Acórdão nº 02P3158 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Novembro de 2002 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSIMAS SANTOS
Data da Resolução07 de Novembro de 2002
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: I 1.1. Sob acusação do Ministério Público foi julgado pelo Tribunal Colectivo de Ourém (Processo Comum n.º 122/01), MMF, com os sinais nos autos, a quem era imputada a autoria, em concurso real, de 1 crime continuado de violação dos art.ºs 30.º,n.º 2, 164, n.º 1, 177, n.º l, al. a) e n. 4, e de 1 crime continuado de coacção sexual dos art.s 30, n.º 2, 163, n.º 1 e 177, n. 1, al. a) e n.º 4, todos do Código Penal.

E foi condenado pela prática de 1 crime continuado de coacção sexual agravado dos art.ºs 30.º, n.º 2, 163, n.º 1 e 177.º, n. 4, na pena de 4 anos de prisão e pela prática de um crime continuado de violação agravado dos art.ºs 30.º, n.º 2, 164,n.º 1 e 177, n.º 4, do Código Penal, na pena de 10 anos de prisão.

Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de 12 anos de prisão.

Mais foi o recorrente condenado a pagar ao demandante PACG as despesas com a reabilitação ou tratamento psicológico de que necessite, em consequência da actuação delituosa do arguido, e a quantia de € 29.927,87, a título de danos não patrimoniais 1.2. Inconformado, recorreu para a Relação de Coimbra (recurso n.º 1763/20029) que, por acórdão de 10.7.2002, lhe negou provimento, confirmando a decisão da 1.ª instância.

1.3. Tiveram as instâncias por assente a seguinte factualidade: Os factos provados: 1) - O menor, PACG, nasceu no dia 24 de Junho de 1990, sendo filho de JCGN e de MMNCG.

2) - O arguido é padrinho de casamento dos pais do menor PACG, com os quais mantinha uma relação de amizade, desde há vários anos e a quem o menor chamava de tio.

3) - Os pais do menor PACG iam a casa do arguido todos os fins de semana, sendo a MMNCG quem lhe fazia a limpeza e passava a ferro, e era remunerada por esse serviço, pelo menos, durante algum tempo.

4) - O arguido, em data não concretamente apurada, entre o mês de Agosto e início do mês de Setembro do ano de 1999, convenceu JCGN e MMNCG a deixarem ir viver consigo, o seu filho PACG, de nove anos de idade.

5) - Para tanto, o arguido referiu sentir-se sozinho, e os afilhados ficariam economicamente mais aliviados, pois viviam com carências económicas, e tinham mais três filhos menores a seu encargo.

6) - Prontificou-se, assim, a assumir os cuidados devidos de alimentação e guarda do menor PACG, durante todo o tempo em que o mesmo permanecesse consigo, ou seja, desde o fim das tarde e até à manhã do dia seguinte, altura em que ia para a escola, e ainda durante todo o tempo dos fins-de-semana, feriados e nas férias escolares.

7) - Desta forma, devido à relação de amizade e porque confiaram na palavra do arguido, como o próprio bem sabia, os pais autorizaram que o filho PAC vivesse com aquele, na sua residência, sita na Travessa ..., freguesia de Rio de Couros, nas referidas circunstâncias, o que passou a suceder a partir da altura acima indicada, e até dia 7/8 de Setembro de 2000.

8) - Durante todo esse tempo, e por determinação do arguido, ele e o menor PACG dormiam juntos na mesma cama, no quarto daquele, não obstante a casa ter três quartos e apenas um deles se encontrar ocupado aos fins-de-semana, pelo filho do mesmo, NMF, quando ia à residência do pai.

9) - Passados dois a três dias depois de o menor PACG estar a viver com o arguido, encontrando-se ambos na cama, apenas vestindo cuecas, como era habitual, este tirou as suas cuecas e as daquele.

10) - Seguidamente, o arguido começou a mexer no pénis do menor com as mãos, fazendo movimentos de fricção com a mão direita, unindo os dedos polegar e indicador.

11) - Entretanto, o arguido agarrou na mão direita do PACG e conduziu-a ao seu pénis, obrigando-o a agarrá-lo e a fazer idênticos movimentos de fricção.

12) - Nessa altura, o arguido, repentinamente, virou o menor de costas e introduziu o seu pénis no ânus daquele, sem que o mesmo tivesse qualquer possibilidade de se aperceber do que ele lhe ia fazer e impossibilitando-o de resistir.

13) - Apesar do menor PACG sentir dores e de se queixar, o arguido continuou, assim, com o corpo por cima do menor, penetrando-o no ânus e fazendo movimentos de fricção, até ejacular.

14) - Muitas vezes, e em datas não apuradas, no quarto onde ambos dormiam, o arguido procedeu da mesma forma, mantendo relações sexuais com o menor PACG, introduzindo o seu pénis no ânus deste, penetrando-o até ejacular, apesar de saber que agia contra a vontade do mesmo.

15) - Noutras ocasiões, por diversas vezes, no sótão da mesma casa, o arguido deitava o menor PACG num colchão aí existente, despia-lhe as calças, obrigava-o a agarrar-lhe o pénis, a fazer movimentos de fricção nesse órgão e, após, virava-o de costas e introduzia o pénis erecto no ânus daquele, fazendo movimentos de fricção e penetrando-o até ejacular, bem sabendo que agia contra a vontade do mesmo.

