamento (quinze anos) se deva ter como proporcional à sua perigosidade (bem demonstrada, aliás, na provocação de duas mortes, uma das quais de pessoa desconhecida dele) e às exigências de segurança social.

    4. - Também os assistentes apresentaram resposta, concluindo: A) o arguido, com um ritual de terror e de execução, praticou factos ilícitos típicos, integradores de dois crimes de homicídio; B) Sofre de esquizofrenia Paranóide - doença incurável, crónica e progressiva; C) Não reconhece a doença nem admite o tratamento, e mesmo sujeito a ele, pode ser cometido de surtos que o levem a praticar factos idênticos; D) A Medida de Segurança, como é unânime, tem na sua base uma certa função ético-retributiva; E) A fixação da duração de uma qualquer Medida de Segurança tem sempre em vista a satisfação, em certa medida, de razões de prevenção geral; F) Foram gravíssimos os factos cometidos pelo arguido, pois retirou a vida (o bem mais precioso) a dois indivíduos, um deles ainda muito jovem (21 anos de idade) sem qualquer motivo; G) São elevadas as necessidades de prevenção geral, tendo em conta as possibilidades de simulação de inimputabilidade e o aumento de homicídios praticados por inimputáveis; H) É grande o perigo de o arguido praticar factos idênticos, não só analisado em sentido concreto, mas também visto em sentido abstracto e genérico, tendo em conta a doença de que padece que tende a evoluir, o facto de não reconhecer , não admitindo o tratamento, e mesmo tratado poder cometer factos idênticos; I) O artigo 91, n. 2 fixa como mínimo o prazo de 3 anos, deixando ao julgador a possibilidade de determinar um prazo diferente, sempre que as razões atrás apontadas o justifiquem; J) Só assim se compreende a defesa da paz social e da ordem pública; K) Existindo no artigo 91º, n.º 2 (in fine), do Código Penal, os mecanismos adequados para que, em certos casos, a Medida de Segurança de Internamento possa terminar, mesmo antes de decorrido tal prazo; L) Pelos motivos supra enunciados, o acórdão recorrido não violou qualquer norma, incluindo o disposto no n.º 2 do artigo 91° do Código Penal; M) Na esteira do que dissemos, vide Maia Gonçalves ("Código Penal Português Anotado e Comentado, Ed. 1999, pág. 342), Figueiredo Dias ("Direito Penal Português", 1993, págs. 450 e 451) e Acórdão S.T.J. de 23 de Janeiro de 1991 Recº. n° 41236, exarado do Procº. Comum Colectivo n° 72/90 da Comarca de Vale de Cambra, Circulo de Oliveira de Azeméis).

      Neste Supremo Tribunal, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta, na vista que teve do processo, nada opôs ao conhecimento do recurso.

      Colhidos os vistos, procedeu-se á audiência, com observância do formalismo legal.

      Cumpre decidir.

      O Tribunal Colectivo deu como provados os seguintes factos: 1. O arguido, no dia 26 de Janeiro de 2001, pelas 16 horas e 30 minutos, dirigiu-se ao estabelecimento comercial pertencente a "....., Informática, Lda", sito na Rua ....., n.º ..., C, em Caldas da Rainha, para ir buscar um bloco CPU que aí entregara com vista a obter alterações a um programa de facturação.

  2. Aí sentou-se em frente ao sócio gerente da aludida sociedade, D.

  3. Volvidos cerca de três minutos, E, trabalhador ao serviço de ...., Informática", entregou a D uma factura emitida por aquela firma, referente à aquisição, pelo arguido, de tinteiros, no valor de 11.200$00.

  4. D entregou então, ao arguido aquela factura, perguntando-lhe se queria proceder ao seu pagamento.

  5. O arguido entregou a D , a quantia de 15.000$00 e recebeu, de troco, 4.800$00.

  6. Como o trabalho encomendado pelo arguido à "......, Informática", ainda não se achasse concluído, o arguido saiu do aludido estabelecimento, para obter elementos de identificação da firma que geria, necessários à conclusão daquele trabalho, aí voltando cerca das 17 horas e 30 minutos desse mesmo dia.

  7. Pouco depois do arguido ter regressado, estando este sentado à frente da secretária do D, que ultimava o trabalho encomendado pelo arguido, o E entrou na dependência destinada ao atendimento de clientes, e onde aquele se encontrava.

  8. De imediato, o arguido levanta-se e empunha o revólver de marca "Amadeo Rossi", modelo M677.357 MAG, calibre 9 mm, com 5,3cm de comprimento de cano, sem número de série, fabricado no Brasil, 9. E, encontrando-se de frente para o E , a cerca de metro e meio deste, dispara um tiro, cujo projéctil o atinge na região hipocôndrica esquerda (abaixo das costelas).

  9. Este projéctil atinge o corpo de E e perfura uma parede de 15 cm de espessura, feita em placa-gesso.

  10. Após ter sido atingido pelo referido disparo, E colocou as mãos na cabeça e agachou-se debaixo de uma secretária que aí se encontrava.

  11. Quando D procurava acalmar o arguido, dizendo-lhe: "Então! O que estás a fazer? Queres assustar toda a gente?" e o empurrava para a rua, este retorquiu: "Deixa-me! É uma coisa que eu tenho que fazer!".

  12. Apesar das tentativas feitas pelo D para o dissuadir de continuar a disparar, o arguido volta a disparar novo tiro na direcção de E que se mantinha debaixo da secretária.

  13. Este projéctil entra na região parietal esquerda de E , saindo na região temporal direita, voltando a entrar e sair no braço direito, na sua região anterior.

  14. Após ter agido do modo descrito, o arguido saiu do estabelecimento e fez-se transportar, ao volante do veículo automóvel marca "Seat", modelo "Ibiza", matrícula...

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