16) - Durante o referido período de tempo, por várias vezes, em datas não apuradas, em diversos locais, num terreno denominado Valongo, numa casa em ruínas aí existente, e no interior de vários pinhais, localizados nas redondezas, na área da comarca de Ourém (cf. mapas e fotografias de fls. 28 a 40), o arguido, manteve com o menor PACG iguais actos.

17) - Em todas as situações, e após ejacular, o arguido limpava o pénis a um guardanapo de papel, que sempre tinha consigo, para o efeito.

18) - Várias vezes, algumas das quais, quando não introduzia o seu pénis no ânus do menor PACG, o arguido acariciava e agarrava o corpo do mesmo, nomeadamente, as nádegas e o pénis e, quando se deitava a seu lado, encostava o seu pénis às nádegas daquele.

19) - Noutras situações, em que nem sempre introduzia o seu pénis no ânus do menor, o arguido obrigava-o a agarrar esse órgão e a fazer movimentos de fricção, masturbando-o e, por outro lado, agarrava o pénis daquele, fazendo idênticos movimentos.

20) - Muitas vezes, o arguido colocava, à força, o seu pénis na boca do menor PACG, obrigando-o a suportar, enquanto fazia os habituais movimentos de fricção.

21) - Por tal motivo, o menor chegou a ficar, algumas vezes, com a parte interior da boca e os lábios, rebentados.

22) - Nessas ocasiões, também o arguido, por vezes, metia na sua boca, o pénis do PACG, fazendo nele idênticos movimentos de fricção.

23) - Durante todo aquele período de tempo (Agosto/Setembro de 1999 e até 7/8 de Setembro de 2.000 ), e quase todos os dias, o arguido manteve com o menor PACG as práticas sexuais acima descritas.

24) - Em muitas dessas ocasiões, e sempre que mantinha com o menor PACG os comportamentos descritos, o arguido, por vezes, agarrava-o com força, impossibilitando-o de resistir, apesar dele se queixar.

25) - O arguido, com vista a silenciar o menor PACG, dizia-lhe para que nada contasse a ninguém porque não queria ir para a prisão, enquanto lhe ia comprando brinquedos, guloseimas, tendo chegado a comprar-lhe uma bicicleta.

26) - O PACG sempre foi uma criança tímida, reservada, muito «fechada», carácter que o arguido conhecia bem, e com o qual contou sempre, desde os primeiros actos.

27) - O menor tinha vergonha de contar os factos aos pais ou a quaisquer outras pessoas e, medo do mal que o arguido pudesse vir a fazer-lhe, situações que este bem conhecia.

28) - Pelo que foi obrigado a suportar todas as práticas sexuais descritas, sem nada contar a ninguém, o que lhe provocava muita angústia e sofrimento, como o arguido também não ignorava.

29) - O arguido actuou sempre com o propósito de satisfazer a sua lascívia, conhecia a idade do menor PACG, de nove anos de idade, que se apresentava como vulnerável e indefeso, em face do seu superior domínio físico, situação da qual se aproveitou.

30) - Bem sabia, o mesmo, que agia contra a vontade daquele menor e que a sua conduta violava a integridade, a liberdade e a autodeterminação sexual do mesmo.

31) - O arguido agiu sempre de forma livre e consciente, sabendo que as suas condutas eram legalmente proibidas.

32) - Os factos acima descritos só não continuaram a verificar-se depois do dia 7/8 de Setembro de 2000 porque, nessa data, o menor PACG recusou-se a voltar para a casa do arguido, contando aos pais o que o arguido lhe fazia.

33) - A partir dessa data, e sempre que avistava o arguido, o menor entrava em pânico e fugia dele.

34) - Esta actuação do arguido afectou menor PACG, causando-lhe um sentimento de angústia e de tristeza, falta de concentração nas aulas, e um abaixamento do seu rendimento escolar, acabando por ficar retido no 4ºano de escolaridade.

35) - Em consequência dos factos referidos, o arguido produziu no menor PACG as lesões descritas no relatório de exame directo sexual de fls. 255 e 256 (que se dá por reproduzido) nomeadamente, a nível das pregas anais, acompanhando o sentido destas, nos pontos correspondentes às 5 e 7 horas do mostrador de um relógio, duas cicatrizes nacaradas, medindo, respectivamente, um centímetro de comprimento por três milímetros de largura, e sete milímetros de comprimento.

36) - Como consequência da actuação do arguido, o menor PACG passou a ter alterações ao nível do seu comportamento e desenvolvimento emocional e afectivo descritas no relatório médico-legal da fls. 263 a 266 que se dá por reproduzido nomeadamente, a situação de insucesso escolar a ansiedade vivida, ainda hoje, bem como alterações comportamentais de tristeza, angústia e revolta, chegando a ter pesadelos, sentimentos que ainda perduram.

37) - Em termos de prognóstico, os factos praticados poderão ter consequências negativas no desenvolvimento emocional e afectivo do menor PACG, designadamente, no desenvolvimento saudável da sua personalidade, ao nível da sua auto-estima, na afirmação da sua identidade sexual, na capacidade para estabelecer relações afectivas estáveis e gratificantes, bem como na sua capacidade de lidar com situações de «stress», no futuro.

38) - O menor PACG ainda hoje sente angústia, sendo estigmatizado pelos colegas.

39) - Necessita, por causa disso, de um acompanhamento psicológico com vista à normalização da sua vida afectiva e social.

40) - O arguido é funcionário da...

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